Por José Carlos de Assis
Diz o provérbio que ninguém é profeta em sua própria terra. Nos últimos dias tenho insistido em profecias que nunca se cumprem. Meu amigo dileto, o mais erudito dos economistas brasileiros, Luiz Gonzaga Belluzzo, teme que eu esteja colocando em risco minha credibilidade. Anunciei a derrocada das moedas virtuais, e isso ainda não aconteceu. Anunciei a derrocada do próprio sistema financeiro mundial, e ele parece continuar aí, perfeitamente equilibrado. Anunciei a hiperinflação, e o máximo que aconteceu é que a inflação superou a barreira psicológica dos 10% anuais!
Será que Belluzzo tem razão, e que, de fato, estou expondo à execração pública a minha credibilidade? Comecemos pela definição da palavra “profeta”. Ela não se refere àqueles impetuosos guardiães da moral e da ética públicas que anunciavam, no Velho Testamento bíblico, o que estava por vir como inevitabilidade. Eles se dirigiam aos contemporâneos, principalmente a reis e líderes, para que mudassem seu comportamento a fim de que coisas futuras terríveis não acontecessem para eles e para o conjunto do povo. Eram advertências. Não profecias no sentido moderno.
Minha intenção, no caso do anúncio da derrocada financeira mundial, era sensibilizar nossos grandes bancos para que o sistema bancário interno e a própria economia sejam isolados da crise externa, evitando consequências desastrosas para o povo em termos de perdas de milhões de empregos e bilhões em rendas. Sobre isso recebi uma mensagem “tranquilizadora” de Carlos Cosenza, economista, meu irmão intelectual da Coppe/UFRJ. Cosenza decididamente não estava preocupado com os grandes bancos, como eu. Tinha outro foco. Eis o que disse:
“Os bancos já estão salvos. A devolução dos compulsórios, para “emprestar” para pequenos e médios empresários, serviu para os bancos rasparem o mercado de câmbio. Desvalorizar o real, tornar o Brasil mais barato, aumentar os lucros em reais para quem tem depósitos no exterior, escalar na inflação gerando excedentes do consumo para exportar, provocando o verdadeiro desequilíbrio inflacionário que é a redução da oferta interna em relação à demanda. Trama do Guedes com os bancos”, finalizou Cosenza. Com isso, dei por encerrados meus esforços de salvar os bancos.
Mas é preciso salvar o povo do caos inflacionário. É que o povo será o maior sacrificado na hipótese de uma aceleração da inflação gerando uma hiper! Contudo, só é possível evitar a hiperinflação de amanhã se a previrmos hoje. É o que tenho feito, contra a opinião quase unânime de todos os economistas convencionais, que ainda falam numa inflação tolerável. Estão redondamente enganados. Estamos em marcha forçada para a hiper. É uma determinação matemática, conhecida como equação não linear, da forma y = x.y. No caso, y = x.y.z mais quatro variáveis, pelas que contei.
Uma equação linear é do tipo: y = c.x, onde c é uma constante e x é uma variável. Por exemplo, se a inflação, variável dependente, dependesse apenas da duplicação do preço de um produto x, variável independente, então y, a inflação, seria igual a duas vezes o preço de x, e pronto. Já numa equação não linear y, a inflação depende de mais de uma variável independente: o câmbio, o preço dos combustíveis (diesel, gasolina, gás de cozinha), da energia elétrica; e da própria inflação passada, porque a economia brasileira é generalizadamente indexada, formal e informalmente.
Em resumo, como a inflação é o resultado da interação entre variáveis independentes, e umas influem sobre as outras recorrentemente, não há como estabilizar os preços. Por exemplo: o preço da energia elétrica reflete o preço do óleo combustível determinado independentemente pela Petrobrás, segundo uma fórmula arbitrária; o preço do óleo depende do câmbio, fixado independentemente pelo Banco Central; o preço do câmbio, por sua vez, reflete a inflação passada; a taxa de juros, por sua vez, é fixada pelo BC segundo a percepção do mercado de todas essas interações.
Com isso, a inflação vai num crescendo, e nada consegue estabilizá-la, porque umas variáveis atuam sobre as outras recorrentemente, para frente e para trás, umas reproduzindo comportamentos passados em relação a preços, e outras antecipando preços futuros. No limite, é o caos hiperinflacionário! Então você perguntaria, como a Rainha da Inglaterra perguntou aos economistas do mundo na catastrófica crise financeira de 2007/2008: “Mas ninguém previu isto?” Se tivessem previsto, talvez pudesse ter sido evitada mediante uma ação correta e eficaz.
Mas por quê aparentemente só eu, não outros economistas, estou falando na possibilidade de uma hiper a curto prazo? Estaria pondo minha credibilidade em xeque gratuitamente? A razão é simples. Há três espécies de inflação. Os economistas convencionais e de livro texto só veem duas, eu vejo uma terceira. Eles veem inflação de mercado, quando há desequilíbrio entre oferta e demanda real, e inflação monetária, quando há desequilíbrio entre fluxos monetários e fluxos produtivos (economia real). Eu vejo uma terceira: a inflação indexada, ou dos contratos.
É uma velha conhecida da economia brasileira dos anos 80 e meados dos 90: a economia generalizadamente indexada. Salários corrigidos automaticamente, preços corrigidos automaticamente, câmbio desvalorizado automaticamente, juros subindo automaticamente. Tudo sobe, nada pára. No fim do governo Saney, a inflação estava em 80% ao mês. Era um espanto. Entretanto, as pessoas viviam e os prédios continuavam de pé. É a característica da híper indexada, assim como o uso recorrente do ópio é uma forma de sobrevivência dos viciados.
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A demanda está esmagada pela política monetária e fiscal de Guedes e Bolsonaro
Por quê então estaria eu anunciando a hiperinflação com tanta insistência? Será porque ela vai acontecer inexoravelmente? Não. É porque eu, assim como qualquer economista que saiba distinguir uma equação linear de uma equação não linear, tenho a fórmula simples para parar de uma porrada com a inflação brasileira: basta fixar numa data do tempo, por exemplo, o mês em que o entreguista Pedro Parente começou a aplicar a fórmula de reajuste automático de preços dos combustíveis da Petrobrás e recorrer até eles todos os preços públicos.
Isso, na prática, seria voltar com os preços dos combustíveis, da energia elétrica, do câmbio e com a taxa básica de juros aos níveis de 2016, o ano do golpe contra Dilma Roussef. Os preços privados, sobretudo de monopólios e oligopólios, progressivamente se alinhariam a eles na medida em que seus custos cairiam abruptamente. A concorrência se encarregaria de estabilizar os preços nos outros mercados, na medida em que o governo atuasse firmemente no sentido de recorrer a estoques reguladores para nivelar oferta e demanda no mercado real.
A curto prazo não haveria possibilidade alguma de desequilíbrio inflacionário. A demanda está esmagada pela política monetária e fiscal de Guedes/Bolsonaro, e os estoques de produtos estão invendáveis hoje. A médio prazo, o mercado poderia ser equilibrado por estímulos a importações e desestímulos a exportações bancados circunstancialmente pelas reservas cambiais. A longo prazo, o planejamento governamental se encarregaria de equilibrar o financiamento do investimento público em infraestrutura com a produção de bens de consumo populares.
Como tudo isso poderia ser equacionado? Sem maiores dificuldades: dentro das negociações de um Pacto Social que precedesse um Pacto Político, pelos quais me tenho batido. E quanto ao Pacto Político? A preliminar indispensável é a destituição de Bolsonaro, de Guedes e de Roberto Campos, estes dois últimos controladores da política econômica – a qual, sabemos agora com absoluta convicção, está a serviço deles, e não do povo. E quanto à destituição de Bolsonaro? Um processo de impeachment de duração de seis meses? Seria simplesmente insuportável.
Entretanto, não é preciso ser jurista para encontrar um caminho mais célere para a destituição do Presidente. A Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal só não o fizeram ainda por absolta desídia. Bolsonaro violou a Constituição em discursos públicos para milhões de brasileiros. É réu confesso de crime de responsabilidade, mesmo sem falar em Covid. A PGR não precisa de apurar em inquérito o que foi confessado de público, isto é, a desobediência de Bolsonaro ao Supremo. E ao Supremo só falta colocar a ação em pauta e julgar, para alívio da nação.
Dizia Pitigrilli, o grande humorista italiano radicado na Argentina, que livros (e artigos) são irrelevantes. A maioria não toma conhecimento deles. Metade dos que tomam, não os lê. Metade dos que leem, não os entende. Metade dos que entendem, não concorda. E a metade dos que concordam é irrelevante. Assim acho que tem acontecido com meus artigos mais recentes em que trato de hiperinflação. Ninguém leva a sério. Sobretudo quando publico na internet, a linguagem dos toques rápidos. A não ser quando viraliza. Aí, amigos, sai de baixo. Mas tem que ter mulher nua!