Imagine uma situação sem perspectivas, da qual você não pode fugir. Imagine estar 23 horas por dia confinado em uma cela com uma janela de 10 cm de largura, sem qualquer possibilidade de socializar, condenado à inatividade.
Câmeras de vigilância ligadas a cada 30 minutos. Você é100% controlado por um guarda prisional, Rob Davies, que foi removido de seus últimos empregos por 18 mortes suspeitas de reclusos durante o seus mandatos em três prisões diferentes, Chelmford, Woodhill e Belmarsh.
Imagine ter de esperar o pior, a própria morte, lenta e tortuosa. São 175 anos na prisão sob medidas especiais opressivas nas mãos das autoridades americanas, num caso que será julgado secretamente no infame tribunal de espionagem, que em toda a sua história nunca absolveu ninguém.
Imagine ter o seu caso de extradição supervisionado por uma juíza, Lady Arbuthnot, que recebeu benefícios financeiros de organizações com laços estreitos com o Ministério do Exterior do Reino Unido, e que teve seu marido e filho expostos pelo WikiLeaks.
Este último, vice-presidente e consultor de cibersegurança especializado na prevenção de vazamento de dados, uma empresa fundada pelos serviços secretos britânicos.
Não teriam razão o relator especial da ONU sobre tortura, Nils Melzer, e a sua equipe médica quando concluiram concluíram que se tratava de tortura psicológica? As suas opiniões foram ignoradas pelas autoridades britânicas.
O tratamento de Julian Assange é – e não por mera coincidência – uma imagem simétrica de toda a opressão e injustiça que ele revelou através do Wikileaks.
A sua própria perseguição é um relato de tortura como política estatal, da instrumentalização dos poderes estatais e do sistema judicial para vingança privada, de complô de redição extraordinária e execução extrajudicial por altos oficiais, supervigilância ilegal em territorio estrangeiro.
E, acima de tudo, certifica a total depravação e perversidade das elites capitalistas e até onde elas podem ir contra um inimigo, seja ele quem for. Nas palavras eufóricas de um criminoso de guerra, Yes, we can! (Sim, podemos!)
Julian Assange, fundador e editor do WikiLeaks, está detido preventivamente há dois anos e meio na prisão de alta segurança de Belmarsh, em Londres, sem uma única acusação.
Antes disso, passou mais de 7 anos na embaixada do Equador, onde teve asilo político e um ano em prisão domiciliar. Enfrenta a extradição para os Estados Unidos e um processo penal sob a Lei da Espionagem.
Uma lei considerada inconstitucional, promulgada em 1917 para processar os dissidentes anti-guerra. Assange deverá ser julgado no infame tribunal de espionagem da Virgínia e corre o risco de até 175 anos na prisão de segurança máxima, ADX Florence, em regime de prisão solitária e sob medidas administrativas especiais.
Assange é processado por tornar públicos documentos confidenciais que expõem a chamada “Guerra ao Terror”. Nenhum único vazamento do Wikileaks teve sua veracidade contestada até hoje. Nem mesmo por aqueles que o perseguem. Seu interesse público também é inegável.
Os vazamentos dos documentos militares dos EUA no Afeganistão e Iraque, os cabos diplomáticos cabos do Departamento de Estado norte-americano, e os “Diários de Guerra” forneceram provas de que o Governo dos EUA enganou o público sobre suas atividades no Afeganistão e Iraque e cometeu crimes de guerra.
Julian expôs a Guerra ao Terror, que foi inaugurada pelo 11 de Setembro. Seis guerras mais tarde, com milhões de mortos, trilhões desperdiçados, a guerra contra o terror não serviu a nenhum outro propósito senão o de gerar e acumular riqueza nas mãos de poucos com o preço da destruição em massa e da supressão dos direitos civis. “Mentimos, arrasamos, matamos”, foram as palavras públicas e despudoradas do ex diretor da CIA, Mike Pompeo.
Em “De Olhos bem Fechados” (Eyes Wide Shut), o último filme de Stanley Kubrick, o personagem principal, Dr. Bill (uma alusão fonética à palavra a “dolar bill” e ao seu desejo de ascensão social), encontra-se no meio de uma experiência avassaladora e apavorante.
Ele entra sem ser convidado em uma mansão onde uma poderosa sociedade secreta realiza um culto em forma de orgia. Num ritual sinistro, ensaiado e regimentado, todos os presentes usam máscaras impenetráveis e mantos cobrindo qualquer possibilidade de identificação.
Escravas sexuais obedecem aos estritos comandos da hierarquia onde a dissidência pode custar-lhe suas próprias vidas. Uma vez que Dr. Bill é descoberto como intruso, o ritual pára imediatamente e os holofotes caem sobre ele. Ele é humilhado, culpado e colocado no seu lugar quando lhe é ordenado retirar a sua máscara e a roupa sob insinuações da iminência de um estupro coletivo.
Esta poderosa imagem de Kubrik não deixa de sugerir uma classe dominante que opera nas sombras da sociedade subjugando indivíduos, e que fará o que for preciso para manter a hierarquia que a legitima e mantém ocultas as suas depravações.
Mas o que torna estes homens verdadeiramente poderosos é que são invisíveis, e cometem atos perversos que permanecem na inexistência para a ordem externa. Eles podem fazer o que quiserem impunemente, senão com prêmios. O intruso não é suficientemente importante para ser invisível, e deve tirar a sua máscara para que todos o vejam, mas ao mesmo tempo, não pode ver ou nomear aqueles que o determinam.
Confuso e incapaz de distinguir entre realidade e fantasia, o racional e irracional, resta-lhe obedecer às regras que desconhece, ou que não compreende totalmente. E esta estrutura de poder assenta-se então na obediência dócil daqueles que se vêem constrangidos ou que voluntariamente aceitam.
Fica assim escondido e difuso nas percepções o profundo e obscuro fundo do poço deste submundo.
Julian Assange contou-nos a história não censurada do nosso tempo. Ele rasgou as máscaras dos que operam sob o nome de fantasia de “estado profundo” para dar-lhes plena identidade, endereços, CPF, CNPJ, revelar suas conversas secretas, seus crimes, as suas intenções mais perversas e a sua insaciável ganância.
Julian Assange foi também mais longe — procurou dar dignidade àqueles que morreram anonimamente em crimes de guerra, que foram detidos anonimamente, que foram rendidos, sequestrados e torturados, àqueles que foram silenciados, e àqueles tiveram as suas vidas e futuro destruídos e países que tiveram suas soberanias violadas.
Julian Assange decifrou para a posteridade o entendimento de que o 11 de Setembro nada mais fez do que inaugurar a possibilidade de uma vigilância em massa sem precedentes, suprimir direitos fundamentais, e iniciar pelo menos seis guerras em nome da guerra contra o terrorismo.
Yes, we can! (Sim, podemos!)
Será do nosso interesse apoiar esta máquina de guerra? Será que a Carta Magna resistirá ao teste dos nossos tempos?