O jornalista Miguel do Rosário, dono do site O Cafézinho, faz uma análise de pesquisa recente envolvendo Jair Bolsonaro e Sergio Moro. A notícia não é boa para o presidente. O ex-ministro e ex-juiz pode lhe arrancar votos.
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Moro arrancando votos de Bolsonaro
A pesquisa Ipespe divulgada hoje (íntegra aqui), com entrevistas realizadas entre os dias 25 a 28 de outubro de 2021, reforça três grandes dinâmicas que outros levantamentos já haviam apontado.
São elas: 1) é a economia, estúpido; 2) esvaziamento da terceira via; 3) terceira via tira votos de Bolsonaro (e de outros candidatos alternativos).
Vamos analisar cada uma delas.
A primeira dinâmica: a economia será a pauta principal do debate político de 2022.
Segundo a Ipespe, 44% dos entrevistados apontaram temas econômicos como temas mais importantes a serem tratados pelo próximo presidente. Alguns desses temas econômicos, como “fome/miséria”, andavam distantes dos primeiros lugares do ranking. Hoje, a fome/miséria é quarta maior preocupação dos eleitores, sendo que os três primeiros são parecidos: inflação e custo de vida, saúde e desemprego. Corrupção é preocupação hoje de apenas 6%. Violência, de 3% dos eleitores.
Segunda dinâmica: o esvaziamento da terceira via
A segunda dinâmica é o esvaziamento das candidaturas alternativas, também chamadas de “terceira via”, e a consolidação impressionante de um cenário extremamente polarizado.
As intenções espontâneas de voto são aquelas onde o entrevistador não oferece nenhuma lista de candidatos. O eleitor marca o nome que prefere “espontaneamente”. É um indicativo emblemático do grau de decisão do eleitor, e do nível de conhecimento dos candidatos.
Segundo a Ipespe, a evolução da espontânea mostra Lula crescendo sem parar desde que voltou ao jogo político, e atingindo 31% ao final de outubro de 2021.
Em abril de 2021, quando recupera seus direitos políticos, o petista tinha 21% dos votos espontâneos, contra 25% de Bolsonaro.
Hoje Bolsonaro permanece com 24% de votos espontâneos, o que revela forte resiliência de seu eleitorado, apesar das pesadas denúncias de que teria sido negligente e negacionista durante a pandemia, e dos graves problemas econômicos vividos pelos brasileiros hoje.
Todos os outros candidatos, por outro lado, somam apenas 7% de votos espontâneos, o que sinaliza uma estagnação desse campo, pois é um percentual que vem desde abril de 2021. Importante destacar que essa estagnação acontece enquanto caem os votos indecisos, mostrando uma tendência desses eleitores de se distribuirem entre os dois principais candidatos, ao invés de se espalharem pelos alternativos.
Na pesquisa estimulada, observa-se um quadro igualmente já detectado em outros levantamentos, com Lula batendo numa espécie de teto eleitoral, em torno de 40%.
No caso da Ipespe, 42% para o cenário 1, e 41% para o cenário 2, o que não seria suficiente – na conversão em votos válidos – para uma vitória no primeiro turno.
Bolsonaro também parece ter encontrado seu teto, mas com uma desvantagem em relação a Lula, que é sua rejeição mais alta. Bolsonaro tem 28% no cenário 1 e 25% no cenário 2.
Ciro Gomes se mantém relativamente isolado em terceiro lugar, no cenário 1, com menos candidatos, mas se desidrata no cenário 2, mais fragmentado.
Terceira dinâmica: terceira via tira votos de Ciro e Bolsonaro
E aqui entramos na terceira dinâmica revelada por essa pesquisa. Os candidatos alternativos disputam votos entre si, e com Bolsonaro, não com Lula.
A entrada de Moro, sobretudo, avança sobre Bolsonaro, que perde 3 pontos, e sobre Ciro, que perde 2.
Lula oscila apenas 1 ponto para baixo no cenário 2, que tem a presença de Sergio Moro.
O histórico da avaliação do governo Bolsonaro pode ser visto pela ótica das notas (ótimo, bom, regular, ruim e péssimo) e pela aprovação. Há diferenças entre as duas maneiras de ver, pois quem dá nota regular se divide entre aprovar ou não aprovar o governo.
Na avaliação por nota, temos 24% que deram nota ótimo/bom ao governo, 20% que o qualificaram como regular e 54% como ruim/péssimo. Outros 2% não sabem.
Quando se avalia a aprovação/desaprovação, 64% o desaprovam, 30% o aprovam e 7% não sabem.
Por aí se vê que, dos 20% que dão nota regular ao governo, uns 6% migram para o bloco de apoiadores do governo, quando confrontados por uma resposta binária (apoia ou não apoia), 10% migram para o bloco de oposição, e o resto vai para os indecisos.
Os dados estratificados devem ser vistos com cuidado, porque as margens de erro são bem maiores quando se recorta por grupos específicos, ainda mais numa pesquisa relativamente pequena, com apenas mil entrevistados, como é a Ipespe.
Entretanto, é possível identificar algumas tendências mais ou menos claras na análise segmentada. A tabela de ótimo+bom mostra que o apoio a Bolsonaro parece estar refluindo para o norte/centro-oeste (30%), sul (27%), evangélicos (39%), região Sul (e famílias de classe média baixa (29%).
Por outro lado, há notícias boas para a oposição. Na tabela com o histórico de ruim/péssimo, observa-se um movimento de forte deterioração do prestígio de Bolsonaro em setores estratégicos do eleitorado: ele está mal avaliado no Sudeste (57% de ruim e péssimo), Nordeste (58%) capitais (57%), periferias (65%) e famílias com renda de até 2 salários (57%).
A pesquisa trouxe algumas questões novas, que vale a pena a gente observar e comentar. Por exemplo, é perguntado ao eleitor se ele deseja continuidade ou mudança. O gráfico traz um comparativo da mesma pergunta feita em maio e outubro. Houve um avanço expressivo do percentual de eleitores desejosos “que se mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado”, de 50% para 56%, o que significa que os ventos são de oposição. A maioria dos eleitores quer mudança.
O gráfico comparativo dos meios de informação sobre política deve ser analisado com moderação. É natural que uma maioria se informe pela televisão. É importante notar, por outro lado, que portais e blogs já respondem por 20% da preferência nacional, alguns pontos à frente das redes sociais, que caíram de 19% para 14%, no intervalo entre dezembro de 2018 para outubro de 2021.
É de se notar uma sobrevivência do “jornal impresso”, cujo percentual se recuperou de 3% para 9% nesse período.
O gráfico com a avaliação do desempenho de Bolsonaro no enfrentamento do coronavírus confirma o que inúmeras outras pesquisas apontam: o presidente é extremamente mal avaliado nesse tema, e isso deverá ser determinante para sua derrota em 2022, conforme as lembranças de suas falas negacionistas forem sendo revividas pela campanha eleitoral.
Há uma pergunta sobre decisão do voto para presidente que também oferece resultados importantes: para 44%, seu voto já foi decidido. O percentual restante se divide sobre o momento em que pensa se decidir: após a propaganda dos candidatos na televisão (13%), após os últimos debates (19%) ou apenas no dia da eleição (10%). Esses percentuais sinalizam que não faltará emoção nas eleições do ano que vem. Como a liderança de Lula parece muito consolidada, a surpresa deve vir do lado dos eleitores mais conservadores, que podem seguir com Bolsonaro ou migrarem para Sergio Moro, Dória ou mesmo Ciro Gomes. O mais provável, todavia, é que essas oscilações não sejam suficientes para mover Bolsonaro para fora do segundo turno. O presidente estruturou redes sociais capilarizadas e sólidas para si mesmo, que lhe permitem levar adiante uma campanha com grande independência da mídia. E em 2022 terá a vantagem de disputar enquanto segura a caneta presidencial, ou seja, podendo distribuir benesses e usar (mesmo que ilegalmente) a máquina do Estado em favor próprio.
Cenários de segundo turno
Os cenários de segundo turno ajudam a reforçar a liderança de Lula e polarização. Lula é o candidato mais forte para derrotar Bolsonaro. E Bolsonaro é o candidato mais forte para derrotar Lula. Isso faz com que os antipetistas se concentrem em Bolsonaro, e o voto de oposição ao governo, por sua vez, se reúna em torno do petista.
Num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o presidente mantém uma vantagem confortável de quase 20 pontos: 50% X 32%. As variações nos últimos meses não são significativas.
Num embate com Sergio Moro, Lula vai a 52%, ou seja, teria ainda mais votos, apesar de que a vantagem sobre o segundo colocado seria parecida.
Num embate entre Lula e Ciro Gomes, Lula também venceria com facilidade, por 49% X 29%, com 20 pontos de diferença. Esse quadro dificulta a narrativa que a campanha de Ciro tenta emplacar, de que ele seria o melhor nome para “derrotar Lula”.
Um embate entre Eduardo Leite e Bolsonaro no segundo turno é um cenário improvável, mas serve para analisarmos o seu potencial de voto. A conclusão não é boa para o tucano, pois o traz empatado tecnicamente com Bolsonaro. O eleitor de oposição a Bolsonaro tenderá, naturalmente, a votar num candidato que apresente melhores condições de derrotar o atual presidente.
Por fim, temos o cenário entre Ciro e Bolsonaro, igualmente remoto. Nele, Ciro venceria Bolsonaro com 10 pontos de vantagem.
Essa tendência de derrota de Bolsonaro, seja qual for o candidato no segundo turno, ajuda a oposição a se articular entre si, além de dificultar a vida de Bolsonaro hoje.
Conforme os meses forem passando, e o quadro eleitoral continuar trazendo a tendência de derrota de Bolsonaro, haverá um movimento em favor dos candidatos de oposição, especialmente aqueles mais competitivos, como Lula.
Conclusão
A pesquisa Ipespe aferrolha mais um parafuso no caixão da terceira via. Os números deixam claro que os eleitores nem-nem (ou seja, que não votam em Lula ou Bolsonaro) estão estruturalmente divididos, com pouca chance de se reunirem num nome único.
Os eleitores de Ciro não votam em Moro, nem em Dória, nem em qualquer outro candidato que não seja Ciro. Os eleitores de Moro, por sua vez, dificilmente migrariam para Ciro. Os números mostram que a presença de Moro na eleição tira votos de Bolsonaro e Ciro, mas quase nada de Lula.
Ou seja, a terceira via está numa situação parecida a de um homem preso em areia movediça: quanto mais tenta se salvar, mais afunda. Nenhum candidato consegue chegar sequer à metade do segundo colocado, Bolsonaro. Mais importante: a pontuação deles na espontânea é medíocre. Há um ano antes da eleição de 2018, Bolsonaro já tinha 9% na espontânea, porém com mais de 15% entre homens, além de já ser o líder de voto entre famílias de classe média. Hoje, nenhum candidato alternativo se destaca em nenhum segumento.
Bolsonaro, por sua vez, permanece incrivelmente firme. Ele perde votos de um lado, mas ganha de outro, mantendo um eleitorado estável em torno de 25% a 30%, que é mais ou menos sua taxa de aprovação.
Tudo indica que a eleição de 2022 será uma espécie de referendo sobre o governo Bolsonaro. Essa é a dificuldade dos candidatos alternativos. Os eleitores de oposição tendem a escolher o nome mais forte para vencer o presidente, que é Lula. E os que desejam manter as coisas como estão, tendem a votar em Bolsonaro.
Deixo um último gráfico, da mesma pesquisa, para fechar essa análise: 67% dos entrevistados responderam que a economia está no caminho errado.
Esse deve ser o fator determinante das eleições de 2022…
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