Com liberdade e possibilidade de compartilhar conteúdos como nunca antes na história, cidadãos, políticos e jornalistas tentam se adaptar à internet e às redes sociais.
É comum ouvir comentários a respeito da influência da internet na sociedade, na relação entre as pessoas e na política. Dizer que ela mudou nossa forma de agir, paquerar, viajar, sair etc., já virou clichê. O campo político, obviamente, não é uma exceção: não faltam discussões, debates, ataques, críticas e boatos direcionados a partidos, políticos ou ideologias. Mas sendo um fenômeno recente na história da humanidade, a internet, especialmente as redes sociais, desperta mais perguntas do que certezas: ela contribui para o debate democrático ou apenas alimenta o ódio entre os grupos? Traz mais informação ou desinformação? Até onde pode ir sua influência no resultado de uma eleição? Para tentar responder a essas perguntas, é necessário entender quando e como tudo começou.
O primeiro caso de sucesso: Obama e a rede em 2008
Não é preciso ser um especialista em marketing político para, pelo menos, já ter ouvido falar sobre a importância da internet na primeira campanha vitoriosa de Barack Obama. Não foi o primeiro caso de uso bem sucedido da rede numa campanha eleitoral, mas com certeza foi aquele que chamou a atenção do mundo para o tema. “Ele traçou uma estratégia que se tornou referência o fez virar um case unânime”, conta André Rossi, diretor de comunicação da Veto, agência especializada em política digital. “Era uma tática muito interessante de doação partidária, onde as pessoas podiam doar por vários mecanismos muito simples, e ganhavam alguns benefícios como participar da escolha do candidato a vice-presidente do Partido Democrata”.
Além disso, a facilidade de comunicação gerada pela internet possibilitou a criação de mini-comitês nos bairros das cidades americanas. “Havia a possibilidade de conversar com pessoas dos bairros e estabelecer cabos eleitorais”, explica André. Essa tática aumentava o poder de penetração da imagem e das ideias de Obama em cada comunidade, pois fazia de pessoas comuns verdadeiros cabos eleitorais.
André não acredita, entretanto, que a vitória de Obama possa ser colocada totalmente na conta de sua atuação na rede: “Não acredito que tenha sido decisiva; foi um dos fatores. O momento político dos EUA ‘pedia’ um candidato como ele”. Mesmo assim, foi o momento em que o mundo da política passou a olhar para a internet e as redes sociais com mais atenção. Com a explosão do Facebook, pouco depois, essa tendência tornou-se uma necessidade, parte integrante da estratégia de comunicação de políticos, partidos, empresas e veículos de mídia.
Boatos e estratégias na eleição de 2010
Dois anos após a vitória do Partido Democrata, foi a vez de o Brasil descobrir a influência da rede numa eleição presidencial. “Foi em 2010 que o país percebeu que a Internet é uma área importante do marketing e que ela é capaz de conseguir angariar votos e pautar o que será discutido na ordem pública”, afirma Ricardo Miranda Azarite, consultor em marketing político. No entanto, esse acontecimento não foi apenas positivo, pois “também descobriu-se que a internet, até então tida como ‘terra dos sonhos’ graças à ‘romantização’ da campanha de Obama em 2008, também poderia ser usada de maneira não tão ética assim”.
Dois casos famosos ilustram o que Ricardo afirma. Um deles foi o “ataque” com uma bolinha de papel e José Serra. “Foi algo que surgiu de um fato e ganhou proporções grandes na rede”, diz André Rossi, que cita a desconfiança de o caso ter sido forjado ou, pelo menos, amplificado pelos noticiários, principalmente o Jornal Nacional. O outro foi o boato espalhado pela internet e pelo Orkut, naquele momento a rede social mais popular no Brasil, de que a então candidata Dilma Rousseff era uma defensora do aborto. Dilma teve de fazer declarações públicas negando a especulação e reuniu-se com grupos religiosos para deixar claro que não tentaria a legalização do aborto caso fosse eleita. André critica o aspecto moral da discussão no final do primeiro turno: “O caso do aborto surgiu de uma maneira que não trouxe nada para o debate. A agenda política ficou em segundo plano”.
Mas, segundo os especialistas, o que realmente marcou a eleição de 2010 foi a atuação de Marina Silva na rede.
A estratégia consistia em tentar compensar a desvantagem da candidata do Partido Verde na propaganda de televisão – ela tinha 83 segundos contra 12 minutos e Dilma Rousseff e 9 minutos de José Serra – usando a internet e as redes sociais. Segundo André Rossi, Marina usava o pouco tempo na TV para retransmitir a audiência para as redes, indicando que os eleitores poderiam conhecer mais sobre suas propostas no meio virtual. Nele, sua imagem e suas ideias estavam buscando a atenção do público de diversas formas, por meio de site oficial, blog, perfil no Twitter, comunidade no Orkut, página no Facebook, canal no YouTube, fotos no Flickr, um social game chamado “O Mundo”, além de um sistema de arrecadação online de recursos e, obviamente, o monitoramento constante do nome da candidata na internet.
Segundo Caio Túlio Costa, um dos coordenadores da campanha, Marina Silva não era muito íntima da internet, e assim procurou aproximar-se de seu público. Ela teve seu “batismo digital” ao participar da Campus Party 2010 com a intenção de expandir seus conhecimentos sobre tecnologias e redes e mostrar-se interessada no assunto. Em seu artigo O papel da internet na conquista dos votos de Marina Silva, Caio Túlio afirma que essa estratégia foi determinante para que Marina se firmasse como a terceira via nas eleições e forçasse um segundo turno ao obter quase 20 milhões de votos. Assim, o jogo da política brasileira uniu-se definitivamente ao ambiente virtual. Para o bem e para o mal.
Informação e desinformação; debate e guerra
Depois desses acontecimentos e da expansão da internet no Brasil, ocorrida nos últimos três anos, é de se esperar que as redes sociais ganhem cada vez mais força no debate público e no confronto de ideias. Em época de campanha eleitoral, essa movimentação se acirra de tal forma que é comum ouvir jornalistas se referindo ao fenômeno como “guerra”. Mas, desta vez, a batalha se dá majoritariamente no Facebook, entre cidadãos comuns, mais ou menos moderados, que se aliam a um partido político ou se unem para combater aquele que representa a pior opção na eleição.
Segundo Fabio Malini, professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo, responsável pelo estudo Dilma nas redes sociais: o fim da bipolaridade política e o desejo de radicalizar mudanças, “em tempos eleitorais, frequentemente muito passionais, os argumentos são motivados pela emoção partidária, o que faz multiplicar o disse me disse, as meias-verdades, os desacordos, as rusgas entre militantes virtuais. As redes potencializam essas emoções em tempo real, o que parece fazer da rede o lugar onde a verdade não é possível”. No entanto, Fabio explica que “a internet possibilita compreendermos como os lados, antes de argumentos políticos consistentes, optam sempre pela violência, pela guerra, pelo dedo em riste”. Para André Rossi, o confronto se assemelha a uma guerra, pois há “exércitos conflitantes, que lutam por um fim específico. As páginas afins conversam entre elas mesmas e não expandem seu círculo. Falam para um público específico, do seu partido, e assim ficam entrincheiradas virtualmente”.
Esse movimento foi traduzido em forma de um mapa de rede por Max Stabile, pesquisador em democracia eletrônica e coordenador de contas da FSB Digital. Nele, as ligações representam o conteúdo que é compartilhado por curtidores de diferentes páginas. Quanto maiores essas ligações, mais o público delas demonstra interesse pelos mesmos temas e curte ou compartilha os mesmos posts. De cara, é possível perceber a polarização entre os apoiadores do PT e do PSDB, enquanto os do PSB ficam no meio termo. Além disso, fica bastante clara a interação entre as páginas dos partidos e aquelas que os apóiam indiretamente e, supostamente, sem o seu apoio.
Nesse ambiente, páginas com conteúdos políticos ou relacionados a figuras políticas, como a TV Revolta e a Dilma Bolada, apareceram como possíveis catalisadores de votos. O caso da primeira já é relativamente bem conhecido: criada por João Vitor Almeida Lima, intérprete do personagem João Revolta, ela divulga conteúdos críticos a políticos, quase sempre do PT, teve um crescimento exponencial nos últimos meses e rapidamente passou das 3,6 milhões de curtidas. A crítica unilateral recebe críticas por seu radicalismo e pela falta de apuração das informações, divulgadas no afã de espalhar os ataques, justos ou não, aos petistas – o site e-Farsas fez uma matéria mostrando seis casos de notícias falsas divulgadas pela página.
Para Ricardo Azarite, definir a internet e as redes sociais como guerra ou expressão democrática é uma definição superficial e simplista do fenômeno: “Acredito que são unívocos e praticamente mútuos – não há democracia sem guerra ideológica e conflito de opiniões”. De acordo com ele, os perigos são outros: “A desvalidação da liberdade de expressão, com a imensa quantidade de perfis de anônimos ou falsos; os crimes resultantes do compartilhamento e viralização de conteúdo difamatório e calunioso; e a manutenção ou confirmação de preconceitos provenientes da superficialidade do debate”. O melhor a fazer, segundo Ricardo, é criar conteúdos que desmistifiquem os pontos duvidosos, pois “não adianta pensar em como evitar os boatos. Eles sempre existiram e sempre existirão. O esforço que vale ser feito é quebrá-los”.
Fabio Malini acredita, por sua vez, que a tendência é as pessoas compartilharem conteúdo mais por afinidade do que pelos bons argumentos que ele traz. Assim, criam-se grupos de indivíduos afins, que funcionam como uma turma pronta para apoiar um de seus membros que entra em um debate (ou briga) com um rival. Ele também aponta uma solução para este conflito: a ironia. “A ironia é quase um modo de fuga das relações bipolares. É a arma daqueles que estão isolados, mas podem ganhar, com a franqueza, a discussão pública”. Deste modo, aqueles que preferem não escolher um lado definido da disputa eleitoral e ideológica podem ridicularizar os mais radicais, encontrando os pontos falhos e exagerados em seus discursos.
Como era de se esperar, os partidos políticos não estão alheios a essa movimentação. Em reportagem de capa em maio deste ano, a CartaCapital abordou o tema e trouxe dados sobre o investimento que vem sendo feito na internet e nas redes sociais para a eleição presidencial de outubro. Segundo a matéria, o PT investe cerca de 12 milhões de reais no segmento, mesmo valor destinado pelo PSDB. O PSB, apoiado por Marina Silva, fica atrás no que se refere às cifras, mas também demonstra sua preocupação com a rede: são 8,5 milhões de reais investidos.
Esse dinheiro é usado no treinamento de militantes virtuais, no monitoramento de redes sociais e na divulgação de campanhas na rede. Mas o que acontece nos bastidores não é tão claro assim, e as trapaças, como em qualquer outro lugar, também marcam presença. No mês passado, Jeferson Monteiro, criador da página Dilma Bolada, afirmou ter sido procurado por uma agência de publicidade interessada na compra da página pela equipe de Aécio Neves. Jeferson disse ter prosseguido com a negociação “para ver até onde ia a cara de pau desses tucanos”. Depois disso, Pedro Guadalupe, profissional de marketing digital, foi quem fez contato. Ele admite ter negociado com o dono da página satírica, mas nega que o tenha feito em nome do PSDB – Pedro diz ter feito isso justamente para impressionar os tucanos e então conseguir trabalhar na campanha. Sem provas conclusivas até agora, a verdade por trás do episódio não chegou a público.
Um dia antes, a TV Revolta também fez uma acusação. Um texto publicado dizia que o PT estaria fazendo uso de robôs e militantes pagos para atacar a página com acusações de que ela seria financiada por partidos políticos. Havendo ou não esse ataque por parte dos tais robôs, a verdade é que o crescimento da TV Revolta divide a opinião de especialistas – seria esse crescimento orgânico (sem fazer uso da publicidade paga do Facebook) ou seria fruto de um investimento de alguém ou algum grupo com recursos para tal? Vitor Azerite acredita que esse sucesso se deva, de qualquer modo, principalmente à capacidade da página de expressar a insatisfação de muitos cidadãos.
A respeito dos robôs, ou bots, eles “são perfis robôs que possuem a função de replicar automaticamente uma mensagem; se milhares deles replicam uma mensagem de algum indivíduo, este pode ganhar certa visibilidade momentânea”, explica Fabio Malini, que completa: “Os bots são o subproduto virtual da crise da política”. Para Vitor, esses perfis não precisam ser necessariamente falsos, pois esse papel pode ser desempenhado por militantes treinados a replicar conteúdo ao invés de questioná-lo. “É uma estratégia bastante amadora para obtenção de menções na Internet. É o que traz resultados mais fáceis”, completa.
Por mais que todo esse esforço esteja sendo feito, ainda não existe unanimidade quando a pergunta é sobre o quanto a atuação na internet pode mudar o voto de um eleitor. “Não existe nenhum estudo e nenhum dado que comprove isso. A pessoa pode mudar de ideia como pode mudar falando com uma pessoa na rua”, diz André Rossi. Já Ricardo Azarite discorda: “Por mais que a Internet seja onde se confirma opiniões, é comum que o cidadão não tenha opinião formada a respeito de seus candidatos, principalmente para candidatos legislativos. O eleitor, mesmo que indeciso, tem uma pré-determinação ideológica e buscará seu candidato dentro dessa fatia ideológica – e toda e qualquer mídia é essencial para sair-se vencedor”.
A internet, a televisão e as eleições do futuro
Mesmo diante deste cenário acirrado e por vezes radical, os especialistas em política digital enxergam a relação entre a internet e as redes sociais com a política como algo positivo. “A batalha vai continuar, mas acredito muito na evolução do debate. É algo gradual. Na eleição passada, a rede não tinha a amplitude que tem hoje”, avalia André Rossi. Desta vez, Ricardo Azarite concorda: “O advento das mídias sociais no debate público serviu para balançar a autoridade da TV como formadora de opinião, então acredito que a internet traz um enriquecimento no âmbito da discussão pública”, citando a impossibilidade de, hoje em dia, a televisão mudar o rumo de uma eleição presidencial, como a TV Globo fez em 1989 ao editar o debate televisivo entre Collor e Lula de modo a beneficiar a imagem do primeiro e prejudicar a do segundo.
Mais do que tirar o poder, até pouco tempo monopolista, da televisão, a internet está conseguindo cada vez mais influenciar o agenda setting, ou seja, definir pautas que saiam do mundo virtual para o real. Se antes as redes sociais, blogs e sites repercutiam na rede os acontecimentos da sociedade, atualmente conseguem propor os temas a serem debatidos entre jornalistas, eleitores e candidatos, exigindo dos últimos uma maneira de lidar com as reivindicações e se defender de boatos como a suposta opinião de Dilma a respeito do aborto e o suposto uso de cocaína por Aécio Neves. Ricardo diz que exemplos positivos disso são “as Jornadas de Junho, as revoltas da chamada Primavera Árabe etc. E isso acontece também fora da política, com o mundo empresarial, que ouve, cada vez mais, a voz de seus consumidores nas redes sociais para aprimorar produtos, processos, fluxos, comunicação…”
Se as perguntas do início da matéria ainda não têm respostas certas e não existe verdade definida neste tema, uma conclusão possível é que a internet e as redes sociais são ferramentas de comunicação às quais eleitores e candidatos ainda estão tentando se adaptar. Exageros, boatos, ataques e radicalismos nunca vão deixar de existir no mundo real ou virtual, mas a tendência é que, aos poucos, por meio de uma possibilidade de comunicação nunca antes vista na história, os cidadãos passem a ser menos passivos na defesa de suas ideias, crenças e até preconceitos. Mesmo com todos os problemas e conflitos, se a base da democracia é a liberdade de expressão e interação entre as pessoas, a internet apenas amplifica isso e deixa claro em quais pontos em que já evoluímos e em quais ainda temos muito a melhorar.