Por Nathalí
Você pensa que já viu de tudo. Em um país governado por um genocida, você diz, certamente já nos deparamos com toda sorte de absurdos inacreditáveis. Só que não: eis que uma digital influencer – sempre eles – cria um concurso pra eleger a b*ceta mais bonita do Brasil e te mostra que você está errado. Por aqui, é claro, a coisa sempre pode ficar mais absurda.
O concurso, criado pela catarinense Ana Otani, contou com 16 participantes e o “esquema de votação” era mais ou menos como um #mandanudes ritualizado: os jurados recebiam uma foto de vagina por dia, sem saberem a qual das candidatas cada foto pertencia, e julgava qual b*ceta não era bonita o suficiente pra continuar no páreo.
Tá bom ou quer mais?
Me questiono quais critérios foram utilizados pelos jurados. Grandes-lábios não tão grandes? Cor rosadinha que nem vagina infantil, como a heteronormatividade ama e normaliza? Clitóris visível, com sirenes e sinal de fumaça, à prova de imbecis?
Há seis tipos de cirurgias íntimas feitas pelas mulheres ao redor do mundo. Seis tipos diferentes de procedimentos invasivos criados para adequar a genitália feminina ao padrão de beleza criado pelo patriarcado.
Somente uma delas, a labioplastia, teve 138 mil adeptas em 2018, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética.
Sabe quantos tipos de cirurgia íntima existem para os homens?
Nenhum.
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A eles é concedido o direito de aceitarem suas pirocas como são. No máximo, desejam que sejam maiores, porque o próprio machismo lhes ensinou que quanto maior a piroca, maior o poder. Mas, de resto, o mundo deixa as genitálias masculinas em paz: você não verá uma cirurgia plástica de aumento de testículos, por exemplo.
Em se tratando da indústria de cirurgias plásticas de modo geral, não é novidade que as mulheres são o público alvo principal. Submetidas a uma pressão estética que não poupa nem mesmo as nossas b*cetas, lotamos as salas de cirurgia em busca do tal “mito da beleza”, um verdadeiro projeto de dominação do corpo feminino.
Como se não bastasse, agora o mercado de cirurgias íntimas femininas cresce expressivamente todos os anos. Além de eternamente magras, jovens, leves e “femininas”, agora precisamos também ter a b*ceta perfeita.
Também não é novidade o esforço descomunal de alguns homens ditos heterossexuais para gostarem de b*ceta: tem que ter cheiro de morango e rosas; tem que estar depilada, lisinha, sem irritações na pele, e agora mais essa – tem que se enquadrar no conceito de “b*ceta bonita”.
Vitrine de carne fresca
Tenho uma teoria um tanto quanto impopular sobre isso: quanto mais esforço um homem precisa fazer pra gostar de b*ceta, mais ele recorre ao machismo pra se autoafirmar, numa tentativa patética de validar a própria masculinidade. O homem capaz de fazer sua mulher g*zar, quero dizer, tem menos necessidade de se afirmar fora da cama. Freud deve explicar.
O resto fica assim: criando padrões para tentar apreciar o que, no fundo, não aprecia.
O fato é que, ainda que tenha sido inventado por uma mulher, esse concurso – como tantas outras aberrações do capitalismo patriarcal tardio – é um filho saudável dessa masculinidade que estabelece padrões cruéis para o corpo feminino.
Pouco importa se foi uma mulher quem teve o estalo inicial de transformar a padronização das genitálias femininas em um concurso, e faturar com isso: uma competição grotesca como esta só encontra espaço e repercussão em uma sociedade doente, onde o corpo feminino é objetificado a um nível nocivo.
A questão não é julgar a mulher que criou o concurso, ou mesmo as que toparam participar. A questão é que nos perguntemos: por quê é socialmente aceito submeter abertamente as genitálias femininas ao julgamento masculino? Em que tipo de sociedade 16 mulheres aceitam terem suas vaginas julgadas por dinheiro, e outras milhares recorrem a mesas de cirurgia para adequarem suas genitálias ao gosto do freguês?
Chegará o dia em que nos colocarão em vitrines, como carne fresca vendida por quilo.
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