E se o seu filho fosse um black bloc?

Atualizado em 17 de junho de 2014 às 6:58

black-bloc 

Testemunhei centenas de embates ideológicos nas ruas. Reacionários versus black blocs, fascistas versus petistas, ‘vai ter copa’ versus ‘não vai ter copa’. Nunca antes na história das jornadas de junho havia presenciado entre membros da mesma família.

No dia da abertura da Copa do Mundo ocorreu a inusitada cena de pai e filho discutindo a pertinência do manifestar-se.

Tão logo se iniciou o bate boca entre o funcionário público Osvaldo Baldi e Renan, com algum contato físico, a imprensa rapidamente correu para averiguar o que ocorria. Black blocs solidários também se aproximaram para resgatar um dos integrantes das garras daquele senhor. Ao perceberem que se tratava de caso de família, afastaram-se respeitosamente.

O embate entre pai e filho encampou a maioria dos aspectos discutidos nos últimos meses em diversos setores da sociedades e mesas de bar. A polêmica das máscaras, a qualidade dos serviços públicos, a violência policial, o extrato social dos manifestantes, os interesses escusos e os legítimos. Tudo condensado, foi um resumo da ópera a meio caminho do Itaquerão.

E de que lado fico?

Após convencer meio que na marra que seu filho o acompanhasse, fui atrás e questionei o pai. Sua resposta, como pode ser vista no vídeo, foi em forma de pergunta: “Se fosse seu filho, você deixaria?”

Ainda que o pai tenha demonstrado a preocupação pertinente a todos os pais, receoso de que o garoto se machucasse (pais e mães são assim mesmo, superprotetores, não desejamos nenhum arranhão nem com espinhos muito menos a truculência da tropa de choque) a verdade é que o garoto tinha o melhor recado para dar.

Ele é branco, classe média, estudante de colégio particular. Por que então deveria pleitear uma escola pública de melhor qualidade? E por que não? Devemos deixar apenas os dependentes desse sistema reclamarem? Só pretos e pobres têm o direito de reclamar pois são os que sofrem? Alguém já parou para pensar por que estes não reclamam tanto? Não seria porque na periferia as balas não são de borracha e nem há dezenas de jornalistas transmitindo e fotografando?

As manifestações ocorridas nos últimos meses ganharam essa repercussão exatamente porque ocorrem na região central, e quem está sofrendo alguma repressão e consequentes lesões é a classe média branca. Se os atos forem chamados na periferia, antes de mais nada a imprensa fará a costumeira cobertura maliciosa relacionando-o ao crime organizado, a baderneiros ignorantes, tudo visto a partir de uma câmera em um helicóptero. Afinal a área é inóspita, certo? Assim boa parcela da população permanece com a ideia de que essas pessoas devam perpetuar ali em seus sofrimentos cotidianos sem direito a queixas. Vide a reação aos rolezinhos. Não se deseja interação e sim segregação.

É nesse ponto que discordo de Osvaldo Baldi. Seu filho estava clamando por algo que não em interesse próprio. Só reclamar quando doi na própria pele ou no bolso é uma postura egoista e covarde e sua mensagem ao filho foi de conformismo.

Claro que há outras maneiras, mas não foram ventiladas pelo pai que puxava argumentos apelativos: eu pago, eu trabalho, você não precisa disso, eu te amo.

Por que a elite não faz uso dos serviços públicos de saúde, educação, transporte e cobra por melhorias, discute as deficiências de qualidade? Pagar para iniciativa privada por serviços que são de direito do cidadão é um ato de lavar as mãos e abandonar à própria sorte aqueles desafortunados que não tem opção nem voz. Alunos da rede pública estiveram por mais de um mês sem aula devido a greve dos professores. Quem sofre com isso na rede privada? Quem será preterido na disputa por uma vaga lá na frente?

Apenas reivindicar nas ruas é pouco produtivo, sobretudo sem embasamento. É preciso também atuar nos meios participativos existentes, através de movimentos políticos. Mas só ficar no blablabla nem sempre traz resultados. O MTST que o diga.

Preocupar-se com a integridade física do garoto é natural e absolutamente compreensível, mas é preciso lutar na origem do problema: de onde parte a violência? Do contrário, resta ficar protegido dentro de casa, com muros altos e cercas elétricas, em carros blindados, clubes fechados e escolas homogêneas. Esse é o comportamento padrão da elite. Mas é a solução?