Por Moisés Mendes
Nem o mais ingênuo dos combatentes contra a ditadura imaginaria que Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Barbosa Lima Sobrinho, Mario Covas, Dom Aloísio Lorscheiter, Tancredo Neves, Antonio Callado e outros líderes da resistência, dentro ou fora do MDB, colocariam a correr os dissidentes do golpe de 64.
Se eles tivessem jogado pedra nos arrependidos, a luta pela redemocratização não teria contado com Magalhães Pinto, Teotônio Vilela, Sobral Pinto, Paulo Brossard, Severo Gomes, uns mais cedo e outros bem mais tarde.
A guerra teria sido mais lenta e mais dramática sem a ajuda deles. Estamos falando do enfrentamento permitido, na política e na militância institucional, e não da ação dita clandestina que desafiou com bravura os ditadores.
Dizer, como dizem hoje, que civis e militares um dia foram golpistas é repetir a ladainha dos amadores. Para os amadores, a política prescinde de ex-adversários, que interessam apenas aos profissionais.
É amadora, inadequada e indelicada a tática de bater em dissidentes do golpismo de 2016 e do bolsonarismo, incluindo os militares contrariados. É bobinha a conversa de que um dia eles foram aliados do projeto precário de militarização do governo e do país.
Dissidências só existem porque há dissidentes, diria o conselheiro Acácio. E há dissidentes frustrados sinceros e há os dissidentes ressentidos cínicos.
Magalhães Pinto queria o golpe para se habilitar a ser o primeiro civil no poder a desfrutar do serviço feito pelos militares. Severo Gomes é o dissidente falando pela elite empresarial paulista já no encaminhamento do fim da ditadura.
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Teotônio é o coronel do Nordeste que se volta contra o próprio destino para ajudar a salvar a democracia. Sobral é o jurista legalista aflito com as exceções dos atos institucionais, as cassações, as prisões e as torturas. Brossard adota esse discurso legalista, mesmo que parcialmente e sem a valentia de Sobral, que defende presos políticos.
Essa resistência organizada, incluindo UNE, sindicatos, Igreja e OAB não jogou pedras nem mesmo nos retardatários, como Aureliano Chaves, José Sarney, Sinval Guazzelli e outros do segundo time do golpe, que chegaram atrasados.
Os últimos citados transformaram-se em aliados já na prorrogação, junto com a grande imprensa, movidos pelo instinto de sobrevivência política ou da simples salvação de biografias. Como fazem hoje inclusive os militares decididos a saltar fora da estrutura mafiosa criada pela família Bolsonaro.
Erraram, mas sabiam onde estavam se metendo. Os golpistas arrependidos de 64 também sabiam. Cometeram o autoengano de achar que o golpe de 64 duraria pouco tempo e que o importante era derrubar Jango. Os militares não quiserem sair mais, porque tinham um projeto.
Hoje, só os muito crédulos continuam acreditando que há um projeto dos militares sustentando o bolsonarismo. Bolsonaro oferece empregos. Mais de 6 mil vagas. Esse é o projeto.
Se alguém conseguir identificar o projeto estratégico dos militares, que estariam usando Bolsonaro apenas como hospedeiro, que esse plano seja revelado. Mas não como teoria gasosa.
Seria o mesmo projeto de Paulo Guedes, que já desqualificou a competência dos militares? Seria a entrega da Amazônia a grileiros, contrabandistas e garimpeiros?
Claro que os dissidentes do golpe de 2016 e do bolsonarismo não têm a mesma índole e as mesmas ambições e grandezas dos que abandonaram o golpe de 64.
É claro que a maioria dos dissidentes de hoje não pretende se entrincheirar ao lado dos que combatem o bolsonarismo e desde 2016 combatem o golpe. Não há e nunca haverá um Teotônio Vilela entre eles.
Mas basta que sejam dissidentes de 2016 e de 2018 e que alguns estejam dispostos a afrontar Bolsonaro, como Barra Torres afrontou. Essa guerra é boa. Se não puderem ajudar, não atrapalhem esse entrevero.
Parem de jogar pedras no general Fernando Azevedo e Silva, escalado pelo TSE para ser um dos guardiões da eleição, e em Barra Torres, o almirante da Anvisa e defensor das vacinas.
Não é preciso e nem devem fazer afagos no general dissidente Santos Cruz, que é de outro departamento mais próximo da extrema direita que Bolsonaro esnobou.
Mas não disparem contra Geraldo Alckmin e contra os políticos de centro e até contra as celebridades que estão fazendo o caminho de volta. Deixem que retornem.
Lula sabe que a urgência é a derrota do fascismo. Entendam as motivações dos que, mesmo constrangidos e ainda vacilantes, admitem que entraram numa fria. Não é preciso acolher, mas compreender seus gestos.
Eles querem sobreviver e seguir em frente, tanto quanto os democratas e as esquerdas também querem. Que sobrevivam estando o mais próximo possível do lado certo.
(Texto originalmente publicado no EXTRA CLASSE)
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