O que vai na cabeça dos apoiadores de Bolsonaro no Nordeste? O DCM os questionou

Atualizado em 10 de fevereiro de 2022 às 8:12
O DCM acompanhou apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) em visita à cidade de Caicó. Na foto está Mirna (acima), Miriam (canto inferior esquerdo) e Ana Paulo (canto inferior direito)
Apoiadoras do presidente Bolsonaro; Mirna, Miriam e Ana Paulo participaram de evento com o presidente. Foto: Alessandro Fernandes

O DCM acompanhou a visita de Bolsonaro à cidade de Caicó, no interior do Rio Grande do Norte. Na mesma semana em que o presidente viu sua popularidade desabar na mais recente pesquisa eleitoral divulgada. Ao mesmo tempo, ele não resistiu e voltou a zombar dos nordestinos.

Eram 15h30 quando a reportagem chegou à Praça José Augusto no coração da cidade de 67 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte. Os 36°C que deixavam o calçamento arder obrigavam os poucos apoiadores do presidente a ficarem embaixo de tendas ou em pontos onde a “quentura” não fosse tão intensa.

Caicó foi o destino escolhido por Jair Bolsonaro (PL) para pernoitar durante sua viagem pelo Nordeste, entre os dias 8 e 9 deste mês. O chefe do Executivo já havia passado por Pernambuco, na cidade Salgueiro, onde foi a uma estação de bombeamento do Eixo Norte 3 da transposição do rio São Francisco, e pela cidade de Jati, no estado do Ceará.

Os fãs de Bolsonaro que estavam lá

Maria d eFátima usa blusa amarela, microfone preso, cabelos castanho claros encaracolados. Um lindo colar, máscara preta e óculos de grau.
Maria de Fátima tem 57 anos. Foto: Alessandro Fernandes

Maria de Fátima Araújo, de 57 anos, é aposentada fez questão de esperar a chegada da comitiva presidencial. Em entrevista exclusiva ao DCM, ela disse não ter apoiado Bolsonaro nas eleições de 2018, mas que mudou de ideia e hoje é uma admiradora do governo de extrema-direita. “Comecei a apoiar ele depois de 2018, eu não votei nele”, conta.

Questionada sobre suas expectativas para o primeiro encontro com o “mito”, a mulher disse que aguarda ansiosa pelas águas do Rio São Francisco. “Eu estou aqui para prestigiar o presidente que veio nos agraciar com a transposição do Rio São Francisco. Eu espero que seja um momento de paz e harmonia.”

Maria é uma dentre os mais de 150 milhões de brasileiros que já receberam as duas doses, ou dose única, das vacinas contra a Covid-19. Sobre as declarações do seu ídolo, contrárias às vacinas, ela diz não apoiar tal narrativa, “tem coisas que ele não condiz com o que realmente a vacina faz pra gente”.

Vacinas: um ponto em discordância

Raimunda Linhares usa blusa azul, tem pele negra, óculos de sol e boné verde e amarelo.
Raimunda viajou mais de 300km para encontrar Bolsonaro. Foto: Alessandro Fernandes

Se a primeira fã do presidente não concorda com a postura dele em relação à vacina, Raimunda Linhares, que veio da cidade de Touros, a 380 km de Caicó, garante que Bolsonaro está certo. “Eu sei o que é botar dentro de você o que é um experimento”, afirmou a trabalhadora aposentada da saúde sem dar nenhuma prova sobre o que estava falando.

As visitas são estratégicas e usam de obras com grande apreço pelo público, como a transposição das águas do Rio São Francisco, para aproximar o eleitorado nordestino, que tradicionalmente sempre votou no PT. Em Caicó, nas eleições de 2018, Fernando Haddad (PT) recebeu 64,87% dos votos, totalizando 20.999, enquanto Bolsonaro atingiu apenas 35,13%, com 11.374.

Raimunda já viu Bolsonaro em eventos na cidade de Jucurutu – RN, em Brasília e no estado da Paraíba, quase uma stalker. Ela é uma das pessoas que estiveram no famigerado 7 de setembro – as manifestações antidemocráticas que fracassaram. “Foi muito gratificante, muita gente boa. A democracia ali valeu, e muito”. Ela comenta que Bolsonaro é o presidente que “nós esperávamos há muito tempo. Durante esses três anos que está governando só levou ‘cacete’ do Judiciário, da Globo, Globolixo. Mas ele está segurando para gente o nosso país, e vai levar até 2026″, garante.

Ainda que Lula desponte como favorito para ocupar o cargo de presidente do país, Raimunda não tem dúvidas de que Bolsonaro será reeleito, “aquele ladrão, Lula, não derruba ele, nem ninguém, nem o traíra Sergio Moro”, alfineta.

A mulher ainda completa dizendo que tem “nojo” do progressismo “Eu quero meu país como Bolsonaro está levando, na paz, no amor, nas palavras de um homem que só fala a verdade”. Para mostrar que é fã, Raimunda garantiu que seguirá comitiva do presidente nas outras duas cidades do estado, Jucurutu, na barragem de Oiticica, e Jardim de Piranhas, onde inaugurou a transposição do Rio São Francisco no estado.

Euforia na chegada de Bolsonaro

Mirna usa blusa verde, um óculos amarelo e um sorriso no rosto. Ela tem pelo branca e cabelo loiro.
Mirna teme que, se Lula vencer as eleições, o comunismo possa chegar ao país. Foto: Alessandor Fernandes

Caicó é conhecida popularmente como a terra do queijo, do leite, da carne de sol e famosa pelo seu artesanato. A artesã aposentada Mirna Medeiros Pacheco, de 75 anos, disse que o motivo principal para se deslocar até o município foi a visita do presidente. Entre pulos e sorrisos, a mulher interrompe a entrevista para assistir a chegada de Bolsonaro em um helicóptero, “Ai, meu Deus, olha só!”, dizia.

Quando ela se recupera, é hora de ser questionada a respeito à gestão da pandemia feita pelo governo Bolsonaro. “Eu acho que ele teve momentos muito lúcidos…”, mas interrompeu a frase porque mais uma vez o helicóptero estava sobrevoando a cidade, “Eu não posso perder essa oportunidade!”. Quando finalmente pôde falar, concluiu “Eu não tenho mais medo da pandemia, isso é o terror que o PT implantou na cabeça das pessoas”.

Mirna ainda praticamente implorou ao dizer que “o Brasil não pode perder essa oportunidade”, sobre uma reeleição do presidente. A artesã já teve Covid-19 duas vezes e ainda assim é adepta da “medicina preventiva” e garantiu, sem qualquer base científica, que isso a ajudou na melhoria do quadro da doença.

A mulher não perde tempo quando é perguntada sobre as últimas pesquisas eleitorais. “Eu acho que é tudo manipulado, eu não acredito em um candidato que não pode sair às ruas, que não é bem-visto pela população, e o outro sai às ruas e consegue fazer ‘movimento’ até em cidades pequenas”.

“Eu preciso ver o mito, a gente só vê na televisão”

Carlos Magno é branco, usa óculos de grau, camisa verde e tem olhar sério.
Carlos Magno veio de Natal ver pela primeira vez o presidente. Foto: Alessandro Fernandes

Carlos Magno, um senhor sorridente de 64 anos, saiu de Natal até a pequena cidade para prestigiar a passagem do presidente. Questionado sobre o que avaliava da economia , a resposta surpreende porque parece vir de outro país “a situação econômica do governo tá ótima, o governo veio sempre de roubalheiras, nunca sobrou nada para ninguém, você viu que as estatais não davam lucro”. Carlos, que é militar da reserva, ainda contou que as pesquisas eleitorais são todas mentirosas. “Não tem a menor chance de alguém ganhar do Bolsonaro”, me disse convicto.

Mas para a cientista política Camila Goulart de Campos, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, Bolsonaro amarga uma grave crise em sua popularidade e que dificilmente conseguirá reverter o cenário de desaprovação por grande parte da população brasileira, especialmente da região Nordeste, que tem o segundo maior colégio eleitoral do país.

Ela, que possui mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), afirmou que o Bolsonaro “faleceu” politicamente, mas que o bolsonarismo ainda tem muita força na política no país. “Bolsonaro está na fase de ter palanques regionais, por isso ele está inaugurando obras sem grandes repercussões. É o vereador presidente”, concluiu.

Já Carlos acha que Bolsonaro fez uma boa gestão da pandemia. “Ele sempre esteve certo, uma coisa que é mundial, ninguém sabia de nada, nem os próprios médicos. Até os cientistas que estudam a vida toda são contestados. Então é uma pandemia que vai passar e a gente tem que administrar de qualquer forma.”

“Sem muita fé”, respondeu ao confirmar que recebeu duas doses do imunizante contra a Covid-19. Discretamente, o homem confirmou que foi adepto de medicamentos que supostamente combatiam a doença.

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“O único ‘diferentão’, que defendia sempre a família”

Ana Paula usa camisa escrita com o nome "Bolsonaro 2018". Ela está sorrindo e tem o cabelo preso em formato rabo de cavalo.
Ana Paulo é natural do estado de Rondônia, mas mora na cidade de Mossoró. Foto: Alessandro Fernandes

Ana Paula, de 38 anos, foi a única entrevistada que afirmou não ter tomado nenhuma dose da vacina contra à Covid-19. Natural de Rondônia, mora atualmente na cidade de Mossoró, região Oeste, segundo maior município do estado.

Ela conta que desde a posse, sempre que pode, segue Bolsonaro. “Fomos no dia 7 de setembro na [Avenida] Paulista. Ele está do lado do povo, de Deus e da família, é isso que a gente defende”. Para a mulher, “a liberdade é constitucional, e acho que está de acordo com essa liberdade [de decidir tomar ou não vacinas contra a Covid-19]”. “O nosso corpo, as nossas regras”. Mesmo assim, Ana garante que não é contrária às vacinas, mas espera que “elas realmente tenham eficácia comprovada”.

Sobre a economia, mesmo com janeiro tendo terminado com a pior inflação em muito tempo, ela diz. “Acho que está cada vez melhor, e nós precisamos apoiar o governo para que continue cada vez melhor, porque o Brasil está com referências boas fora do país, graças ao posicionamento do presidente […]. Super acredito no potencial do Nordeste, como as águas, com a transposição do rio São Francisco”.

“Se ele me dissesse ‘venha limpar meu banheiro’, eu iria rindo”

Miriam usa cabelo loiro preso, óculos de grau e olhar sério
Miriam Regis acompanha o Bolsonaro desde quando era vereador no Rio. Foto: Alessandro Fernandes

Diferente de Ana Paula, Miriam Regis contou que tomará quantas doses forem necessárias, o que abre uma brecha para perceber que, mesmo entre os bolsonaristas, boa parte é favorável e defensora da vacinação.

Vacinada ou não, ela foi a pessoa mais entusiasmada e ainda lembrou que estava ali comemorando seu aniversário, “o melhor presente do mundo seria encontrar o Bolsonaro e dar um abraço nele”. Ela acompanha o presidente desde quando era vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Miriam revela não entender o motivo das pessoas terem dificuldade em apoiar o chefe do Executivo, “As pessoas viraram zumbis, sem cérebro. O homem faz, faz, faz… Só não vê quem não quer”, comentou.

“Se ele hoje me dissesse, Miriam, venha limpar o meu banheiro, eu iria rindo”, garante num momento de idolatria rara, até mesmo no bolsonarismo. Miriam exalta o caráter popular do presidente Bolsonaro, que considera ser alguém simpático, sem preconceitos e que está com o “povão”.

“Ele nunca criticou, ele apenas dava liberdade”, diz ao comentar a gestão da pandemia. “Toma quem quer, você tem a sua liberdade, eu tenho a minha”. Miriam sempre achou correta as posições do presidente, “Diziam fique em casa, a economia vem depois. Ele sempre dizia, ‘fiquem em casa um jovem cuidando do seu idoso e os outros jovens vão trabalhar’. A gripe H1N1 matou muito mais gente do que a pandemia, foi culpa do Bolsonaro?”.

Bolsonaro tem fã internacional

Manoel usa camisa azul, chapéu preto e tem olhar sério.
Manoel mora no estado do Arizona, Estados Unidos, e veio conhecer o presidente Bolsonaro. Foto: Alessandro Fernandes

Já Manoel Patrício de Figueiredo, de 32 anos, mora em Scottsdale, Arizona, nos Estados Unidos, mas aproveitou o momento no Brasil para ver o presidente. Ele está há um mês visitando a família, que vive na região do Seridó, uma região interestadual com 54 municípios, entre eles Caicó. Manoel, que também é cientista político, disse que quer conhecer melhor o presidente Bolsonaro, e apesar de discordar de alguns pontos, acha que ele fez boas ações para o setor econômico. Apesar disso, ele afirmou que “qualquer pessoa que não tá se vacinando, não está usando máscara, é muito egoísta”, o que costuma ser um dos principais motes de Jair Bolsonaro.

O cientista político fez duras críticas a Donald Trump, ex-presidente dos EUA. “Meu ponto de vista pessoal em relação ao Trump é completamento negativo”, disse ele sem comentar o paralelo entre ele e o presidente brasileiro, já que, o próprio Steve Bannon, estrategista político do norte-americano, tem relações próximas com os filhos do presidente brasileiro.

O sociólogo Mauricio Gonçalves, doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que a redução do valor do salário-mínimo em relação à inflação, os índices econômicos baixos e os atritos entre o presidente e o Judiciário são elementos desgastam a gestão federal e que, “nos dias de hoje, não há uma perspectiva de que isso será revertido”.  A estratégia de Bolsonaro é, então, se aproximar cada vez mais do Centrão para poder sustentar o governo e alimentar o núcleo de sua base, os chamados “bolsonaristas raíses”.

As histórias de Maria de Fátima, Raimunda Linhares, Carlos Magno e Miriam se entrecruzam entre acordos e desacordos, mas têm um ponto em comum: o apoio irrestrito ao presidente Bolsonaro. Todos concordam que o chefe do Executivo faz uma ótima gestão e que irá ser reeleito, é o que Mirna quer acreditar, porque como me contou, “Eu acho que se o Lula voltar ele [o comunismo] vem, é fato”.

Jair Bolsonaro ainda participou na última quarta-feira (09) de uma motociata na mesma cidade e, depois, foi para Jucurutu, onde visitou a barragem de Oiticica. Ele ainda esteve presente para receber as águas da transposição do Rio São Francisco, que atenderá 12 milhões de pessoas em 390 municípios de quatro estados: Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A obra foi iniciada no primeiro governo Lula (PT), em 2007, e custou ao todo cerca de R$ 12 bilhões.

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