A astúcia de Lula e a esperteza das elites. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 21 de fevereiro de 2022 às 10:43
Lula
Lula.
Foto: Ricardo Stuckert

Por Aldo Fornazieri

Como dizia o velho mestre, em disputas eleitorais é conveniente que o líder político popular disponha de uma “astúcia afortunada” para vencer. Isto é, ele pode se tornar vitorioso se tiver virtudes, embora não “toda virtude”. Esta consiste em ter forças próprias para impor a inovação política, fundando um novo Estado. Precisa ter também fortuna, sorte, embora também não “toda a fortuna” que significa a capacidade de submeter as circunstâncias dos conflitos, os acasos e os acidentes ao controle da força e, se for o caso, da violência.

Em eleições não se trata de um momento de inovação política, de criação de um novo Estado pela força própria, condição de “toda virtude” e de “toda fortuna”. Em eleições, existem dois campos opostos, “dois humores”, a do povo e a dos grandes, os poderosos. Lula tem o seu campo que é o campo no qual teve origem e pelo qual fez sua opção política.

Lula, neste momento, dispõe de muita “astúcia afortunada”. Veja-se primeiro a fortuna: disputará as eleições depois de um grande desastre de seus principais inimigos. O seu grande rival, o PSDB, passa por um momento de grandes vicissitudes, a ponto de alguns dos antigos adversários de Lula se tornarem seus aliados. As forças que promoveram o impeachment-golpe imprimiram uma condução desastrosa e criminosa ao país, tanto o agrupamento de Temer e, principalmente, o de Bolsonaro. Isto favoreceu ascensão de Lula nesse cenário. Até mesmo a sua má fortuna – a condenação e prisão – tornou-se boa fortuna e colocou seu algoz numa condição desconfortável.

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A astúcia de Lula, que consiste em sua virtude política e eleitoral, se compõe de vários elementos. O primeiro dele consiste em ter escolhido o campo do povo para liderá-lo e representá-lo. Mas Lula dispõe também outras virtudes pessoais: tem enorme capacidade de persuasão, de comunicação e de diálogo com os mais diversos setores sociais, econômicos e políticos. Tem carisma e vocação política.

Outro elemento importante da astúcia de Lula consiste em sua sabedoria em ler a conjuntura política, o que agrega também o saber ler os seus limites políticos. Lula sabe que não é um profeta armado. O provável é que nunca tenha se proposto a tanto. Em não sendo profeta armado não tem força para impor as inovações pela persuasão, pela evidência de sua força e, no limite, pela violência.

Para que exista um profeta armado é necessário que exista um povo armado, o que pode significar um povo organizado e com grande capacidade de mobilização. Não existe isto. Este fator limita as possibilidades e o programa efetivo (não o programa escrito) das inovações e das mudanças. Mais do que isto: Lula sabe que a inexistência do povo organizado e mobilizado coloca certos riscos políticos e eleitorais para sua vitória e, em caso de vitória, para o exercício do governo.

A astúcia de Lula vai mais longe. Ele sabe também que, em sendo presidente e em não sendo profeta armado, em caso de surgimento de um momento crítico, perderá o poder como o perderam Jango e Dilma. Jango não foi defendido pelos sindicatos e por um suposto esquema militar e no dia 17 de abril de 2016 o povo saiu do Vale do Anhangabaú cabisbaixo e envergonhado. O PT perdeu o poder de forma bisonha. Getúlio foi levado ao suicídio.

Diante desta conjuntura, que é uma conjuntura de longo prazo, uma tragédia histórica, Lula sabe que para vencer, para governar e para não perder o poder precisa aliar-se a uma parte, a uma facção dos grandes. Neste momento Lula parece ser mais seletivo na escolha da facção (ou facções) dos grandes com a qual irá se aliar. O grande problema dos governos do PT é que se aliaram a todos os grandes.

Dito isto, veja-se as esperteza das elites. As elites, antes de tudo, procuram eleger alguém dos grandes. Com este, terão mais poder e mais controle sobre o mesmo. Mas em determinadas conjunturas os candidatos que representam as elites não se mostram viáveis. Então elas, ao menos parte delas, se aliam ao candidato que se espera que vença, mesmo que seja um representante do povo. Parte minoritária das elites pode aderir, de fato, ao projeto do candidato e do presidente popular. Mesmo assim, no Brasil é preciso ter cuidado. Não se pode esquecer que alguns ministros da Dilma saíram de seus gabinetes, retomaram seus mandatos no parlamento e votaram pelo seu afastamento.

Outra parte das elites procurará derrotar o candidato do povo e, se este vencer, o boicotará e conspirará contra ele de diversas formas. Esta parte precisa ser tratada como inimiga.

As elites, no Brasil, no seu conjunto, não temem a vitória de Lula, por dois motivos. Conhecem a sua astúcia e sabem dos seus limites. Sabem que ele não poderá governar contra as Forças Amadas, contra a Faria Lima, o Agro, a Fiesp e vários outros agrupamentos. Até aceitam que Lula tente colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda. Mas tudo tem um limite.

Desta forma, tanto na disputa eleitoral quanto num possível governo Lula, ocorrerá um jogo da astúcia versus a esperteza. Para que o jogo se mantenha nos marcos da Constituição e da institucionalidade há um limite tanto da astúcia, quanto da esperteza. Será um jogo de pressões e de negociações. Será um jogo preponderantemente institucional. Neste jogo, contará o número de deputados, senadores, governadores, os partidos etc.

O povo tende a ficar prisioneiro deste jogo, como ficou nos governos petistas anteriores. Para não ficar, teria que armar o seu desejo de liberdade, a sua vontade de não querer ser dominado, reforçar sua autonomia, sua organização e sua capacidade de mobilização. O povo, evidentemente, não fará isto sozinho. Teria que surgir um grupo de novos capitães, um novo tipo de líderes, que tivessem a ambição dos inovadores, de criar uma nova ordem política.

Antes de tudo isto será preciso vencer as eleições. Para vencê-las é preciso saber que serão eleições dificílimas, que o jogo será bruto e que o mais provável é que Lula não vença no primeiro turno. Não serão manifestos que pedem vitória no primeiro turno que estabelecerão uma compreensão correta do real cenário das eleições. Não se pode querer colher o fruto sem plantar a árvore.  Manifestações pueris de desejos não armam os ativistas para as batalhas.

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