“Os empregos não existem”, diz ao DCM analista sobre salário mínimo de Bolsonaro

Atualizado em 23 de fevereiro de 2022 às 20:12
Paulo Guedes cochichando para Bolsonaro. Os dois são responsáveis pelo salário mínimo
Bolsonaro e Paulo Guedes são os responsáveis pela política de salário mínimo sem ganho real – Foto: Evaristo Sá/AFP

No último dia 7 foi divulgada uma pesquisa do Dieese mostrando qual deveria ser o salário mínimo ideal para o brasileiro. No entanto, o valor atual não chega perto ou sequer repõe a inflação do último ano. Segundo o analista socioeconômico do IBGE e doutor em Desenvolvimento Econômico, Jefferson Mariano, em conversa exclusiva com o DCM, o salário mínimo é um “indexador importante para a economia”, sendo necessário implementar um processo de valorização com reajustes reais e não apenas pela inflação.

Os temas abordados na entrevista envolvem agenda econômica do governo Bolsonaro, revisão da inflação no governo FHC e plano econômico do governo de Lula e Dilma entre os anos de 2007 a 2016.

Atualmente, o salário mínimo no Brasil é de R$ 1.212, praticamente cinco vezes menor que o valor ideal de R$ 5.997,14, segundo a pesquisa. Para Mariano, esse valor não é fora do normal, já que o Dieese faz o cálculo desde a criação do salário mínimo, portanto, um dia a remuneração mínima foi próxima disso. Segundo o profissional, o Brasil conseguiria recuperar a qualidade do salário mínimo com reformas econômica e tributária, mas seria um plano futuro e não imediato.

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Veja a íntegra da entrevista sobre o salário mínimo

Jefferson Mariano
Analista socioeconômico do IBGE e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. Atualmente professor de economia na Faculdade Cásper Líbero

DCM: O salário mínimo de 2022 não teve aumento real e não repõe a inflação do ano passado. De acordo com o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), indicador que corrige a remuneração básica, a alta da inflação foi de 10,16% em 2021. O percentual ficou acima do reajuste do salário mínimo, que foi de 10,02%. Para que a inflação fosse reposta, o piso deveria subir para R$ 1.213. Por que isso não aconteceu?

Jefferson Mariano: Essa questão diz respeito à política econômica implementada pelo governo, então cada governo quando é eleito estabelece as diretrizes gerais em termos de política econômica. Esse governo, por exemplo, opta pelo mercado, isso já foi até uma declaração do governo, é a opção pelo emprego. Assim, é preferível o emprego com uma remuneração muito baixa a um reajuste e não ter emprego, como se nós tivéssemos empregos suficientes, não é? Os empregos não existem, a gente tem uma taxa de desemprego muito elevado. Então é uma decisão de política econômica do governo que tem a questão das finanças públicas, porque se aumentar o salário mínimo teria que aumentar o reajuste dos trabalhadores em alguns setores e reajustar as aposentadorias. Há inúmeras atividades que recebem o salário mínimo, ele é um indexador importante para as atividades econômicas, por isso é muito importante o estabelecimento de uma remuneração mínima e uma correção no reajuste não só pela inflação, o que é bastante conservador, mas implementar um processo de valorização com reajustes reais.

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o salário mínimo chegou a alcançar US$ 109,89, o que na época correspondia a R$ 100,00. Atualmente, o valor é de R$ 1.212, o que corresponde a US$ 231,48. Seria possível o real alcançar um valor próximo à moeda americana novamente?

Esse é um ponto interessante. Eu me lembro que na implementação do plano real em 1994 e depois 1995, nós tivemos uma forte valorização do câmbio e aí o salário mínimo chegou a esse patamar, chegou a US$ 100, depois lá em 1999 o Brasil enfrentou uma crise cambial e o salário mínimo caiu, ficou próximo de US$ 50. Posteriormente, durante o governo Lula, uma das bandeiras de campanha era trazer o salário mínimo para o valor de pelo menos US$ 100, as pessoas na época falavam que o Lula era maluco, que não seria possível, mas realmente chegou, não só chegou como superou esse valor. Mas, no caso específico do salário mínimo, foi por meio de uma decisão de caráter político que envolveu pressão de várias entidades, teve uma mudança na legislação do Brasil e a partir de 2007 o salário mínimo no Brasil foi corrigido não só pela inflação, mas também pela variação do PIB. Então a incorporação da variação do PIB fez com que a remuneração mínima no Brasil tivesse variações muito positivas. No governo Dilma a estratégia era dar continuidade nesse processo até 2018, mas com a abreviação do mandato dela em 2016, ocorreu uma mudança e foi abortada essa política de reajuste real do salário mínimo. De 2007 até 2016 nós tivemos reajuste de salário mínimo superior à inflação. Para que nós tivéssemos um salário mínimo com a moeda brasileira mais próxima do dólar, nós teríamos que ter esse movimento oposto, uma inflação no Brasil menor do que a inflação dos Estados Unidos, uma produtividades mais elevada e não ter que enfrentar crises políticas como a gente vem enfrentando nos últimos períodos.

Essa mudança que ocorreu no governo Lula seria algo interessante para um futuro governo?

Sim, na verdade, é questão de escolhas. Quando a gente está diante de um processo eleitoral vários candidatos apresentam suas respectivas propostas, no ano de 2018 a gente teve uma escolha, as pessoas escolheram a agenda econômica desse governo, que em tese, com bastante aspas, é liberal. No âmbito do liberalismo econômico o mercado resolve tudo, o governo se ausenta e o mercado que vai estabelecer a questão de trabalho. No limite, nós poderíamos ter trabalho escravo no Brasil, porque a existe uma taxa muito elevada de informalidade, tem localidades do Brasil, como região norte e nordeste, que mais de 50% das pessoas inseridas no mercado estão na informalidade e elas ganham menos do que um salário mínimo. Os governos com perfil liberal tendem a adotar esse processo e a ideia é de que o mercado vai se ajustar, os empregos vão voltar e as empresas passarão a pagar mais, só que na prática a gente ainda não viu isso. Quando o governo interfere na economia, ele estabelece regras que fazem com que tenha um processo civilizatório, em que não é possível pagar menos do que o salário mínimo, as empresas precisam registrar os trabalhadores e entregar um conjunto mínimo de benefícios aos funcionários.

É possível pensar num salário mínimo como o visto como ideal?

No futuro, se a gente pensar em termos de longo prazo, é possível. Agora, no médio ou curto prazo o desafio é enorme e muito difícil, pode impactar setores produtivos, empresas teriam dificuldade de se adaptar a essa nova realidade, tem uma questão relacionada as próprias despesas do governo e as finanças públicas.

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