A primeira pergunta feita a Dilma na entrevista que ela concedeu à Globonews na semana passada merece uma reflexão.
Corrijo: não exatamente a primeira pergunta, mas a resposta a ela.
A entrevistadora, a jornalista Renata Lo Prete, perguntou a Dilma qual é a marca de sua administração.
Renata disse o que tem sido amplamente repetido no mundo político: FHC trouxe a estabilidade financeira e Lula elevou a novos patamares os programas sociais.
E Dilma, quis saber Renata, qual é sua contribuição principal?
Depois de apresentar alguns números de sua administração, sem se deter em nada especificamente, Dilma pareceu ter encontrado a resposta: “Infraestrutura”.
Segundo ela, sua gestão, nestes primeiros quatro anos, passará para a história pelas obras de infraestrutura.
Com todo respeito aos engenheiros e à engenharia, é uma resposta com a aridez de três desertos, para usar uma frase de Nelson Rodrigues.
O problema central do Brasil não são pontes e estradas, por mais relevante que isso seja. O problema central é a desigualdade social, ainda em níveis abjetos a despeito dos inegáveis avanços promovidos sob gestões do PT.
Qualquer resposta satisfatória e convincente para a primeira questão de Renata Lo Prete tem que ser fundada em conquistas sociais.
É disso que o Brasil precisa e foi para isso que os brasileiros levaram o PT ao poder.
Obras de infraestrutura devem estar na base de qualquer plataforma política de qualquer partido – de centro, de esquerda ou de direita.
Mas ações sociais que reduzam os extremos de opulência e miséria do país, isto é só para quem sabe enxergar o espírito do tempo.
O governo Dilma tem um slogan perfeito: “País rico é país sem pobreza.” As realizações para que o Brasil chegue à condição de “país sem pobreza” é que deveriam ser a essência da resposta de Dilma na entrevista da Globonews.
Imagine que um dia alguém busque a marca da gestão do papa Francisco, por exemplo. Ninguém vai dizer que ele colocou em ordem as finanças do banco do Vaticano, ainda que ele tenha feito isso.
O que será dito é o seguinte: ele deu foco aos pobres. Ele identificou na desigualdade social o maior drama do mundo, e tratou de alinhar a Igreja Católica com essa visão.
Acertar o balanço do banco do Vaticano qualquer papa poderia fazer. Reaproximar a Igreja dos pobres, só alguém como Francisco.
Sem mentir, Dilma poderia ter respondido, sucintamente: “Eu ampliei o combate à desigualdade social, com programas como o Mais Médicos. Não há nada tão vital quanto isso para o país, e eu não permiti que isso fosse esquecido.”
Poderia, então, completar a resposta com slogan: “Porque você sabe, Renata: país rico é país sem pobreza.”
Se quisesse fazer um trabalho de memória, poderia lembrar quanta oposição o Mais Médicos – hoje consagrado – sofreu de políticos e da mídia, a exemplo do que ocorrera antes com o Bolsa Família.
Para que o Brasil se torne uma nação socialmente desenvolvida, uma réplica gigante do modelo escandinavo, é preciso que se consolide entre nós a cultura de rejeição à desigualdade.
O que nos levará a uma sociedade avançada é a noção, a convicção de que é intolerável tanta pobreza – muito mais que obras de infraestrutura, por mais que estas sejam necessárias.
Daqui por diante, e até que superemos a desigualdade, nenhum presidente terá verdadeira grandeza se não contribuir fortemente para o fim dela.