“Técnico de fora não muda nada”: Medina, ex-preparador da seleção, amigo de Parreira, fala ao DCM

Atualizado em 18 de julho de 2014 às 10:09
Medina e Pelé
Medina e Pelé

 

O preparador físico João Paulo Medina foi coordenador técnico da Seleção Brasileira em 1991 e trabalhou em clubes como o Internacional, nos quais tentou implantar um novo modelo de gestão. Suas ideias, no entanto, não são exatamente o que o universo futebolístico está acostumado. “A democratização é essencial para a modernização do futebol brasileiro”, diz ele, que hoje dirige a Universidade do Futebol, entidade que promove cursos para profissionais do esporte.

No ano passado, Medina apostou que a Alemanha seria a campeã mundial e que o futebol brasileiro, para retomar sua qualidade, precisava de uma transformação estrutural, envolvendo clubes, atletas, técnicos dirigentes e instituições esportivas. Medina deu essa entrevista ao DCM.

A CBF anunciou a contratação de Gilmar Rinaldi como coordenador das seleções. É um passo para melhorar as condições do futebol e da seleção brasileira?

Não. É apenas a repetição do mesmo modelo. Não é colocando o Gilmar no lugar do Parreira que vamos resolver o problema. Essa mudança não melhora nada e, ao contrário, cria a ilusão de que haverá uma melhora, mas não vai haver. Não basta trocar os nomes.  Se contratássemos algum dos melhores técnicos do mundo, como o Mourinho, o Guardiola ou o Van Gaal também não mudaria nada. Pelo contrário, haveria mais problemas, de ordem cultural, de gestão mesmo, porque esses treinadores estão acostumados a trabalhar em ambientes mais saudáveis.

Nosso ambiente não é saudável?

Nós temos problemas estruturais gritantes. Nossas instituições esportivas, como os clubes, são arcaicas. Foram fundadas em 1941 durante o governo Vargas e não foram oxigenadas durante, por exemplo, a constituinte de 1988. A legislação cerceia o profissionalismo no clube. O dirigente estatutário, por exemplo, não pode ser remunerado e presta serviços ao clube nas horas vagas, no final do dia ou à noite. Há uns três ou quatro anos começou a surgir o dirigente profissional, mas ele é totalmente subordinado ao dirigente amador, que geralmente é um apaixonado e não tem capacitação para entender o mercado. Esse é só um exemplo e está mais do que na hora de rever essa legislação. O fracasso da seleção agora em 2014 coloca em evidência essa questão.

E o que é preciso fazer?

É preciso um diagnóstico sério, uma análise profunda em todas as suas dimensões, levando em conta o papel social e o patrimônio cultural do futebol, que é também uma expressão da própria economia brasileira. O futebol, em suas diferentes dimensões, é uma atividade que gera empregos e desenvolvimento, cria oportunidades não só no campo técnico, mas também de gestão, de infraestrutura, de equipamentos. É uma fatia da economia muito pouco explorada. O futebol brasileiro poderia representar mais de 1% do PIB e, hoje, representa apenas 0,2%. Temos tudo para resgatar o conceito de “país do futebol”.

Mas como fazer essa mudança se a CBF concentra todo o poder do futebol?

É preciso mudar a legislação para mudar a estrutura jurídica que respalda essa instituições que estão no poder do futebol para permitir uma democratização e, daí sim, encontrar as pessoas mais talhadas para trabalhar nesse modelo, não só do futebol, mas do esporte brasileiro em geral. É preciso fazer um modelo de gestão compatível com as necessidades do século XXI. Sem isso, é discutir o sexo dos anjos. Nós estamos debatendo essas questões na Universidade do Futebol e trabalhando nessa direção, já com apoio de algumas instituições. É preciso criar um clima mais democrático e dar poder às diferentes categorias que trabalham no futebol, ao atleta, ao treinador, ao executivo, ao dirigente e todos os atores que ajudam a construir esse universo. Se não mexer nessa estrutura, no sentido de democratiza-la, nada vai mudar.

Isso afeta a formação de craques?

Nós não formamos mais os atletas como antigamente. Aquilo que os europeus, os americanos e até asiáticos estão fazendo “in vitro” nós não estamos mais fazendo “in natura”.  Eles vem trabalhando na formação de atletas com conhecimento, com metodologias, com investimento em infraestrutura, com estímulo à prática do futebol enquanto esporte de massa. Essa ideia de que só nós temos a cultura do futebol caiu por terra. Ainda acho que nós somos o melhor país na produção de talentos, mas não como tempos atrás. Hoje a gente tem craques tão bons quanto os outros países, mas não é mais aquela maravilha. Nós fizemos esse estudo: em 1983, numa lista dos 50 melhores jogadores, havia 12 jogadores brasileiros. Agora em 2013, fizemos a mesma pesquisa e encontramos 3 jogadores brasileiros indicados entre os melhores do mundo. Nós não estamos produzindo tantos craques como na década de 1970 e 80

E qual é o motivo?

Hoje, o modelo de atleta que emerge para o profissionalismo e para o mercado é diferente, não pode ser mais aquele menino que aprendia na pedagogia da rua. Ele tem que ser capacitado, tem que ter instrução, tem que ser educado, não pode ser mais um semianalfabeto que se dá bem no futebol e depois vai pagar caro no final da sua carreira.

Isso quando é bem sucedido…

Exato. A realidade do futebol brasileiro é que 80% dos jogadores ganham no máximo até três salários mínimos, com 10 a 15% de desempregados e uma elite privilegiada em termos de remuneração que também enfrenta problemas de calendário, de gestão dos clubes. Eu conheço vários jogadores de elite que me dizem que nunca saíram do Brasil com os pagamentos todos em dia e os que receberam foi porque recorreram à justiça. Não é um problema só dos times médios e pequenos, é um problema geral de gestão.

Nós não conseguimos jogar de igual para igual contra a Alemanha, quando até a Argélia e Gana conseguiram. Estamos ultrapassados tática e tecnicamente?

Eu respeito e sou amigo do Parreira e Felipão. O futebol é um jogo, você acerta e erra, e tenho convicção de que esse resultado de 7 a 1 foi circunstancial, foi fora da curva. Mas ajuda a alertar para os problemas de preparação de nossos jogadores e de nossos profissionais que trabalham no futebol

A Alemanha é a nova escola que vai predominar, levando-se em conta, inclusive, que há 17 jogadores do time campeão com menos de 26 anos?

Acho que essa conquista marca um novo momento do futebol mundial. Embora a Alemanha já tivesse ganhado três copas do mundo, nós, da Universidade do Futebol, não considerávamos, até então, que a Alemanha tivesse deixado um legado na história do futebol. A Holanda, que nunca ganhou a Copa, deixou um modelo de jogo que influenciou muitas escolas do futebol. A Alemanha não teve um período assim. Mas agora começa a ter, graças a um trabalho iniciado há doze anos aproximadamente, no qual governo, federação da Alemanha e clubes, traçaram um planejamento, fora e dentro de campo. Os clubes alemães têm uma saúde que clubes de outros países não têm, inclusive países europeus. A Alemanha deu esse exemplo e, com essa conquista técnica, deixa um legado na história do futebol.

Qual é a lição que o futebol brasileiro pode extrair da Copa?

Se a gente entender que o modelo do futebol é o grande problema, teremos extraído a grande lição desse evento.

E nós estamos aprendendo essa lição?

Não. A gente já apontava esses problemas quando o Barcelona ganhou do Santos por 4 a 1 na final do Campeonato Mundial de Clubes, evidenciando muito a evolução do futebol europeu em relação ao brasileiro. Ficamos analisando as questões pontuais, técnicas, e não abordamos as questões mais importantes

O movimento Bom Senso é um caminho para promover as mudanças necessárias?

Sou suspeito para falar porque nós damos uma assessoria técnica e científica ao movimento. Participo de algumas reuniões de jogadores, é um movimento frágil, como todos os movimentos que fazem parte da estrutura arcaica do Brasil, e tem muitas dificuldades de colocar qual é a verdadeira situação dos atletas. Mas conseguiu se organizar de uma forma histórica: nunca houve um movimento como esse no futebol brasileiro. A tendência é que se fortaleça, mas ainda não tem força para ter voz.