Publicado originalmente na BBC Brasil.
Um relatório afirma que um posicionamento favorável do Futebol Clube Barcelona poderia influenciar entre 30% e 40% dos eleitores no referendo sobre a independência da Catalunha, região nordeste da Espanha.
O relatório que traz estes dados foi encomendado pelo governo espanhol e é secreto, mas foi divulgado pela revista Interviu.
O governo catalão de Artur Mas convocou para 9 de novembro uma consulta em que os catalães responderão se querem que a região seja um Estado independente. O governo central da Espanha não apoia o referendo e o considera inconstitucional.
Enquanto os partidos a favor da independência se movimentam para realizar a consulta, os governos central e regional estão conscientes de que o Barça pode pesar na balança separatista.
“Ainda que o Barça seja um clube global, somos um clube catalão e catalanista e estaremos ao lado do nosso país (Catalunha)”, declarou o presidente da entidade, Josep Maria Bartomeu, durante uma entrevista coletiva no dia 2, no estádio Camp Nou.
“O Barça não entra em política, mas sempre estará com a maioria dos catalães”, acrescentou o presidente.
O governo da Catalunha nega que tenha buscado apoio formal do clube, já que se trata de uma entidade esportiva e privada.
“Mas o Barça sempre mostrou um grande catalanismo, mostrou estar do lado do governo e do Parlamento da Catalunha e não fez ações em posicionar-se ao lado do movimento (independentista) porque esse não é seu trabalho”, afirmou à BBC Brasil o secretário geral de Esporte da Catalunha, Ivan Tibau, em entrevista por telefone.
O secretário reconheceu que, mesmo indiretamente, o Barça contribui para o debate sobre a independência.
“Graças a sua magnitude, o Futebol Clube Barcelona ajuda que o território catalão e o que acontece aqui sejam mais conhecidos ao redor do mundo”, ressaltou Tibau.
O Barça tem 350 milhões de seguidores no mundo, segundo o presidente.
Campeonatos possíveis
Especialistas em futebol já fazem cenários sobre as competições que poderiam incorporar o Barça em um suposto Estado catalão independente.
A Lei do Esporte estabelece que somente os times radicados em território nacional podem participar da Liga Espanhola e contempla apenas uma exceção – para equipes de Andorra. Em caso de independência, portanto, o Barça estaria fora do Campeonato Espanhol, um cenário difícil de imaginar hoje.
Estudioso do tema, José Luis Pérez Triviño, professor de Filosofia do Direito da Universidade Pompeu Fabra e presidente da Associação Espanhola de Filosofia do Esporte, vê um panorama muito negativo para o Barça.
Triviño sugere que o clube teria três opções: jogar em uma Liga Catalã, partir para outra liga europeia estrangeira ou voltar à Liga Espanhola.
“Uma Liga Catalã seria parecida à Holandesa ou à Belga, em que se produziria uma desigualdade muito grande entre o Barça e os demais times. Juridicamente seria viável, mas economicamente, não. O mercado televisivo seria reduzido, e a liga, de segunda categoria”, avalia o professor.
Em um campeonato estrangeiro, como o francês, que já tem o Mônaco como precedente, o Barça dependeria da aceitação da liga e da Fifa, “o que seria um caso excepcional e anômalo”, conforme Triviño.
“A opção mais sensata seria continuar na Liga Espanhola, para o Barça e para o próprio campeonato. Mas o Parlamento espanhol poderia vetar a incorporação do clube”, analisa.
Para Triviño, a situação do time em uma Catalunha independente deveria fazer parte de um “debate sério e aberto”.
Já o secretário Ivan Tibau disse que não preocupa uma eventual saída da equipe do Campeonato Espanhol.
“É um assunto que se discutirá depois (da consulta) e que não me preocupa, porque o Barça é um clube querido, qualquer liga europeia queria tê-lo em sua competição, pelo grande e midiático clube que é. Caso o processo siga adiante, estou convencido de que o Barça encaixaria em um lugar ou outro sem nenhum problema”, diz o secretário.
Histórias entrelaçadas
Dentro do Camp Nou, são frequentes as reivindicações separatistas de grande parte da torcida.
Cartazes como “Freedom Catalonia” (“Liberdade para a Catalunha” em tradução livre) e “Catalonia is not Spain” (“Catalunha não é Espanha”) provam que muitos torcedores aproveitam a visibilidade dos jogos para pedir apoio internacional.
Em todas as partidas no Camp Nou, a torcida canta “In-inde-independência!” justo no minuto 17’14, uma referência ao ano 1714, quando Barcelona caiu na Guerra de Sucessão espanhola.
Para Ángel Iturriaga, historiador e autor de livros sobre jogadores do Barça, o clube é um símbolo chave para a independência da Catalunha. “É a instituição social mais importante e mais reconhecida no exterior”, opina.
De acordo com ele, os jogos são uma oportunidade para o público reivindicar essa catalanidade.
“Ao longo da história, o Barça sempre esteve a favor da catalanidade”, justifica Iturriaga.
Ele exemplifica alguns desses momentos cruciais: quando a ditadura de Primo de Rivera ordenou o fechamento do estádio e deportou o fundador Joan Gamper à Suiça; e na Guerra Civil, quando o então presidente Josep Sunyol foi fuzilado por tropas franquistas, e a sede, bombardeada.
“Todos esses fatos intensificaram a tensão entre os torcedores e sua relação com o governo espanhol”, explica o historiador.