O dia chegou: o dia em que vou problematizar as provas de resistência do BBB.
Não apenas para questionar por que ainda é naturalizado humilhar pessoas para ganhar dinheiro – qualquer semelhança com “Round 6” não é coincidência -, mas para tentar compreender porque tantos de nós ficam extasiados ao vermos pessoas sendo torturadas em rede nacional.
Foi a mesma coisa com “Bacurau”: ao verem as cabeças dos vilões expostas, o cinema entrou em polvorosa. As pessoas estavam em êxtase absoluto, não duvido nada que alguém tenha gozado na cadeira.
Assistir a outras pessoas serem obrigadas a passar sede, fome, frio e cansaço, e ainda classificar isso como “entretenimento” é um indício claro de que algo conosco não vai bem.
Na última prova – as da reta final são sempre mais difíceis – os jogadores foram amarrados com os braços para cima em volta de um carro da Fiat, e ali permaneceram por incríveis 19 horas, enquanto recebiam rajadas de vento, água e fumaça. Isso é tortura.
O carro no meio deles me interessa muito como elemento narrativo: semioticamente falando, o carro representava a vitória, e convencia-os de que qualquer privação seria suportável.
Não é a primeira vez que Boninho dá uma de Luciano Huck e coloca os participantes em situações desumanas. As provas de resistência já alcançaram 29 horas, incluindo prender os participantes em gaiolas ou espreme-los dentro de um carro do patrocinador.
Ainda assim, muitos de nós continuam com os olhos vidrados na tela. Muitos sequer compreendem a gravidade dessas provas, mas elas certamente serão vistas no futuro como uma espetacularização do sofrimento – você pode escrever.
Mas, se isso existe, é porque existe audiência pra isso. Porque a verdade é que, para além de humanos, somos bicho. Parece haver em nós – a humanidade – um ímpeto fortíssimo para a violência. Mesmo que nossa moral diga o contrário, há algo em nós, desde os tempos dos gladiadores, que goza com a dor alheia.
A Globo e a Fiat sabe disso. Talvez por isso – tudo pela audiência – tenham o hábito de criar provas cada vez mais humilhantes e dolorosas, e dessa vez com o objeto de desejo de cada um bem diante dos seus olhos.
“Ah, mas é só um jogo”, alguém dirá. Sim, é só um jogo. Resta saber até quando continuaremos a nos divertir com versões espetacularizadas do nosso próprio sofrimento.
Confira a prova do BBB:
Coitado do Fiat 500e ter que aturar o Arthur esse tempo todo, isso sim é resistência #Fiat! #BBB #BBB22 #RedeBBB #ProvaDoLider #ProvaDeResistencia #ForaArthur pic.twitter.com/pJJV4Rywe2
— Raminho ? (@ramielduarte) April 22, 2022
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