Por Moisés Mendes
As pessoas estão mais pobres, mais tristes, mais desesperançadas e mais desiguais. E estão também mais burras. A sensação é de que pessoas próximas e distantes foram acometidas pelo surto de emburrecimento geral.
Não é uma teoria nova, nem uma tese de rede social, é a constatação da realidade. Tios, primas, sobrinhos, colegas de trabalho, vizinhos, todos apresentam, em algum momento, sinais de que ficaram mais burros.
E quem percebe que os outros estão mais burros pode também ter emburrecido. Uma das explicações possíveis foi oferecida pelos que examinam comportamentos coletivos, entre os quais o sociólogo italiano Domenico de Masi.
O avanço de líderes da extrema direita tem como um dos efeitos danosos, e com sequelas, o déficit de inteligência da população.
Países com governos fascistas, incluindo o Brasil, passam a refletir de acordo com a média fixada pelo governante, que inspira seus subordinados, que inspiram seus assessores, que contaminam quem está por perto.
Abordagens imbecilizantes se disseminam, porque os fabricantes da desinformação se atraem e potencializam suas ações a partir do poder.
Mas há um impasse nessa tese. Poderia estar acontecendo uma situação inversa. O Brasil mais idiotizado é apenas o que encontrou em Bolsonaro um líder capaz de defender suas ideias.
E pontos de vista antes recatados, que raramente eram apresentados em público, passaram a ser expostos com ênfase e radicalidade. Porque há um líder que pensa o que essa média acha do mundo.
É quando se fortalecem as teorias da Terra plana, o ataque à universidade e à ciência, a negação da vacina, a rejeição à quase tudo o que representa avanço civilizatório.
Há uma sensação de que o primo aquele, que não era tão idiota, envelheceu e ficou mais imbecil nos últimos anos. Ele não acredita em aquecimento global, subestima a destruição da Amazônia e desqualifica a eleição.
O sujeito que ataca a vacina é o mesmo que, num impulso para a abordagem de temas complexos, propõe interpretações próprias para anistia, indulto e perdão.
E aí temos perdão bíblico misturado a todo tipo de perdão, indulto e anistia. Na pressa, o militante de extrema direita simplifica questões que exigem calma, estudo e dedicação.
Tudo porque o tio que expõe o rebaixamento da própria inteligência é, segundo a teoria de Domenico De Masi, um sujeito que pode estar pedindo socorro.
O que ele diz, ao simplificar tudo o que aborda, é que o seu jeito simplificador de ver o mundo é o que lhe serve, porque desqualifica a sabedoria dos outros. Sabedorias que ele não alcança,
O brasileiro que ataca a universidade e a ciência está de alguma forma afrontando um incômodo, ou tudo o que ele não consegue ver como algo que possa ajudá-lo.
A ignorância encoberta pela gritaria é o que importa, porque o saber do outro o incomoda, sempre incomodou. Mas agora ele expõe esse incômodo como arma, sem constrangimentos.
O emburrecimento seria assim a manifestação de um recalque que ataca a socialização do conhecimento, o sistema de cotas, o ProUni e o acesso de classes sociais ascendentes ao saber, ao lazer, ao entretenimento.
O sujeito que aparentemente ficou burro ficou mais desinibido. Ele defende hoje em voz alta, o tempo todo, o que antes eram temas eventuais defendidos com alguma moderação. Por isso a sensação de que estamos mais burros se acentuou com o bolsonarismo.
Estamos mais expostos à desinibição dessa gente, no mundo real e nas redes sociais. Só que o emburrecimento seria o sintoma de algo pior do que o rebaixamento de inteligência cognitiva.
Estamos mais burros porque estamos mais ressentidos, mais preconceituosos, mais moralistas, mais racistas e mais homófobos. De acordo com um conceito que prosperou a partir dos anos 90, estaríamos perdendo não a inteligência das racionalidades, mas a emocional, afetiva e amorosa.
O brasileiro ficou mais prepotente, egoísta e inescrupuloso. O rebaixamento da inteligência é o efeito dos ódios e da sabotagem da cidadania e das liberdades.
O sujeito emburrecido é alguém que estava apenas hibernando à espera um líder que o conforte e o fortaleça. Descobriram que a mentira conforta e aquieta. Perdemos inteligência social.
(Texto originalmente publicado em EXTRA CLASSE)
Clique aqui para se inscrever no curso do DCM em parceria com o Instituto Cultiva
Participe de nosso grupo no WhatsApp clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link