A Amazon lançou um serviço de assinatura para acesso a e-books. Ao preço de US$ 9,99 por mês o usuário pode acessar quantos títulos quiser. O catálogo possui 600 mil livros.
Batizado Kindle Unlimited, rapidamente ganhou o apelido de Netflix dos livros.
A iniciativa não é pioneira. O serviço já existe de modo acanhado com outras empresas (inclusive no Brasil) mas como tudo que é afetado pela retroescavadeira da gigante americana causa, senão preocupação, uma observação mais atenta.
Se vingar, isso será bom ou ruim para a literatura e para o mercado editorial? Ajudará a disseminar a literatura ou matará de fome o já magro autor?
Nenhuma das duas questões parece ter resposta pronta. A forma de remuneração a editoras e autores ainda é pouco clara, o que vem gerando enormes polêmicas e abstenção das grandes. As cinco maiores editoras americanas estão fora, por enquanto.
É tudo muito confuso. Talvez com esperança de atrair os best-sellers, a Amazon deverá repassar o valor equivalente à venda de um exemplar no atacado sempre que o leitor ultrapassar determinado percentual de páginas. Funcionaria assim: o leitor acessa o livro, lê pelo menos 10% da obra e então isso já pode ser considerado uma “venda”. Isso para as grandes. Para os pequenos e independentes é que a coisa complica. Remunerações fixas como US$ 2 por livro lido (inteiro) ou valores proporcionais ao número de páginas “consumidas” estão nos planos. A gritaria é grande.
“O que causou revolta junto a muitos autores é que, para algumas editoras, a Amazon paga logo integralmente o preço acordado (preço de capa menos desconto) e a editora repassa o devido aos autores. Mas, para a imensa maioria dos autores – particularmente os autopublicados – o pagamento é sempre proporcional. Os critérios para decidir quem recebe integral e quem recebe proporcional são obscuros”, diz Felipe Lindoso, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura.
O segundo aspecto, a disseminação da literatura graças ao apelo volume/preço, também é ainda nebuloso. Qual literatura é consumida em e-books? Livros de auto-ajuda, didáticos, infantis, técnicos e religiosos e alguma poesia parecem ser os candidatos naturais a vingarem no formato. Obras de fôlego, literatura de alto coturno? A ver. A resistência ainda é grande e não se trata apenas de maneirismo.
“Eu mesma nem tenho um leitor digital, leio livros em pessoa, com gordura dos meus dedos nas páginas, não troco por nada”, diz Andrea Del Fuego, vencedora do prêmio José Saramago de 2011. “Lembro-me dessa discussão na Feira de Frankfurt em 2013, é uma questão urgente sobre a relação entre as editoras e a Amazon, se ela é de confronto ou cooperação. Por outro lado, pensando na difusão da literatura, um ‘Netflix’ dos livros parece interessante ao fomentar essa via voraz de acesso aos textos”, completa Andrea.
“Vale a pena? Dependendo do modelo de negócios que vingar, é mais uma iniciativa de facilitar o acesso. É bom notar que as editoras já debatem esse assunto em relação às bibliotecas públicas, também testando vários modelos de vendas para as bibliotecas (um número limitado de acessos por título vendido, por exemplo). Também depende muito de quantos livros cada pessoa compra ou lê mensalmente, balanceado com o tipo de livro que lê, e se são lançamentos ou não, para que o modelo valha a penas para o leitor individual. Em suma, é mais uma frente aberta para facilitar o acesso ao livro eletrônico. Alguns desses modelos, irão vingar. Outros não encontrarão o equilíbrio entre todos esses fatores para sobreviver (acervo, por um lado, e remuneração de autores independentes/editoras e destas últimas com seus autores)”, declara Felipe Lindoso.
Wilson Gorj, editor e sócio-fundador da Penalux também é cético. “Leio muito no computador e no tablet, mas leitura de e-mails, postagens, matérias e mesmo algum conto ou poema. Aí, quando quero ler algo com mais envolvimento de tempo e reflexão, prefiro recorrer ao livro impresso, principalmente no que se refere à literatura. E, igual a mim, existem muitos outros leitores, que certamente garantirão a existência da produção do livro impresso ainda por um bom tempo.”
Luiz Bras, autor de “Sozinho no deserto extremo”, não demonstra simpatia tampouco preocupação. “Não gosto das grandes redes livreiras nem de sua fome de exclusividade, que afeta principalmente as pequenas editoras e os autores independentes. Gosto da livraria da esquina, charmosa e personalizada. Gosto dos sebos. Mas meu projeto literário passa bem longe de qualquer compromisso com a Amazon ou outra gigante do varejo. Considero-me um escritor marginal. Publico por editoras pequenas, não vivo de direitos autorais. Vivo das oficinas de criação literária e das resenhas para a imprensa”.
Os próximos passos da gigante sinalizarão se ela irá esmagar ou alçar o mercado de livros.