Em fevereiro de 1962 o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos [1935-2019] escreveu o ensaio Quem dará o golpe no Brasil?.
Wanderley partia do pressuposto de que o fracasso da tentativa de golpe militar para impedir a posse de João Goulart, em 25 de agosto de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, não encerrava o movimento golpista, e tampouco desencorajaria o ímpeto golpista.
O texto de Wanderley mostrou-se premonitório: dois anos depois, em 31 de março de 1964, Jango foi derrubado e se iniciou a ditadura sanguinária que durou 21 anos, até 1985.
Nas circunstâncias do Brasil de 2022, a pergunta já não é sobre “quem dará o golpe?”, mas “como será o golpe?”. Como disse Eduardo Bolsonaro [27/5/2020], “o problema não é mais se, mas quando haverá uma ruptura”.
Podemos não encontrar as respostas objetivas e, inclusive, podemos levantar hipóteses variadas à pergunta sobre “como será o golpe”, mas os elementos da conjuntura evidenciam que um novo golpe militar está, efetivamente, em curso no Brasil.
Sabe-se que não deverá ser como uma quartelada típica dos anos 1960/1980, porque o golpe atual incorpora elementos contemporâneos da guerra híbrida – não será preciso nem mesmo um soldado e um cabo para fechar o STF.
Um golpe anunciado com enorme antecipação e que avança de modo gradual; porém, constante. Um golpe, enfim, perpetrado em câmera lenta.
Como disse o general Mourão ainda em 16/9/2017, antes dos militares assumirem o poder por meio da eleição fraudada com a prisão do Lula, seus “companheiros do Alto Comando do Exército avaliam que ainda não é o momento para a ação [leia-se, para a intervenção militar], mas ela poderá ocorrer após ‘aproximações sucessivas’”.
Em 6/5/2021, depois da anulação da farsa da Lava Jato e da reabilitação dos direitos políticos do ex-presidente Lula, Bolsonaro deu a senha de que o bote estava armado. “Se não tiver voto impresso é sinal de que não vai ter eleição, acho que o recado tá dado”, disse ele, consciente de que, dentro das regras da democracia, a continuidade do projeto de poder dos militares é inviável.
Pouco mais de dois meses depois, em 21/7/2021, o então general-ministro da Defesa Braga Netto ameaçou o Congresso: “A quem interessar, diga que, se não tiver eleição auditável, não terá eleição”, disse ele, sendo endossado por Bolsonaro, que no mesmo dia afirmou que “ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.
Hoje está claro como a luz do sol que, no fundo, o partido dos militares preferia que a PEC 135/2021, que instituía o voto impresso, fosse recusada pela Câmara dos Deputados. Porque, com isso, Bolsonaro e os militares ganhariam a retórica que precisavam para barbarizar a eleição, como fazem hoje.
Os perpetradores deste golpe – as cúpulas partidarizadas que converteram as Forças Armadas em Milícias Fardadas – já não escondem seus propósitos golpistas e antidemocráticos.
Nas últimas semanas o partido dos generais dispensou intermediários, abandonou o véu do falso disfarce legalista e profissional, saiu das sombras e passou a emparedar diretamente o judiciário, como ficou explícito na ofensiva contra o TSE e o STF. É preciso reconhecer que os ministros do STF cometeram erros primários, que alimentaram, sob medida, a crise desejada pelos generais conspiradores [aqui e aqui].
Os ministros do STF e TSE, que assim como as cúpulas partidarizadas das Milícias Fardadas, que não possuem mandato popular e são instituições de Estado, se intrometeram onde jamais deveriam – na política –, e cometeram equívocos graves, como o pecado capital de convidarem os generais para participarem da fiscalização do sistema eleitoral.
O golpe militar que avança em câmera lenta ainda pode ser contido. Para isso, no entanto, é essencial que haja uma forte mobilização social em defesa da democracia, do Estado de Direito e pelo imediato retorno dos militares aos quartéis, de onde jamais deveriam ter saído.
* Reprodução/Arquivo Nacional
Publicado originalmente no blog Jeferson Miola