A professora de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Letícia Cesarino, escreveu uma thread nesta terça-feira (10) explicando detalhes do vídeo da pré-campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ela destacou que todos aprovaram a peça e relatou passo a passo como isso pode impactar os eleitores.
Confira a thread abaixo:
Todos aprovaram o vídeo no lançamento da chapa Lula-Alckmin, e não é à toa! Foi feito um uso magistral da semiótica bolsonarista contra ela própria, mais precisamente, a função da mimese inversa.
A mimese inversa divide o mundo em 2 lados antagônicos, onde o inimigo é representado com a mesma forma, mas conteúdo invertido. Em vários textos, mostro como ela foi central nos memes bolsonaristas de 2018 (inclusive bati muito nessa tecla quando conversei com a comunicação do PT).
Não dá pra detalhar aqui, mas a mimese inversa é uma meta-função q bifurca ontologias em várias escalas. Embora do ponto de vista local pareça simétrica, do ponto de vista do sistema ela é hierárquica, pois o que está em disputa é o meta-enquadre englobante.
Este frame ilustra bem a disputa, e pra mim foi o ponto alto. Pois o bolsonarismo justamente funde a luta pela existência neoliberal-neodarwinista com a gramática militarista da guerra. E aqui, elas são de novo separadas e moralmente diferenciadas.
No lugar da gramática ultraliberal-reacionária que vê a prosperidade de um como só ocorrendo às custas do outro e vice-versa (reconhecimento bifurcado), a campanha recoloca a possibilidade de conceber a prosperidade de todos apostando na redistribuição (reconhecimento universal).
E de fato, essa é a ética cristã encapsulada na oração a São Francisco que, no bolsonarismo, foi englobada por leituras dispensacionalistas e de guerra santa. A mimese inversa propõe o reenglobamento desta última pela primeira, colocando novamente em primeiro plano os “comuns”.
Isso é estratégia? Sim. Mas também reflete valores espontâneos que cada lado abraça, e é isso em última instância que ressoará com cada eleitor. A esquerda nunca poderia usar as mesmas armas do bolsonarismo, pois implica cruzar linhas éticas e legais. Mas pelo visto não precisaremos.
Mais sobre mimese inversa, englobamento do contrário e os 2 tipos de reconhecimento no meu livrinho que está pra sair.
Como a campanha Lula usa o feitiço contra o feiticeiro – A THREAD
Todos aprovaram o vídeo no lançamento da chapa @LulaOficial @geraldoalckmin, e não é à toa! Foi feito um uso magristral da semiótica bolsonarista contra ela própria, mais precisamente, a função da mímese inversa.+ pic.twitter.com/KjKDy16HyW
— Letícia Cesarino @letcesar.bsky.social (@letcesar) May 10, 2022