Li numa das muitas matérias sobre o casamento de Lula e Janja que o casal optou por convidar apenas as relações de amizade, aí incluídas Duda Beat e Gil do Vigor.
Os aliados ditos “ideológicos radicais” não foram contemplados. Até o doce Eduardo Suplicy foi esquecido, enquanto Marta Suplicy estava na lista convidada, o que provocou certa comoção no Twitter e no Instagram.
Pessoas comuns, em condições normais, cortam um dobrado para fazer uma recepção de casamento para apenas 150 pessoas. É um grande desafio, e sempre ficam as sequelas, recalques dos esquecidos da lista. Mágoas que inspiram até rompimentos.
Fico imaginando o ato de coragem que envolve o alto risco de fazer uma festa de casamento a pouco mais de quatro meses de uma eleição. E Lula não tem um perfil impetuoso, dado a saltos mortais. Ao contrário, é bem cauteloso e racional.
Lula não é um anfitrião acostumado a recepcionar grandes grupos de convidados. Ao contrário, durante seus oito anos de presidente da República, as famosas recepções no Itamaraty que caracterizaram os governos Sarney, Fernando Henrique, Collor, Figueiredo foram praticamente desativadas.
Eu cheguei até a desenvolver, na época, uma “tese” de que muito do “ódio de classe” das elites dominantes contra Lula e o PT devia-se ao fato de seus governos (e também os de Dilma) terem interrompido o ciclo borbulhante do “presunto pendurado na porta” no Ministério das Relações Exteriores.
Foi então rompida a longa cadeia de festanças, que ia desde a espécie em extinção dos colunistas sociais aos ateliês de costura, alfaiates, maquiadores, cabeleireiros, banqueteiros, cerimonialistas, floristas, equipes de segurança, empresas de aluguel de mesas, cadeiras, toalhas, luminárias, copos, pratos, enfim, todo esse universo produtivo.
A elite dominante não existe sozinha, ela tem como acessório uma legião de admiradores, seguidores, nomes glamorosos, que dançam com ela o que chamo de “minueto social”, e isso rola desde os “césares” de Roma, desde a “Casa de Stuart”, na Grã-Bretanha, os “luízes” de França. Rolava mesmo no Vaticano, até acontecer o Papa Francisco, um Papa franciscano no nome, na prática e no verbo.
A elite não gosta de se sentir excluída. Muito menos aqueles de seu entorno que se julgam elite, os amigos, agregados, fornecedores de bens de luxo, prestadores de serviço. Nada mais ofensivo para quem se considera relevante do que ser ignorado.
Pelo menos até 15 anos atrás essa alta burguesia foi a referência da classe média, exibida nas fotos em colunas sociais e revistas do tipo “Caras”. Um posto agora capturado pelos “new influencers”, os influenciadores digitais do Instagram, os ex-BBBs e que tais.
Foi essa plateia de admiradores da elite dominante, que saiu às ruas nas manifestações pró Aécio, pró Golpe e pró Lava Jato, vestindo a camiseta da Seleção e com foulard amarradinho no pescoço, para dar o toque de elegância.
Nesse vácuo de sensatez, Bolsonaro mergulhou. E nos afundou.
Bem, essa é minha teoria de colunista social, que, mesmo sendo teoria rasa, tem seu fundo de verdade.
Porque a elite, elite de fato, aquela dos líderes patronais, grandes empresários, os tycoons, os donos dos monopólios, dos grupos de comunicação, sabe bem que o argumento do “comunismo” que mobilizou as massas é usado como pretexto a cada vez que se quer golpear a Democracia. É um discurso sempre reciclado, muito bem costurado, com grife “made in USA”, e que nunca sai de moda. O “look comunismo” fica sempre justinho no corpo do discurso para desestabilizar as instituições, como aconteceu com o dito impeachment.
Não foi, pois, o risco do comunismo que levou os ricos, aspirantes a ricos, classe média, prestadores de serviços, aposentados e pensionistas às ruas e praças vestidos de seleção canarinho. Mesmo que eles ainda pensem que foi. Foi o ressentimento da elite excluída.
Voltando à lista de convidados, Lula é um político com longa experiência de evitar presenças inconvenientes no seu entorno. Apesar do temperamento afetuoso e da memória boa, faz isso com a frieza própria dos que têm um objetivo maior a cumprir, o seu ideal de grande estadista. Como bom jardineiro de “rosas”, ele vai afastando as ervas que vicejam em momento e local indesejados, e podem prejudicar a plantação cultivada.
Na política, tais “ervas” são as companhias que fazem lembrar fatos passados e, pela conveniência do momento, devem ser esquecidas. Não importa se por motivos injustos. Não importam amizades, compromissos, lealdade histórica ou identificação de propósitos. São aqueles ou aquelas que precisam ser mantidos estrategicamente afastados, guardados no armário, no freezer ou numa ilha distante, longe das vistas da mídia, principalmente.
A ausência de alguns nomes emblemáticos da História política de Lula na sua lista de casamento com Janja pode ter feito muita gente se sentir preterida e humilhada. Mesmo artistas, por décadas sido aliados sólidos e leais a Lula, se viram substituídos por “digital influencers” da hora. Grandes talentos trocados por talentos da temporada. Tudo isso pode ter machucado.
Sem esquecer a imprensa progressista, combativa e insistente, admiradora das gestões de Lula e do PT, de sua condução agregadora e inclusiva. Imprensa que nunca se calou, apesar das retaliações, da perda de patrocínios, empregos, até de básicos recursos para sobreviver. Nomes dessa imprensa podem estar com os cotovelos doídos. Os braços, a cabeça, o tronco e os membros. Tudo doendo.
Essas acima são as conjeturas de quem não é “do ramo” político. Contudo, espera-se que pessoas politicamente conscientes e maduras ajam movidas por razões muito mais elevadas do que frequentar listas de convidados, e comunguem do mesmo forte compromisso de resgatar o Brasil das mãos de um bando de malfeitores, dispostas a jogar todos os jogos que, sem fugir à ética, as levem a bom termo: a eleição de Lula no primeiro turno.
O conselho aos excluídos mais suscetíveis do matrimônio de ontem é ler a Bíblia, conforme Jesus: “quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado“.
Quem sabe ainda seremos todos exaltados e lembrados na Festa da Posse? Vamos fazer figa!
Publicado originalmente no site Jornalistas pela Democracia