A história do encontro entre Ignacio Hurban e sua avó Estela Carlotto é ainda mais surreal por conta de um detalhe: quem os uniu foi a música através de um pai morto.
Hurban soube há dois meses que fora adotado. Seus pais biológicos eram Oscar Montoya e Laura Carlotto, detidos em novembro de 1977 pela ditadura argentina por causa de suas atividades políticas.
Oscar foi executado logo após a prisão. Laura, grávida de dois meses, foi mantida viva até dar a luz a Hurban em junho de 1978. Também foi assassinada em seguida.
A mãe de Laura, Estela, passou a empreender uma busca incansável pelo neto. Após um encontro tenebroso com o ditador Reynaldo Bignone — vivo e em cana –, fundou a associação Avós da Praça de Maio, composta de mulheres como ela, cujas filhas desapareceram grávidas e cujos netos sumiram no esquema montado pelos militares.
Estela foi uma figura maior do que a vida e jamais desistiu, sempre incomodando, procurando, mas foi Ignacio — o neto número 114 do grupo — quem reatou o laço.
Ele é um músico conhecido no país. É professor de piano e toca num grupo que faz uma fusão de música clássica, jazz e tango.
Há quatro anos, começou a ter dúvidas sobre a sua identidade. A principal era de onde vinha seu dom. Seus pais adotivos, Clemente e Juana María Hurban, eram dois trabalhadores rurais da pequena Olavarría, na província de Buenos Aires.
“Há um ruído em sua cabeça, dúvidas como borboletas fora do seu campo de visão, há coisas que você não sabe, mas você sabe, e então você começar a fazer perguntas a si mesmo”, disse ele.
Quando soube de sua adoção, procurou o banco de DNA das Avós para ver se poderia ser o filho de um casal de “desaparecidos”.
Ficou feliz de saber que o pai verdadeiro, Oscar, também fez parte de uma banda chamada “Nosotros y Ustedes”. Conta que agora tem uma resposta para uma pergunta que lhe fazem constantemente: “Por que você é músico?”
“Eu estou acostumado com o meu nome Ignacio e eu vou mantê-lo”, disse Hurban — ou Guido, como queria sua mãe Laura — numa coletiva de imprensa. “Eu também entendo que há uma família que me chamou de Guido por 30 anos. Mas eu me sinto confortável com o que me foi dado. Sinto-me feliz e grato. ”
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