Parecer de Aras aprova a perda de mandato de Daniel Silveira. Por Fernando Augusto Fernandes

Atualizado em 1 de junho de 2022 às 10:57
Parecer de Aras aprova a perda de mandato de Daniel Silveira
Bolsonaro e Daniel Silveira
Foto: Reprodução

Por Fernando Augusto Fernandes

O parecer do procurador-geral Augusto Aras nas ações (ADPFs) que visam anular o decreto de graça do presidente Jair Bolsonaro para livrar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) da condenação pelo Supremo Tribunal Federal[1] é um enorme exercício que poderia ser comparado ao ditado popular de “acender uma vela para Deus e outro para o diabo”.

Fosse uma decisão judicial seria digno de embargos de declaração já que seu desenvolvimento é contraditório e a sua conclusão, se equipararia a parte dispositiva, é omissa.

O parecer inclusive é influenciado pelo método das decisões judiciais a ponto de conter uma ementa. Já nessa longa ementa, após defender a constitucionalidade do decreto presidencial, ressalva que “o exercício de graça não interfere na suspensão dos direitos políticos” e nessa parte contém a única linha quanto a perda do mandato. Afirma que o decreto não interfere “no que venha a ser ou tenha sido decidido quanto a perda do mandato”.

Esse é um ponto fundamental do parecer que passou um pouco despercebido pela mídia ao noticiar exclusivamente a opinião da constitucionalidade e a favor da inexigibilidade. O PGR proferiu parecer favorável à manutenção da perda de mandato do deputado federal.

Isso se soma ao que já expus aqui na ConJur quanto ao fato de que Congresso afastou a imunidade do deputado ao aprovar a prisão e aprovou a sua condenação ao não exercer o direito de suspender a ação penal.

As contradições do parecer são gritantes e o esforço para ser dúbio é enorme. Inicia com uma tentativa de defender que a advogada que assina a inicial seria impedida em razão de exercer cargo em comissão no parlamento, buscando socorro no artigo 30 da Lei 8.906/94 que veda o exercício parcial da advocacia aos servidores em ações contra a Fazenda Pública. Evidente que uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental contra o decreto presidencial não se inclui na vedação de ação contra a fazenda, não faz sentido até porque a Presidência não tem nada de Fazenda Pública. O argumento não passa de um artifício para defender que a ação não seja conhecida.

Quanto a constitucionalidade, o parecer defende que a graça seria um ato eminentemente político e por isso não passível de exame pelo poder judiciário, e que somente incorreria em vício se trata-se de crime hediondo, como aponta o artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal[2].

No entanto o parecer admite a possibilidade de revisão pelo poder judiciário em caso de inconstitucionalidade “Embora configure ato político caracterizado por amplo espaço de avaliação política, o decreto concessivo de graça ou indulto é passível de revisão do Poder Judiciário quanto aos expressos termos do que dispõem os artigos 5º, XLIII, e 84, XII e parágrafo único, da Constituição da República”.

Reconhecendo a falta de imunidade do decreto para análise inconstitucionalidade ainda o defende: “No decreto impugnado nestas ADPFs, contudo, não se verificam vícios de inconstitucionalidade aptos a justificar a sua invalidação pelo Supremo Tribunal Federal”.

O precedente quanto a análise de decreto de graça no STF é a ADI 5.874/DF quando foi analisado um ato de Michel Temer. Mas é de se fazer a distinção de que aquele ato foi coletivo a todos os condenados ainda na prisão que cumprissem determinados pré-requisitos, e nesse caso trata-se de um ato personalíssimo ao deputado Silveira.

Mas é preciso destacar que o parlamentar foi condenado pelo artigo 359-L[3] e pelo parágrafo único do artigo 286[4] ambos os delitos previstos no Código Penal que tipificam atos contra o estado democrático de direito, permanecendo típico o ato realizado que na época da cometimento pelo parlamentar encontrava previsão na Lei 7.170/83[5]. A lei anterior, em que pese revogada, não resultou em abolitio criminis daqueles crimes mas, ao contrário, definiu o agravamento da pena. Assim o STF aplicou pena menor diante do novo dispositivo.

Portanto, o deputado foi condenado pelo Supremo, com anuência da Câmara dos deputados, por atentado contra a democracia.

Em que pese o art. 5º XLIV[6] da Constituição tornar inafiançável e imprescritível atos de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional ou Estado Democrático, não veda decreto de graça ou anistia. Mas o congresso nacional editou a norma que o deputado foi condenado em 2021. A última anistia por questões politica foi em 1979 e de uma forma coletiva.

O Supremo deverá analisar se o decreto de graça da Presidência da República carece de motivação legítima e constitucional ou se traveste a um apoio do executivo ao ato antidemocrático do deputado, rechaçado pelo legislativo e pelo judiciário.

Quando passa aos efeitos chamados de extra penais, a inexigibilidade e a perda do mandato, o parecer defende inicialmente que a graça não extingue esses efeitos, mas tenta jogar o tema para a Justiça Eleitoral para o momento de registro da candidatura: “e, compete à Justiça Eleitoral aferir, em regra no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, se os candidatos a cargos eletivos incidem ou não em alguma causa de inelegibilidade prevista na legislação eleitoral. É o que estatuem o artigo 11, § 10, da Lei 9.504/1997, e o artigo 2º, caput e parágrafo único, da Lei Complementar 64/1990”.

A tentativa de postergar o tema para outra autoridade resolver no futuro, em que pese defender que a graça não extingue os efeitos, é concluído no pedido para que o STF não conheça a ação e se conhecer negue a declaração de constitucionalidade.

A tentativa do procurador de “agradar a gregos e troianos” acaba por não funcionar muito bem, já que o STF deve analisar a questão nas ações propostas assim como na própria ação que condenou o deputado.

Pesquisa do Instituto Ipespe demonstrou que 56% da população brasileira desaprova o perdão concedido pelo presidente. De fato, o tiro acabou saindo pela culatra incitando somente o próprio eleitorado de Bolsonaro em relação a um permanente conflito com o STF e mesmo contra o próprio estado democrático. No último dia 25 de maio, o presidente já tentou descolar do deputado dizendo que não o conhece muito bem. Atos dignos de 1984 de George Orwell quando em meio a uma manifestação pública arrancam fotos e apagam participantes antes homenageados.

Me manifestei em artigo anterior aqui na ConJur sobre a necessidade do Congresso rever a proteção de seus membros para que o precedente do STF não sirva para injustiças futuras, e mesmo a rejeição do alargamento do conceito de flagrante que acabou gerando a prisão de Delcidio de Amaral e da tornozeleira em Aécio Neves. Lembremos, mais uma vez, que o congresso aprovou a prisão de Daniel Silveira e a substituição dessa por tornozeleira foi uma concessão menos grave.

O parecer de Aras, serve também para que o congresso atente em incluir o capítulo “Dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito” no rol de crimes hediondos, a fim de evitar futuros apoio do executivo aos danosos e perigosos atos antidemocráticos.

[1] ADPFs 964, 965, 966 e 967, conforme noticiado pelo Conjur: https://www.conjur.com.br/2022-mai-25/pgr-defende-graca-concedida-bolsonaro-daniel-silveira

[2] XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

[3] Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

– reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)

[4][4] Incitação ao crime

Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

[5] Art. 18 – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.

Art. 23 – Incitar I – à subversão da ordem política ou social II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; III – à luta com violência entre as classes sociais; IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

[6][6] XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

(Texto originalmente publicado em Conjur)

Clique aqui para se inscrever no curso do DCM em parceria com o Instituto Cultiva

Participe de nosso grupo no WhatsApp clicando neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link