As máscaras começam a cair. Ao determinar o bloqueio imediato das contas do Partido da Causa Operária (PCO) nas plataformas Twitter, Instagram, Facebook, Telegram, YouTube e Tik Tok, em razão de postagens em que a legenda pede a dissolução do Supremo e acusa o TSE de ataque à liberdade de expressão e tentativa de fraudar as eleições, o ministro Alexandre de Moraes abriu a caixa de Pandora. E o que pode sair de dentro cheira mal, muito mal.
A decisão foi tomada no âmbito do inquérito das fake news, em andamento no STF. Para o ministro, há fortes indícios de que o partido esteja utilizando dinheiro público para fins ilícitos, como a disseminação em massa de ataques às instituições democráticas e ao próprio Estado de Direito, em desrespeito aos parâmetros constitucionais que protegem a liberdade de expressão. O Partido exige a dissolução do Supremo e acusa os ministros de estarem preparando um golpe eleitoral.
“O que se verifica”, aponta o ministro do Supremo, “é a existência de fortes indícios de que a infraestrutura partidária do PCO, partido político que recebe dinheiro público, tem sido indevida e reiteradamente utilizada com o objetivo de viabilizar e impulsionar a propagação das declarações criminosas, por meio dos perfis oficiais do próprio partido, divulgados em seu site na internet”.
Como sempre faz, o Partido respondeu de maneira chula, acusando a Corte de agir como o Tribunal da Inquisição.
Mas quem já duelou com Rui Costa Pimenta, o presidente do PCO, como eu, não se surpreende. Afinal, Pimenta é um costumeiro criador de fake news e, como stalinista e não tem compromisso ideológico algum, navegando alegremente de um lado para o outro. Pimenta está mais próximo de Jair Bolsonaro que de Lula. Aliás, declarou em entrevista à Folha, ao defender o ex-apresentador Monark, que seu partido pode atuar em conjunto com o bolsonarismo.
A verdade porém é que o PCO já é um aliado do presidente fascista, como demonstra o jornalista Mauro Lopes em um artigo publicado na Revista Forum. Além de defender o fechamento do STF, Pimenta alinha-se a Bolsonaro nas seguintes teses: investida contra as urnas eletrônicas, defesa do voto impresso, defesa da liberação do uso de armas, negacionismo na pandemia, ataques às vacinas, críticas ao STF pela condenação de Daniel Silveira, defesa do futebolista Robinho, condenado por estupro coletivo, luta pela liberdade de expressão plena, inclusive dos racistas e pela criação de um partido nazista no Brasil, sem falar nas constantes investidas contra os movimentos indígena, anti-racista, feminista e judeus.
Rui Costa Pimenta tem um viés Olavista e não esconde que prefere Bolsonaro à Alckmin.
E no entanto, o líder deste “partido”, que não tem sequer um vereador eleito, é querido nos meios stalinistas representados em certas plataformas que ousam se dizer de esquerda e são alérgicas aos direitos humanos e à democracia.
No dia seguinte à decisão de Alexandre de Moraes, os colunistas bravejaram contra o ministro, ecoando o pedido de fechamento do Supremo.
Se o que vai sair da caixa de Pandora cheira mal é porque vários pseudo-esquerdistas que transitam pelas mesmas redes que Rui Pimenta continuam a ocupar horas e horas do espaço midiático. Um deles se chama Pepe Escobar, que é líder de audiência e portanto representa um maná para quem o tem como colunista, pomposamente intitulado analista internacional.
Sua carreira começou na mídia brasileira, nos anos 80, como crítico de cultura, terminando de forma conturbada por causa de inúmeros casos de plágio e matérias falsas. Pepe Escobar foi demitido em 1987 da Folha de S.Paulo após a publicação de um artigo sobre o disco Let’s Dance, de David Bowie, inteiramente copiado da revista Rolling Stone. Este e outros plágios foram identificados e denunciados pelo jornalista André Singer. Na ocasião, Pepe Escobar explicou que se tratava de uma homenagem ao “jogo de espelhos” de Jorge Luis Borges. A explicação não pegou, assim como não colaram as explicações dadas aos chefes da revista Bizz sobre o plágio de uma entrevista com Brian Ferry. No Estadão, inventou de A a Z uma entrevista com o cineasta Roman Polanski, o que lhe valeu uma nova demissão.
Foi então que o pseudo jornalista decidiu iniciar uma nova vida como correspondente internacional.
Pepe Escobar saiu do Brasil, mas não mudou.
Por exemplo, durante a pandemia, fez comentários elogiosos sobre o infectologista francês Didier Raoult, citado por negacionistas do mundo inteiro por defender a hidroxicloroquina como remédio para a COVID-19. “Ninguém conhece mais sobre doenças transmissíveis no mundo do que ele [Raoult]. Se ele está dizendo que [a cloroquina] funciona, você pode aplicar isso no mundo inteiro”, afirmou Escobar em artigo publicado originalmente no Asia Times e traduzido pelo Brasil 247.
Ele sugeriu inclusive que a França, país de Raoult, estaria propositadamente “escondendo uma cura barata e testada para o vírus” (a hidroxicloroquina).”
Raoult foi punido pela Câmara de disciplina do Colégio de Médicos por não se basear em “dados confirmados” ao promover o medicamento. E foi obrigado a reconhecer que a hidroxicloroquina não reduz mortes relacionadas à doença.
Quanto a Pepe Escobar, banido do Facebook por espalhar notícias de cunho negacionista, criou um grupo de notícias no Telegram e seguiu postando conteúdo similar.
Por fim, o jornalista também escreveu textos insinuando que os Estados Unidos seriam a origem do vírus da COVID-19, que teria saído do Instituto de Pesquisa Médica de Doenças Infecciosas do Exército dos EUA, em Fort Detrick, Maryland, sendo posteriormente levado à China nos Jogos Mundiais Militares de Wuhan de 2019.
Em outra ocasião dramática, afirmou ter sérios indícios, nunca revelados, de que os serviços secretos israelenses estariam atrás dos ataques do 11 de setembro.
Escobar foi citado nominalmente em documentos internos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que o ligam a um “ecossistema de fake news do governo russo de Vladimir Putin, com fortes conexões com a extrema-direita mundial. A ideia por trás de tal rede seria influenciar o cenário internacional com opiniões pró-Rússia e anti-Ocidente, fazendo uso de técnicas da chamada pós-verdade como as notícias falsas e a infiltração em massa de robôs em redes sociais. Para isso, a rede faria uso de estrangeiros (não-russos) que tenham penetração na mídia internacional, notadamente aquela que publica em inglês, como é o caso do brasileiro.”
O primeiro documento em que Escobar é referenciado, chamado Pilaras of Russia’s Disinformation and Propaganda Ecosystem (‘Pilares do Ecossistema Russo de Desinformação’), é uma análise detalhada do esquema desinformacional e propagandístico russo, suas principais mídias e participantes – incluindo Escobar, que é citado quatro vezes. Dos sites de análise geopolítica citados no dossiê como propagadores de mentiras à mando do Kremlin – The Strategic Culture Foundation, Global Research, News Front, SouthFront, Katehon, Geopolitica.ru e New Eastern Outlook -, Escobar escreve, já escreveu ou é republicado em seis deles.
Ainda de acordo com o mapeamento feito, narrativas falsas seriam geradas pelo governo russo, em publicações financiadas pelo Kremlin como Sputnik e Ru, nos quais Escobar também é citado. A análise é corroborada pelo Centre for the Analysis of the Radical Right (Centro de Análises da Direita Radical).
Essa rede teria grande influência em narrativas desenvolvidas no campo político da extrema-direita mundial. Refletindo essa ligação, Escobar tornou-se amigo pessoal do filósofo ultradireitista , Aleksander Dugin (que foi próximo de Olavo de Carvalho), conselheiro do mandatário russo Vladimir Putin e principal ideólogo da anexação da Crimeia e do recente expansionismo russo.
Apesar disso e de muito mais, Pepe Escobar finge ser de esquerda e conta as suas mentiras em plataformas ditas independentes e nas redes sociais.
Aberta, a caixa de Pandora é fétida.
Por Milton Blay