Exército levou Playboy para general em helicóptero, mas dificultou buscas de Bruno e Dom

Atualizado em 13 de junho de 2022 às 11:43
Dom Phillips e Bruno Araújo estão desaparecidos

Publicado no blog de Jeferson Miola

Na vasta e insondável região amazônica, o “fator tempo” é crucial para encontrar-se pessoas desaparecidas; pode significar a diferença entre a vida e a morte. O Exército conhece muito bem a essencialidade do “fator tempo” em ações de salvamento humano na Amazônia.

Apesar disso, porém, o Exército agiu com descaso e inumanidade em relação aos desaparecimentos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips.

Após ser cobrado a empregar equipamentos, soldados e helicópteros na busca dos dois desaparecidos, o Comando Militar da Amazônia do Exército [CMA] soltou uma nota infame e burocrática.

Nela, se diz “em condições de cumprir missão humanitária de busca e salvamento”. Mas, no entanto, ressalva: “contudo, as ações serão iniciadas mediante acionamento por parte do Escalão Superior”.

Diante da notória e deliberada negligência do governo, três dias após o desparecimento dos dois profissionais a Justiça Federal determinou “à ré União que efetive imediatamente obrigação de fazer no sentido de viabilizar o uso de helicópteros, embarcações e equipes de buscas [para] localizar Bruno Pereira e Dom Phillips”.

O Exército só se mobilizou de fato, portanto, depois que a justiça o obrigou, por meio de ordem judicial concedida ante o pedido da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari formulado em conjunto com a Defensoria Pública e o MPF.

É escandalosamente cínica a alegação do Comando da Amazônia. Para se desmascarar este cinismo institucional, basta se socorrer de ninguém menos que o general Villas Bôas, que fez uma revelação surpreendente no livro “Conversas com o Comandante”, organizado pelo professor Celso Castro [2021].

Para ilustrar com orgulho e rigozijo o espírito da camaradagem corporativa e nada republicana que reina na chamada “família militar”, Villas Bôas relata episódio em que o comandante do 4º Batalhão de Aviação do Exército, subordinado ao CMA, usou um helicóptero do Exército para levar uma revista Playboy a ele, o indefectível Villas Bôas, na selva amazônica.

Villas Bôas assim relata, em tom de galhofa, sem nenhum senso republicano e sem o menor compromisso com a moralidade pública, na página 106 do livro:

Já fiz referência ao coronel Pavanelo, comandante do 4º Batalhão de Aviação do Exército. Lá pelo 20º dia de internação, ouvimos um ronco de helicóptero. Depois de certificar-me de que não havia nenhum apoio aéreo previsto, aproximei-me do local de aterragem. Quando o Pantera pousou, o mecânico de bordo correu em minha direção e entregou-me um envelope pardo. Aguardei a decolagem para, então, abrir o que imaginei ser um documento. Era uma revista Playboy.

É significativo que para levar uma revista Playboy ao general Villas Bôas na selva, o Exército não precisou seguir o protocolo burocrático que agora alegou para se desincumbir das buscas de Bruno e Dom.

Para satisfazer o fetiche sexual o Exército não precisou do tal “acionamento por parte do Escalão Superior” que usou como álibi para retardar a missão humanitária de urgência, diminuindo as chances de Bruno Pereira e Dom Philips serem encontrados ainda com vida.