Pesquisa eleitoral deveria vir com um anúncio bem grande, igual ao dos maços de cigarro:
O ministério da Saúde adverte: esta pesquisa pode comprometer a saúde de todo mundo.
As pesquisas, como os remédios, tem contraindicações e efeitos colaterais.
Não devem ser ingeridas sem recomendação profissional. A concentração e posologia têm que ser respeitadas.
Uma amiga – grande conhecedora de matemática financeira e estatística – me alerta para a pesquisa Datafolha, feita no dia seguinte ao acidente que matou Eduardo Campos.
Aquela em que Marina faz Aécio aterrizar em Cláudio.
Enquanto as manchetes da Folha alardeavam aos quatro ventos que Marina havia dobrado a intenção de votos no PSB de uma dia para o outro, os dados escondidos no final da pesquisa colocavam essa certeza em dúvida:
“Na pesquisa espontânea, sem a apresentação de nenhum nome aos eleitores, 24% apontam Dilma como nome para a Presidência, índice similar ao registrado em pesquisa realizada nos dias 15 e 16 de julho, quando 22% citavam a petista. As menções a Aécio também tiveram oscilação positiva no período, de 9% para 11%. O nome de Marina foi apontado por (5%), e metade do eleitorado (49%) não mencionou nenhum nome espontaneamente.”
Assim como aqueles anúncios que apresentam uma oferta incrível, seguida de uma nota de rodapé em letras miúdas que contradizem todas as vantagens anunciadas.
Ou seja, se as eleições fossem hoje – como devem esclarecer as pesquisas – o candidato eleito poderia ser qualquer um, por que a maioria iria decidir na cabine de votação.
Um resultado que dispensa qualquer pesquisa.
Pesquisa espontânea é aquela em que o entrevistado diz em quem vai votar sem olhar uma lista de opções. As pesquisas estimuladas partem do princípio que o eleitor escolhia seu candidato entre os nomes contidos nas antigas cédulas de votação.
A partir da introdução das urnas eletrônicas, todo voto passou a ser espontâneo, e não estimulado.
Além do ministério da Saúde e da justiça eleitoral, as pesquisas precisam ser fiscalizadas também pelo Conselho de Autoregulamentação Publicitária.
Mas o melhor fiscal continua sendo você.
Já que elas não são acompanhadas de uma bula aprovada pela Anvisa, o remédio é você produzir a sua.
Medicamentos e pesquisas de opinião não são feitos por leigos e não deveriam ser utilizados por leigos, exatamente pelos perigos que isso representa.
As pesquisas de opinião surgiram para orientar especialistas que sabem como elas são feitas e como utiliza-las.
Elas são um elemento para se avaliar opiniões, e não defini-las ou influencia-las.
Mas foram transformadas numa máquina de produzir manchetes que só existe no Brasil.
Quem inventou essa máquina é um notório usuário dela.
Nos anos 80, quando era editorialista da confiança de Otávio Frias na Folha, o eterno candidato a presidente José Serra sugeriu a criação do Datafolha e indicou o sociólogo Vilmar Farias – professor da FGV de São Paulo, seu amigo e assessor de confiança de FHC – como consultor.
Vilmar foi o autor das pesquisas que viriam a constituir as bases do programa Bolsa Escola no governo FHC. Hoje, Bolsa Família.
Frias aprovou o projeto e a Folha ganhou a sua fantástica máquina de manchetes, que até o ex-concorrente Estadão foi obrigado a copiar e citar como fonte.
A Folha é – até hoje e mais do que nunca – um caso inusitado de jornal que produz notícias.
Não conheço outro exemplo no mundo. Nem nos EUA, a pátria das campanhas de relações públicas e publicidade.
O New York Times nunca teve essa idéia, e nem poderia. Nem o Pravda, o Granma e nem mesmo Rupert Murdoch.
Recentemente perdemos o professor Marcus Figueiredo que dedicou a vida tanto às pesquisas de opinião quanto à redação de suas bulas.
Figueiredo foi professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – o Iuperj – e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj – o Iesp.
No Iesp, criou um laboratório de pesquisas em comunicação política opinião pública – o Doxa, ou “opinião” em grego.
O Doxa produz o Manchetômetro – que se dedica a analisar exatamente as manchetes que as fábricas de manchetes produzem.
O Manchetômetro permite perceber claramente quem é o candidato de cada jornal, mesmo que eles não declarem ou mesmo escondam.
A partir do trágico desaparecimento de Eduardo Campos em 13 de agosto, o Manchetômetro foi obrigado a criar o Marinômetro, só para medir o comportamento da grande imprensa em relação a sua vice, Marina Silva. A confusão foi tal que até a metodologia de pesquisa foi alterada, com a substituição dos critérios de valor das opiniões veiculadas por matéria pelo das tendências de cada jornal em relação à nova candidata.
Marcos Coimbra – outro sociólogo, presidente do Instituto Vox Populi e colunista de Carta Capital – também se dedica às pesquisas e às bulas.
Diz ele em sua última coluna na revista:
‘Recordar é viver. Muitos se esqueceram, outros nem souberam, mas a realidade é que a “grande imprensa” formulou com clareza um projeto de intervenção na vida política nacional.
Não é teoria conspiratória. Quem disse que os “meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada”, foi a Associação Nacional de Jornais, por meio de sua presidenta, uma das principais executivas do Grupo Folha. Enunciada em 2010, a frase nunca foi tão verdadeira quanto de 2012 para cá.”
E conclui:
É assim que a população brasileira tem sido servida de informações desde quando começou o ano eleitoral. É isso que faz a mídia para exercer o papel autoassumido de ser a “oposição de fato”.
O pior é que a influência dessas empresas ultrapassa o noticiário. Elas contratam as pesquisas eleitorais que desejam e as divulgam quando e como querem. E organizam os debates entre candidatos.
“Está mais que na hora de discutir a interferência dessa mídia no processo eleitoral e, por extensão, na democracia brasileira.”
Enquanto essa droga não for proibida ou controlada, só há um remédio: prestar atenção nas bulas e evitar a automedicação.
Vamos começar a ler as bulas?