Jeremy Clarkson tem o segundo melhor emprego do Reino Unido, depois da rainha. Celebridade na Inglaterra, ele é um caso raro de jornalista especializado que virou astro de TV, uma das figuras mais festejadas da corte — e fora dela também, uma vez que seu programa é transmitido para mais de 100 países.
Aos 54 anos, Clarkson mantém colunas nos jornais The Sun e The Sunday Times. E ganha da BBC salário de 1 milhão de libras fazer aquilo que muita gente pagaria outro tanto para estar no seu lugar: acelerar os melhores carros do planeta. Em parceria com James May e Richard Hammond, ele pilota o “Top Gear”, um dos maiores sucessos da TV inglesa, criado originalmente em 1988 e no ar há mais de 12 anos. A fórmula do programa é entretenimento na veia da audiência, alimentado por humor de alta octanagem e um orçamento hollywoodiano que permite dar asas aos roteiros mais mirabolantes.
O clima é de permanrente brincadeira entre os marmanjos grisalhos, sempre às voltas com competições malucas, como a que avaliou, se é que o termo é apropriado, qual o melhor táxi do mundo. Selecionados vários modelos típicos de vários países, ganhou o que mais resistiu aos ímpetos demolidores dos motoristas numa pista de corrida. O licenciamento do Top Gear responde por uma significativa fatia na receita da BBC.
Ao seu estilo para lá de iconoclasta, Clarkson usa e abusa da licença para falar o que quer, inclusive detonar sem a menor cerimônia modelos de marcas consagradas, talvez um dos fermentos que fez crescer a audiência. Isso também ajuda a entender por que ele é tão amado ou odiado. Na primeira fila do segundo grupo estão diretores de marketing de fábricas que já tiveram o dissabor de ver seus lançamentos na berlinda da verve do apresentador.
Até aí, jogo jogado. Mas seu sarcasmo extrapola o comportamento das suspensões e o desempenho do motor, e ultrapassa o limite das quatro rodas. E tem provocado infrações ao código do politicamente correto. Após várias incontinências verbais, Jezza, como Clarkson é chamado pelos súditos petrol minded do Reino Unido, publicou um vídeo em que, visivelmente constrangido, desculpa-se por uma cena divulgada em que aparece usando a expressão “nigga”, de nigger.
Pelo potencial ofensivo, ingleses e americanos referem-se a ela como “n word”, seu uso é considerado um tabu. O post não o livrou de acusações de racismo e de ser enquadrado publicamente pelo chefão Danny Cohen, que chegou a afirmar que ninguém na BBC é maior que a BBC, num claro sinal amarelo.
O episódio ganhou tamanha repercussão que chegou a abalar a estreita relação com o primeiro ministro James Cameron, amigo próximo de Clarkson e assíduo frequentador da casa da família.
Ainda que Clarkson consiga usar sua habilidade e prestígio para evitar uma trombada de frente, há mais óleo na pista. Dono de uma fortuna conservadoramente estimada em 30 milhões de libras, ele corre o risco de ver metade dela ir parar nas mãos de Frances Clarkson, com quem esteve casado por 21 anos. Ela pediu o divórcio depois que o caso que ele mantinha com a primeira esposa há duas décadas ficou público. Enquanto a imprensa sensacionalista inglesa especula se é o seu fim, Clarkson segue acelerando, na TV e na vida real. Pensando bem, seu emprego pode não mais bem remunerado, mas certamente é bem mais divertido que o da rainha.