Michele Prado, pesquisadora da extrema-direita, fez um desabafo em suas redes sociais. Ela foi às ruas pelo impeachment de Dilma, votou em Jair Bolsonaro no 2º turno de 2018, e fez parte de grupos direitistas de WhatsApp. Michele conta como caiu na real:
Eu tenho 43 anos e nunca votei no PT. Este ano será a primeira vez.
Eu já estive bastante radicalizada. Nem namorava com a pessoa se ela fosse petista. Me afastei de vários amigos, briguei com parentes e enxergava tudo sob uma ótica esquerda x direita.
Nem sempre fui assim.
Até 2015, a única coisa que eu queria era um outro governo que não fosse o PT. E não por causa das pautas sociais (que eu sempre aprovei) mas do estilo populista de Lula, da retórica povo x elite. E da rejeição à militância petista q chamava de fascista qualquer um que votava no PSDB.
Até 2019, afirmo sem sombra de dúvidas que 99% dos meus amigos virtuais e pessoais era da bolha anti-PT, ou a bolha da “nova direita”.
Mas foi meses antes, ainda em 2018, que eu percebi duas coisas: eu e essa bolha estávamos radicalizados e essa “nova direita” não era uma “direita moderada liberal-conservadora”, como tantos influenciadores tentavam fazer parecer.
Eu percebi isso quando me colocaram num grupo de WhatsApp com quase todos esses influencers chamado “internet livre”. Lá, nas conversas entre eles, foi que realmente caiu minha ficha.
Pois eu vi desde justificativas para os assédios online e linchamentos até influencer olavete dizer que gostaria de um golpe.
Quem esteve neste grupo é testemunha de todos os barracos que eu quebrei lá. Começou aí meu rompimento com essa turma. Só que eu não queria só romper: eu queria entender o que era aquilo.
O que era o bolsonarismo afinal? E essa “nova direita” que é condescendente com tantos absurdos?
Resolvi, então, estudar. Pesquisar. Sozinha.
E eu não esperava descobrir o submundo que viria descobrir.
Pedi ajuda a um amigo livreiro. E por quê? Porque eu percebi que se eu continuasse consumindo os conteúdos e opiniões compartilhados por aqueles influencers, quase todos ligados de alguma forma ao Olavo de Carvalho, eu jamais iria conseguir compreender o que era essa direita.
Fui buscar nas produções acadêmicas, daqui e principalmente estrangeiras, respostas p/ os meus questionamentos. Comecei no final de 2018. Somente em meados de 2019 eu tive conhecimento do que era alt-right. E, acreditem, foi um susto enorme descobrir a quantidade de correntes da far-right.
Foram muitos anos eu lendo influencers dizerem que extrema direita nem existia. Que isso era invenção da esquerda para difamar pessoas comuns. E como no imaginário da maioria das pessoas a extrema direita é sempre relacionada somente ao neonazismo, eu e muitos acreditávamos no seguinte: bem, não sou nazista. Logo, não sou de extrema direita.
Com os estudos, logo essa afirmação equivocada cairia por terra.
Fui descobrindo que aqueles hangouts que eu assistia de influencers brasileiros com um canadense chamado Stefan Molyneaux vinham da alt-right.
E que Molyneaux era um supremacista branco. Assim como Milo, que foi compartilhado tantas vezes e por tantos influenciadores.
Fui me aprofundando nos estudos e lembrando de todos os conteúdos da far-right internacional que eu consumia através dos “formadores de opinião” dessa direita.
Até 2019, não fazia ideia de que 99% daquelas teorias todas tinham cerne antissemita, por exemplo. Assim que comecei a descobrir, a entender, comecei também a avisar aos amigos virtuais da bolha. Todo dia.
Desde então, diariamente eu venho estudando e explicando em todas as oportunidades que aparecem.
Falava com alguns desses influencers a respeito do tema – que essa escalada da far-right era um fenômeno global; que Trump era um populista autoritário de extrema direita, que o bolsonarismo também é influenciado só com o lixo da alt-right – e recebia de volta “você tá maluca” “é histérica” e muito assédio online. Muitos ataques.
Há 4 anos eu sou esculachada DIARIAMENTE nas redes. Antes disso, já era pelos bolsonaristas. Agora também pela direita supostamente moderada e até por setores da esquerda que tentam me humilhar por meu livro não ser acadêmico.
Mas eu enfrentei, continuei e continuo estudando e tentando alertar a respeito da radicalização incontrolável e do avanço do extremismo de direita.
Porque eu sei do perigo. Sei das consequências. Sei como esses infelizes vão recrutando mais pessoas para as suas ideias.
Sei como eles vão dissimulando os conceitos; em quem se inspiram; onde querem chegar.
E sei também que é totalmente possível desradicalizar as pessoas que estão capturadas nessas câmaras de eco e que passaram a ter um sistema de crença extremista.
É difícil. É arriscado. É desgastante. Nem sempre há sucesso. Mas não é impossível.
https://twitter.com/MichelePradoBa/status/1546270328325906433
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