Papa Francisco quer diminuir a autonomia da Opus Dei, influente organização conservadora católica

Atualizado em 5 de agosto de 2022 às 19:56
Papa Francisco
Papa Francisco. Foto: Wikimedia Commons

Decisão do papa Francisco de reformar o Opus Dei, grupo conhecido na Europa e na América Latina por suas posições conservadoras e por sua influência, tem por objetivo diminuir o poder e a autonomia dessa organização católica. É o que explica à RFI o jornalista Jean-Marie Guénois, redator-chefe de religião do jornal Figaro.

Sob o título “Ad charisma tuendum” (“Para proteger o carisma”), o documento papal, em vigor a partir desta quinta-feira (4) e divulgado em julho passado, reduz o poder e a independência da poderosa organização dentro da Igreja, segundo especialistas em religião.

De acordo com algumas interpretações do texto, o líder do Opus Dei não será mais considerado bispo e não poderá usar as vestes episcopais. A forma de governo da Opus Dei será “baseada mais no carisma do que na autoridade hierárquica”, destacou o papa Francisco em seu documento.

“O papa tira do chefe do Opus Dei, que é eleito, a possibilidade de se tornar bispo, cargo que é quase parecido a ser um apóstolo na igreja Católica de Roma”, diz o especialista ao comentar sobre o Motu Proprio, um documento papal que estabelece a reforma.

De acordo com Guénois, essa é uma decisão pensada do sumo pontífice para diminuir “uma certa estatura que o Opus Dei tinha dentro da Igreja, retomando a mão sobre o movimento”, que agora passa a prestar contas diretamente ao papa.

“Categorias mundanas”

“Alguns interpretaram as disposições da Santa Sé como um ‘rebaixamento’ ou ‘perda de poder’. Não nos interessa esse tipo de dialética, pois para um católico, não faz sentido o uso de categorias de poder mundanas”, reagiu, por sua vez à AFP Manuel Sánchez, da assessoria de imprensa do Opus Dei, reiterando a posição oficial da entidade.

Desde que assumiu o papado, em 2013, o pontífice argentino prometeu reformar a Cúria Romana, o governo central da Igreja, mergulhado em uma série de escândalos. Ele aprovou várias medidas para modernizar e garantir maior transparência dentro da instituição.

Origem

O movimento Opus Dei foi fundado em 1928 pelo padre espanhol José María Escrivá de Balaguer, morto em Roma em 1975, aos 73 anos. A canonização dele, em 2002, por João Paulo II gerou polêmica devido à sua proximidade com a ditadura na Espanha de Francisco Franco.

“A ideia do Opus Dei era criar um movimento para reunir não padres, mas que na vida cotidiana seguiam os preceitos e a vocação cristã”, explica Guénois. “A organização chama atenção por sua discrição. Normalmente são pessoas que venceram na vida e que dão muito valor ao trabalho. Eles formam redes de influência poderosas. Isso não quer dizer que eles influenciam a Igreja, mas é uma organização muito bem estruturada. E creio que é esse sistema que o papa quer controlar um pouco”, analisa Jean-Marie Guénois.

Seita secreta

Acusada por seus críticos de ser uma espécie de seita secreta para controlar o poder dentro e fora do Vaticano, o que nega prontamente, o Opus Dei está presente em mais de 60 países e é composto por cerca de 90.000 membros laicos, incluindo personalidades políticas e empresariais, e mais de 2.000 sacerdotes, especialmente na Europa e na América Latina.

Ao diminuir a independência da poderosa organização, Francisco opera um verdadeiro distanciamento entre o Opus Dei e ele, observam alguns vaticanistas. De acordo com certas modificações decididas pelo papa argentino, o Opus Dei passa a “depender do Dicastério [ou ministério] do Clero” e todos os anos, em vez de a cada cinco anos, como atualmente, deverá apresentar um relatório sobre a situação interna e o andamento de seu trabalho apostólico.

Foi o papa e agora santo, São João Paulo II, que elevou o Opus Dei, no início de seu pontificado, à categoria de “prelazia pessoal”, em 1982. Esse é nome que se dá a uma estrutura institucional da Igreja Católica Romana que compreende um prelado, clérigos e leigos que se dedicam a atividades pastorais específicas.

Porém, sendo a única prelazia existente, a situação do Opus Dei era considerada um verdadeiro privilégio, chegando a ser equiparada a uma diocese, com todo o poder de decisão que isso significa.

“Quarenta anos depois, Francisco procura acabar com uma estrutura excessivamente hierárquica e ‘resgatar’ os valores carismáticos de uma instituição marcada por lutas de poder e singularidades, o que a torna única (no momento) no mundo”, comenta Jesús Chega, do site especializado Religião Digital.

Opus Dei no Brasil

O Opus Dei teve o seu primeiro centro inaugurado no Brasil em 1957, na cidade de Marília, interior de São Paulo. Um ano depois, a organização expandiu-se para a capital do estado.

Atualmente, a Obra, como familiarmente é chamado o Opus Dei, possui centros em diversas cidades e estados do Brasil, “onde realiza um serviço de ajuda social e espiritual, graças à divulgação da mensagem cristã pelos fiéis da Obra, cooperadores e outras pessoas, inclusive não católicos, que simpatizam com o ideal de fazer tudo por amor e buscar a união com Deus no trabalho, na família, no lazer e em todos os momentos”, descreve a página oficial do grupo.

Entre os nomes que são frequentemente relacionados à Opus Dei no Brasil está o do ex-governador de São Paulo e candidato a vice-presidente pelo PT, Geraldo Alkmin. O político paulista sempre admitiu ter sido criado pelos preceitos do catolicismo. De acordo com o site Metrópoles, desde que a ligação de Alkmin com essa doutrina começou a circular de forma mais intensa, a partir de 2011, “o pré-candidato tem negado participação nessa linha cristã”.

“Meu pai era e minhas irmãs são da Opus Dei”, conta José Eduardo Rangel Alckmin, primo do presidenciável e filho do já falecido José Geraldo Rodrigues de Alckmin, citado pela reportagem. “Foi por conta do tio ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-governador tucano começou a ganhar fama de pertencer à organização religiosa”, afirma o texto.

Publicado originalmente na RFI

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