Queda de confiança, isolamento e ilegitimidade das Forças Armadas. Por Jeferson Miola  

Atualizado em 9 de agosto de 2022 às 19:29
Queda de confiança, isolamento e ilegitimidade das Forças Armadas – Foto: Reprodução/PT

Por Jeferson Miola  

A erosão da confiança dos brasileiros nas Forças Armadas tem sido uma constante desde 2019. Esta conclusão pode ser constatada na série de pesquisas anuais sobre Confiabilidade Global realizadas pelo Instituto Ipsos em 28 países.

No ano de 2019 [aqui], 39% dos brasileiros declaravam confiar nas Forças Armadas, segundo o Ipsos. No levantamento de 2021 [aqui], este índice caiu para 35%, e em 2022 [aqui] foi derrubado para 30% – mesmo percentual de intenção de votos do Bolsonaro.

Isso representa uma queda de 23% do número de brasileiros que em 2019 confiavam nos militares, mas hoje já não confiam mais. O descrédito das Forças Armadas brasileiras só não é pior que em outros três dos 28 países pesquisados.

A busca de popularidade das Forças Armadas foi uma obsessão perseguida pelas cúpulas militares para reocuparem espaços de poder. Os índices de aprovação anteriores à eleição do Bolsonaro derivaram de estratégias comunicacionais engendradas para melhorar e reconstruir uma imagem favorável das Forças Armadas no pós-ditadura.

Em artigo publicado na coletânea EBLOG [Exército] em 2018, o general Otávio do Rêgo Barros descreveu a postura secreta do Exército conhecida como “Estratégia do Grande Mudo” para repaginar a imagem militar: “o período posterior aos governos chefiados por presidentes militares […] ficou caracterizado pela adoção da estratégia de comunicação de não gerar ressonância a temas polêmicos e que resgatassem, com distorções, assuntos relacionados aos governos militares”.

O general explica o trabalho permanente e paciencioso em busca deste objetivo: “nessa fase, o EB, pela ação firme dos Comandantes que se sucederam e do Alto Comando, transpôs uma etapa turbulenta, com serenidade, competência, disciplina e profissionalismo, e conseguiu superar as adversidades e a oposição de ideias difundidas em vários veículos de comunicação, em especial, nas ‘mídias de massa’”.

O resultado da Estratégia do Grande Mudo, na avaliação do general, é que “com o passar dos anos, já no século XXI, o EB retomou o seu lugar de destaque devido ao chamamento da própria populaçãomostrando-se imprescindível para a sociedade brasileira [sic]. A Força passou a angariar elevada confiança e a ter mais visibilidade nos meios de comunicação, que passaram a projetar as atividades realizadas”. Ele se referia às GLO’s em centros urbanos, às ações de fronteira, missões internacionais [Haiti], atendimentos em calamidades públicas, enchentes, distribuição de água no semiárido nordestino etc.

O mergulho profundo nas redes sociais – idêntica estratégia adotada pela extrema-direita internacional e brasileira [bolsonarista e lavajatista] – foi chave neste processo de camuflagem para oportunizar a atuação ilegal dos militares na política; ou seja, para “retomar o seu lugar de destaque”, como escreveu o general.

Rêgo Barros lembra que o Exército se lançou “no ineditismo das mídias sociais a partir de 2010 com o intuito de incrementar o contato direto com os públicos-alvo de interesse [sic]”. Ele se gaba que “hoje [em 2018], o Exército Brasileiro é o órgão federal com o maior número de seguidores no Facebook, tendo 3,6 milhões de pessoas. O Twitter da Força atingiu a marca de 189 mil usuários; o Instagram, 520 mil; e o Youtube, 271 mil inscritos”.

O general afirma que “essa atitude precursora na comunicação social conduziu o Exército ao papel de ‘protagonista silencioso’ nesse momento da vida nacional […] de instabilidade política, econômica, social e, principalmente, ética e moral”.

A menção à tal “atitude precursora” ajuda a contextualizar o cenário de publicação, pelo general conspirador Villas Bôas, do tweet ilegal de 3 de abril de 2018. Para Rêgo Barros, “o Comandante do Exército, com visão de futuro e liderança inspiradora, requereu a evolução da comunicação social da Força, a fim de vocalizar para a sociedade que o EB iria pautar as suas condutas em três pilares: a legalidade, a estabilidade e a legitimidade”.

Rêgo Barros entende que “As Forças Armadas e, em especial, o Exército Brasileiro, são as instituições que mais têm atendido às diversificadas demandas da sociedade, até aquelas intangíveis e apenas no imaginário dos cidadãos […], com pedido de participação em assuntos que, muitas vezes, não são missões constitucionais, [e que] demonstram a elevada confiabilidade da população nas três Forças, situação comprovada por pesquisas de opinião”.

As cúpulas partidarizadas das Forças Armadas se prepararam durante muitos anos para concretizar um projeto militar de poder. Não é nada fortuito que desde as jornadas de junho de 2013, mas especialmente a partir da dinâmica golpista de 2014/2016, tornaram-se frequentes apelos nada espontâneos pedindo “intervenção militar já” e evocando o artigo 142 da Constituição.

Os militares se gabavam de contar com a confiança e o respaldo da população brasileira. O apogeu desta popularidade foi 2018, quando elegeram Bolsonaro e iniciaram o segundo ciclo do golpe perpetrado em 2016.

O desastroso governo militar arruinou o país e promoveu a barbárie, a fome, a miséria e o genocídio. O governo militar causou a devastação do ambiente, da economia e da soberania do país. E agora, com a escalada dos ataques às instituições e das ameaças antidemocráticas, a imagem dos militares ficou irremediavelmente arruinada.

As Forças Armadas, convertidas em milícias fardadas pelas suas cúpulas partidarizadas, ainda têm a confiança de cerca de 30% da população brasileira. Não por coincidência, um desempenho idêntico às intenções de voto do Bolsonaro. Assim como seu preposto que ocupa a cadeira presidencial, os militares estão cada vez mais isolados e têm sua legitimidade profundamente questionada.

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