Quem teria mais direito de dizer hoje uns bons desaforos à Globo do que Lula, depois de passar por um processo judicial escancaradamente político – as candidaturas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol são, se ainda precisássemos delas, a prova registrada em cartório de que seus julgadores tinham projetos incompatíveis com a Justiça – que o levou a um linchamento diário no Jornal Nacional?
Ele, porém, não o fará, se limitando a dizer o quanto foi injusto o que passou e como enfrentou o cárcere e as quase três dezenas de processos judiciais e os venceu.
Como na célebre expressão “Paris bem vale uma missa”, de Henrique IV da França, sabe que, como então, é preciso salvar seu país da divisão odienta, da desestruturação e, como corre a lenda, desejar, repetir o juramento do monarca de que “se Deus ainda me der eu farei com que cada lavrador do meu reino tenha meios de ter uma galinha na panela”.
É mais do que se poderia esperar de qualquer pessoa, depois de 76 anos de vida. Mas é o que só uma longa vida, da qual nos desapegamos até por imposição do tempo, pode permitir a uma pessoa.
Sim, a ele se pede muito, mas é a quem pode muito que muito se pede.
Haverá, sim, falhas e existe uma ansiedade enorme por elas na mídia e no bolsonarismo.
Mas nenhuma que a experiência e a serenidade de quem sabe que quem pode reatar o fio entre a memória e a esperança não permita sublimar.
Quem viu o Lula enérgico dos comícios, verá hoje um Lula tão suave quanto firme, que não vai gemer das próprias feridas, mas vai uivar pelas de seu povo, que sabe que voltar a governar o Brasil não é um fim em si mesmo, mas um imenso desafio que lhe custará os últimos anos de sua própria vida.
Verá um Lula que terá de tirar do abstrato o farisaísmo do “Deus, Pátria e Família” e transformá-lo em fratenidade, cidadania e vida digna, sem as quais aquelas ideias são apenas a mortalha de um povo.
Lula ouviu muitas vozes e conselhos. Nenhum, porém, importa mais do que a voz que lhe vem de dentro e o impulsiona há meio século e que a longa vida não é um prêmio, apenas, mas uma missão de fazer com que cada trabalhador tenha direito a ter uma galinha na panela – e não apenas os seus pés ou seu pescoço -, um país no qual creia e e que possa ter sonhos, não pesadelos.
Publicado no Tijolaço