Publicado originalmente em DW Brasil
Por Nádia Pontes
Depois de anos de isolamento internacional sob o governo de Jair Bolsonaro, uma eventual vitória de Lula nas próximas eleições poderia levar o Brasil a recuperar o protagonismo perdido, avaliam lideranças políticas de esquerda e centro-esquerda da Alemanha.
Presidente do Partido da Esquerda Europeia (Partei der Europäischen Linken ou PEL), o alemão Heinz Bierbaum declarou apoio ao candidato do PT em visita recente ao Brasil e afirmou que todo o continente europeu acompanha com atenção a disputa presidencial no país sul-americano. O PEL reúne 25 partidos de esquerda europeus, entre eles a legenda alemã A Esquerda e o grego Syriza.
“Sob o ponto de vista europeu, o interesse é grande na vitória de Lula”, afirmou Bierbaum em entrevista à DW Brasil nesta quarta-feira (24/08), ao fim de sua estada no Brasil. No momento, Lula é o favorito para vencer o pleito presidencial, segundo pesquisas.
Uma semana antes, Lars Klingbeil, colíder do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), a legenda do chanceler federal Olaf Scholz, também havia sinalizado uma posição semelhante.
“Todos na Alemanha temos uma grande esperança de que o próximo presidente seja novamente Lula”, disse Klingbeil à DW Brasil na véspera de um encontro com o candidato em São Paulo.
Segundo Klingbeil, o chanceler Scholz tem a mesma expectativa em relação a Lula que, ao contrário de Bolsonaro, teria um bom diálogo com todos os partidos democráticos alemães.
No ano passado, após vencer as eleições legislativas alemãs e enquanto ainda negociava a costura da sua coalizão, Scholz recebeu Lula em Berlim. Diversas figuras de destaque do SPD também manifestaram apoio público a Lula enquanto o petista permaneceu preso em Curitiba.
Sob o governo do extremista de direita Bolsonaro, as relações entre Brasil e a Alemanha se deterioraram. Berlim travou o envio de novos recursos para o Fundo Amazônia diante do aumento do desmatamento no Brasil e Bolsonaro dirigiu diversos ataques contra a ex-chanceler Angela Merkel. No ano passado, o governo Merkel chegou a reconhecer publicamente sua dificuldade de cooperar com Bolsonaro. Já o chanceler Scholz tem se mantido distante do mandatário brasileiro.
Entre os políticos alemães, Bolsonaro só travou relações amistosas com uma deputada alemã de ultradireita, Beatrix von Storch (AfD), que tem pouca influência na política alemã e se destacou mais em sua carreira por comentários xenófobos.
“Mesmo com Angela Merkel, que era de um partido conservador, a relação [com Lula] era boa”, argumenta Klingbeil, referindo-se à União Democrata Cristã (CDU) de Merkel, que liderou o governo alemão entre 2005 e 2021.
Um Brasil isolado
Segundo Bierbaum, Bolsonaro levou o país a perder seu papel relevante na geopolítica internacional. “Na Europa, o governo Bolsonaro não é apreciado, especialmente quanto à questão ambiental. A problemática que ele tem causado na Amazônia é inaceitável”, disse o político europeu.
Desde o início de seu mandato, Bolsonaro é criticado dentro e fora do país por conduzir uma política antiambiental. Além do afrouxamento de leis e enfraquecimento de órgãos de fiscalização, que contribuíram para a alta das taxas de desmatamento, iniciativas que estimulavam a preservação de florestas sofreram com cortes.
“É triste que um país maravilhoso como o Brasil esteja tão isolado sob a presidência de Bolsonaro. O Brasil tem uma grande força, pode alcançar muito internacionalmente, mas todos mantêm uma distância desse presidente”, avalia Klingbeil. “Isso mudaria com Lula, o país voltaria ao cenário internacional como uma voz importante.”
Com um longo histórico de cooperação técnica principalmente na área ambiental, as parcerias estratégicas entre Brasil e Alemanha são, há quatro anos, praticamente inexistentes, pontua o colíder do SPD.
“Durante a visita ao país e em conversas que mantive ficou claro que não existe cooperação entre Alemanha e Bolsonaro. Não existe contato. Há encontros, mas não é uma relação amistosa”, comenta.
“Os desafios principalmente na área ambiental são urgentes em todo o mundo e o Brasil tem que participar desse debate, o que esperamos que aconteça num eventual governo Lula”, mencionou, por sua vez, Bierbaum.
Aumento da pobreza e democracia em risco
Além da conversa com Lula, a agenda dos políticos europeus incluiu encontros com lideranças indígenas, de movimentos negros, jovens ativistas, representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e do PSOL.
“Nós ouvimos muito sobre como a vida das pessoas piorou muito nos últimos anos. O acesso à educação continua sendo difícil, a fome aumentou e a pobreza, também”, afirmou Klingbeil.
Um estudo feito pela FGV Social, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), que começou sua série histórica em 2012, mostrou que a pobreza nunca esteve tão alta na última década como em 2021.
Segundo o levantamento, 62,9 milhões de brasileiros contam com apenas R$ 497 por mês, o que representa 30% da população total do país.
Quanto ao tom do debate político adotado por Bolsonaro durante sua campanha de reeleição, Klingbeil diz ter notado que falas do presidente tem alimentado tensão. “Muitas pessoas ligadas à política demonstraram medo quanto às ameaças contra o sistema democrático e o processo eleitoral feitas por Bolsonaro”, menciona o colíder do SPD.
“A situação não deixa de ser tensa”, concorda Bierbaum. “Mas contamos com o restabelecimento da democracia no Brasil nessas eleições, porque Bolsonaro é, na nossa visão, alguém que já atingiu um regime autoritário”, pontua.