Como a lavagem de dinheiro está enredada no mercado imobiliário

Atualizado em 31 de agosto de 2022 às 10:11
Imóveis à venda

Publicado originalmente no Refinitiv

Por Nabil Hassoumi

Para que possa ser utilizado, todo dinheiro de fonte ilícita – mais conhecido como dinheiro sujo — deve passar por um processo de lavagem. E o mercado imobiliário é apenas uma das muitas vias adotadas por grupos criminosos ou indivíduos corruptos em todo o mundo para lavar seus fundos ilegais.

Isso só é possível porque os bens podem ser adquiridos por meio de empresas anônimas ou trusts, que ofuscam o verdadeiro proprietário, tornam trabalhoso identificar os verdadeiros donos e, especialmente, se eles representam algum risco de lavagem de dinheiro.

Setor imobiliáro no Reino Unido: alto risco

Uma publicação do Parlamento do Reino Unido sobre crime financeiro, “The National Risk Assessment of Money Laundering and Terrorist Financing 2017”, identificou o comércio de imóveis como um setor que apresenta sérios riscos de abrigar esse tipo de delito.

Duncan Hames, da Transparency International UK, observou que, em menos de 200 propriedades analisadas pela entidade, já foram detectados £4,4 bilhões (US$ 5,5 bilhões) investidos no mercado imobiliário do Reino Unido por estrangeiros politicamente expostos em jurisdições de alto risco de corrupção.

No setor financeiro, é obrigatório realizar a due diligence de KYC (Know Your Customer) para verificar riscos de AML e combater o financiamento do terrorismo. Em alguns países, essa norma também vem sendo introduzida gradualmente em outros setores, por meio de legislação revisada.

O mercado imobiliário foi identificado como um dos que mais expõe o sistema financeiro ao risco de lavagem de dinheiro. Apesar disso, é interessante notar que, no Reino Unido, os profissionais do ramo arquivam apenas 0,1% dos Relatórios de Atividades Suspeitas (SARs, na sigla em inglês) –entre os 621.000 SARs existentes a cada ano.

Os agentes imobiliários podem desempenhar um papel fundamental para a detecção precoce de uma transação imobiliária que está sendo usada como um canal de lavagem de fundos ilícitos. Bastam simples processos de due diligence para detectar sinais de que podem existir riscos em jogo.

Em geral, o departamento de transferência imobiliária é que deveria se responsabilizar pelos processos de KYC e verificar a proveniência dos fundos utilizados para as aquisições. Entretanto, o “The National Risk Assessment of Money Laundering and Terrorist Financing 2017” sugere que, de uma perspectiva de AML, cada parte da cadeia de transações tem a função de relatar, ou prevenir, um negócio que pode ser usado para lavagem de dinheiro.

Por que a Europa também é vulnerável à lavagem de dinheiro?

Noventa por cento do dinheiro arrecadado pelo programa ‘Golden Visa’ de Portugal vem, segundo fontes oficiais, de investimentos imobiliários.

Um escândalo envolvendo a compra de um imóvel em um dos edifícios modernos mais icônicos do país acabou por levantar suspeitas (e preocupações) de que o due diligence não estava sendo realizado corretamente. De acordo com a Estratégia Internacional de Controle de Entorpecentes do Departamento de Estado dos EUA de 2018, que engloba lavagem de dinheiro e crimes financeiros, fundos suspeitos de alguns países estavam sendo usados ​​para comprar empresas e imóveis portugueses.

Bem longe dali, o programa de conquista de cidadania por meio de investimentos do Chipre se transformou em um verdadeiro escândalo com os Cyprus Papers Leaks. Os relatórios referentes a esse vazamento incluíam alegações de que fundos ilícitos, obtidos por meio de fraude e corrupção, podem ter sido usados ​​para comprar os chamados “passaportes dourados” entre 2017 e 2019.

Nesse programa, o investimento exigido dos candidatos na economia cipriota é de pelo menos 2,15 milhões de euros (2,5 milhões de dólares), o que costuma ser feito por meio de financiamento de empreendimentos imobiliários ou compra de imóveis.

Formas de combater o problema

Afinal, que medidas podem ser tomadas para dificultar o uso do mercado imobiliário como esconderijo de dinheiro ilícito?

Em vigor desde 10 de janeiro de 2020, a 5ª Diretiva Anti-Lavagem de Dinheiro da UE (5ª AMLD) é, definitivamente, parte da solução.

Os controles regulatórios dessa legislação foram estendidos para incluir imobiliárias, corretores imobiliários, agentes imobiliários e intermediários de aluguel.

Todas as prestadoras de serviços imobiliários, tanto residenciais quanto comerciais, têm sido obrigadas a cumprir integralmente a nova diretiva de combate à lavagem de dinheiro (AML Directive). Não fazê-lo pode resultar em penalidades severas e até mesmo em um processo criminal.

As empresas imobiliárias devem implementar procedimentos para prevenir a lavagem de dinheiro, confirmando a identidade e/ou identidades de todos os vendedores, compradores, arrendatários, arrendadores e pessoas com controle significativo (PSC) de empresas em transações de propriedades residenciais e comerciais.

Os tipos de transação incluem:

  1. Vender uma propriedade
  2. Comprar um imóvel
  3. Alugar imóvel no valor mínimo de €10.000/ £8.500 por mês.

Para as empresas do setor imobiliário do Reino Unido e de toda a Europa que desejam cumprir com a 5ª AMLD, as alterações e procedimentos a serem implementados são:

  • Os agentes imobiliários devem tomar as medidas adequadas para identificar e avaliar os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Para isso, uma avaliação e política de gerenciamento de risco atualizadas devem ser estabelecidas e, claro, mantidas.
  • Cada negócio requer a nomeação de um oficial de relatórios de lavagem de dinheiro (MLRO, na sigla em inglês), que fica responsável pelo compliance da empresa de aluguel com os regulamentos de lavagem de dinheiro.
  • Sessões regulares de treinamento sobre como reconhecer e lidar com transações que possam estar relacionadas à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo devem ser fornecidas a todos os funcionários.
  • Guarde, por até cinco anos, cópias dos processos de due diligence conduzidos com o cliente e outros registros de suporte.
  • Se você tiver motivos razoáveis ​​para desconfiar de atividades suspeitas, notifique imediatamente o oficial nomeado via um relatório interno (por escrito). A empresa de locação deve então preencher um Relatório de Atividade Suspeita (SAR) e, se for no Reino Unido, enviá-lo para a National Crime Agency, ou em qualquer outro lugar, para o órgão encarregado.

Para ajudar a identificar e reagir aos riscos que afetam o mercado interno, a União Europeia oferece material informativo sobre a prevenção à lavagem de dinheiro, incluindo “How does it work in Practice?” e “How to carry out risk assessment, in order to identify and respond to risks affecting the EU internal market”.

Obviamente, é possível ir além, por meio de medidas adicionais para coibir o uso do setor para a lavagem de dinheiro, como declarações de ativos e centrais de registros on-line que identifiquem os reais donos das propriedades.

A promoção da responsabilidade e da transparência no mercado imobiliário tornará mais difícil o uso do setor para a lavagem de dinheiro.

 

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