A revista Piauí traz uma boa matéria do grande repórter Marcos Emílio Gomes sobre o mito do agronegócio como locomotiva da economia nacional e as mamatas do setor que apoia, amplamente, Bolsonaro.
Alguns highlights:
* A participação do agronegócio no PIB brasileiro, propagada como sendo 27,4%, é um cálculo capcioso. Baseia-se em uma metodologia dos anos 1950, que incluiu toda a cadeia econômica envolvida com a produção no campo – do prego da cerca ao medicamento do cavalo. É como se a indústria automobilística colocasse na sua conta até mesmo a produção dos curtumes porque reveste de couro os bancos dos carros de luxo. Se limitarmos o agronegócio ao que efetivamente produz – ou seja, plantas e animais –, a sua participação real no PIB não chega a 7%, segundo cálculos do IBGE.
* Em outubro do ano passado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou um estudo que diz que os gastos federais com a agropecuária estão em seu menor patamar em quatro décadas. O estudo atribui o recuo histórico ao avanço do crédito privado. Seria uma excelente notícia, mas o estudo simplesmente não trata das renúncias fiscais nem do perdão de dívidas. Exclui, portanto, toda a conta dos gastos federais com o setor.
* O governo não cobra impostos de exportação sobre produtos agropecuários (para não encarecê-los e não reduzir sua competitividade no mercado internacional). Assim, nessa modalidade de tributo, a agricultura, a pecuária e os serviços relacionados, todos juntos, recolheram aos cofres públicos em 2019 a ridícula quantia de 16 mil reais. A Petrobras, sozinha, só no primeiro trimestre deste ano, recolheu quase 70 bilhões de reais.
* Além de recolher poucos tributos, o agro é um grande beneficiário de isenções do ICMS. Até 2016, a isenção representou para os estados uma perda da ordem de 269 bilhões de reais. O setor ainda conta com crédito favorecido para a compra de sementes e adubo e para a comercialização e estocagem do produto. A subvenção direta e a transferência de dívidas levam mais de 1% do PIB. (…)
* Em setembro de 2019, os produtores ganharam mais vantagens: uma nova temporada do costumeiro festival de perdão de dívidas, com o governo oferecendo até 95% de desconto na liquidação de dívidas rurais. O que se repetiu em 2021, com abatimento semelhante nas dívidas contraídas no Banco do Brasil.
* A despeito da recente crise hídrica, manteve-se inalterado o programa que dá descontos na energia elétrica para a atividade agropecuária até 2023. Na conta oficial, a produção de alimentos consome menos de 5% da energia gasta no país. Mas um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de 2016, apresenta percentual seis vezes maior.
* As entidades controladas pelos maiores produtores, fabricantes e comerciantes de insumos e pelas exportadoras de commodities formam uma elite poderosa, distante de grande parte dos agricultores e pecuaristas, em geral empobrecidos. A riqueza do agro também não se espalha: é um aspirador de recursos que se concentra em alguns bolsões de prosperidade.
* Na agricultura, a maior parte dos produtos não tem beneficiamento e, portanto, não agrega valor: 83% do faturamento com exportações de soja correspondem à venda de grãos. É um quadro que depõe contra um setor que gosta de se apresentar como avançado e moderno. Os países importadores comemoram a escassa modernização do agronegócio no Brasil, pois, assim, eles permanecem como os criadores de oportunidades de trabalho.
* Com a mecanização das lavouras e os processos tecnológicos na pecuária, cai a quantidade de mão de obra empregada. Mais de 185 mil pessoas perderam o emprego em 2019. Desde 2012, o agronegócio desempregou perto de 1,4 milhão de pessoas, segundo o IBGE. (…)