O bocejo do hipopótamo. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 20 de setembro de 2022 às 18:18
Comício de Lula em Florianópolis. Foto: Ricardo Stuckert

Publicado originalmente em “O Cafezinho”

O jargão das análises de pesquisa, sobre o jacaré abrindo a boca, sempre que um candidato sobe e outro desce, pode receber aqui algumas hipérboles.

A vantagem de Lula sobre Bolsonaro em alguns estratos está ficando tão elevada, e num ritmo tão acelerado, que não se trata mais apenas de abrir a boca, e sim de um largo bocejo. Nem é mais jacaré, mas um hipopótamo, cujas mandíbulas tem um grau bem maior de abertura.

Os números gerais já são de conhecimento de todos, mas vamos repetir aqui apenas para descargo de consciência: Lula subiu para 47% na estimulada, um ponto a mais sobre a pesquisa da semana anterior, enquanto Bolsonaro ficou estagnado nos 31%. Cirou também ficou parado, em 7%, enquanto Tebet oscilou um ponto para cima, e chegou a 5%.

Com Ciro e Tebet fora do páreo, vamos nos concentrar nas simulações de segundo turno. Elas oferecem o melhor ângulo para medirmos o potencial de crescimento de Lula e Bolsonaro nessa reta final de campanha. Os eleitores que migrariam para Lula num eventual segundo turno são os mesmos que podem decidir já pelo voto útil.

Num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista teria hoje 54% dos votos, contra 35% de Bolsonaro, uma diferença de quase 20 pontos. Em votos válidos, isso corresponderia a um placar de 61% X 39%.

Se o processo de consolidação do voto útil se mantiver, Lula poderá obter, ainda no primeiro turno, um resultado próximo a essa simulação de segundo turno.

Vamos tratar dos estratos mais importantes, começando pelo gênero. Lula avançou dois pontos entre mulheres e chegou a 58% dos votos feminino, 27 pontos de vantagem sobre Bolsonaro. É um resultado impressionante, tanto mais que se apresenta como tendência, pois Lula vem crescendo semana a semana, ao passo que Bolsonaro empacou em perto de 31% há mais de 30 dias.

Segundo o Ipec, as mulheres compõem 54% do eleitorado, ou seja, a população brasileira apta a votar é hoje majoritariamente feminina.

Entretanto, Lula também vem abrindo vantagem entre homens. A diferença entre os dois candidatos, na simulação de segundo turon, chegou a apenas 5 pontos em 29 de agosto. Hoje chegou a 11 pontos. Nota-se um processo gradual de consolidação da vantagem de Lula nesse estrato.

Vamos olhar para alguns segmentos específicos. Eleitores com idade entre 35 e 44 anos, por exemplo, correspondem a 21% do eleitorado. É muita gente. É um eleitor importante, numa idade muito ativa do ponto-de-vista econômico e profissional, porque já se distanciou da primeira juventude, e ainda está longe da aposentadoria. É um eleitor com baixo índice de abstenção. Lula explodiu nessa faixa, subindo 6 pontos em uma semana e pontuando 56%, ao passo que Bolsonaro desabou 7 pontos, para 31%. A vantagem de Lula nesse estrato subiu para 25 pontos!

O pagamento do Auxílio Brasil, ampliado eleitoralmente para R$ 600, que alguns achavam que iria dar um impulso irresistível para o governo, não convenceu o eleitor mais pobre. Na verdade, deu-se o oposto. Os beneficiários passaram a votar em Lula com mais vontade.

A mesma coisa vale para o estrato com renda até 1 salário, que representa 28% do eleitorado (é o grupo mais numeroso): Lula subiu para 66% na simulação de segundo turno, enquanto Bolsonaro despencou para 23%. Os números de Lula nesse estrato, em votos válidos, corresponderiam a 74%!

O segundo grupo de renda mais numeroso, correspondente a 27% do eleitorado, é o que recebe 1 a 2 salários por mês. Nessa faixa, Lula mantém uma vantagem enorme sobre Bolsonaro, de 26 pontos: 57% X 31%.

Entre os eleitores com escolaridade até o ensino fundamental, que correspondem a 33% do eleitorado, Lula tem 62% dos votos, contra 27% de Bolsonaro. Esse grupo costuma ser um eleitor muito convicto, difícil de mudar de opinião, o que é vantajoso para o petista.

O crescimento de Lula junto aos eleitores com escolaridade até o ensino médio tem um valor estratégico para sua campanha. Esse estrato corresponde a 42% do eleitorado. É uma maioria, portanto. Mas sua importância vai além da quantidade. É também um eleitorado que forma opinião, que tem uma vida política mais intensa nas redes sociais e nas ruas, em virtude do grau maior de instrução.

Lula vem avançando de maneira muito sólida, até mesmo impressionante, nessa faixa. Desde o final de agosto, Lula já ganhou 6 pontos, ao passo que Bolsonaro experimenta a tendência contrária, e vem caindo semana a semana. Lula hoje tem 52% nesse estrato, 16 pontos à frente de Bolsonaro, com 36%.

O estrato de eleitores com ensino superior é igualmente estratégico pelas mesmas razões apresentadas no comentário anterior. Com uma diferença: é um percentual menor de eleitores, correspondente a 25% dos brasileiros aptos a votar. Mesmo assim, é muita gente. E são os mais instruídos. A liderança de Lula nesse segmento, bem acima da margem de erro, é um trunfo para o petista. O petista tem 47% na simulação de segundo turno, contra 42% para Bolsonaro.

A vantagem de Lula sobre o eleitorado mais jovem é outro trunfo importante do petista. É uma faixa menor do eleitorado, representando 16% dos brasileiros que votam, mas é um estrato com maior desenvoltura nas redes sociais, e que domina as redes que mais crescem, como Tik Tok e Instragram. A adesão dos jovens à candidatura Lula também ajuda o petista a se “infiltrar” nas famílias bolsonaristas. Esses 59% da preferência entre eleitores até 24 anos, num eventual segundo turno, significa que a maioria das famílias brasileiras abriga um ou mais jovens que votam em Lula.

Lula vence nas cidades pequenas, médias e grandes. Nas pequenas, com até 50 mil habitantes, Lula meteu 25 pontos de vantagem sobre Bolsonaro, 57% X 32%.

Entretanto, a vantagem de Lula nas grandes cidades, com mais de 500 mil habitantes, é particularmente promissora, porque é onde vivem a maioria dos formadores de opinião, e nas quais as empresas de mídia estão sediadas. Na simulação do segundo turno do Ipec, Lula cresceu para 54% nas cidades grandes, contra 33% de Bolsonaro, uma vantagem superior a 20 pontos!

Um outro estrato onde Lula apresentou um excelente desempenho é o de eleitores com renda familiar entre 2 e 5 salários. Lula vem crescendo semana a semana nesse segmento desde a pesquisa do dia 15 de agosto. Naquela data, Lula tinha 40%, cinco pontos atrás de Bolsonaro, com 45%. De lá para cá, o jogo veio se invertendo, e hoje Lula tem 48% contra 41% para Bolsonaro.

Esta é uma classe média numerosa, que representa 24% do eleitorado, e apresenta baixo índice de abstenção. É muito importante para Lula pontuar bem nesse estrato.

Outro segmento extremamente estratégico nessa eleição, em virtude de seu altíssimo grau de organização e engajamento políticos, é o eleitorado evangélico. Aí reside a última grande fortaleza de Bolsonaro.

Mas Lula também, aparentemente, consolidou suas cidadelas evangélicas. No simulado de segundo turno, Lula teria quase 40% dos votos evangélicos. A vantagem de Bolsonaro nesse estrato já não é tão grnade como antes. Caiu de 21 pontos em agosto para 14 pontos hoje. Esses 38% de Lula entre evangélicos é o suficiente para dificultar muito a estratégia bolsonarista de usar suas bases evangélicas para disseminar fakes news contra o petista. Porque em qualquer grupo de zap, em qualquer igreja ou templo, em qualquer comunidade, sempre haverá um lulista evangélico para protestar contra eventuais proselitismos eleitoreiros de lideranças ou influenciadores religiosos.

REJEIÇÃO

Por fim, vamos examinar a rejeição em alguns estratos. No geral, a rejeição de Lula caiu expressivamente, para 33%, um percentual relativamente baixo para um candidato tão conhecido. Bolsonaro mantém altíssima rejeição, de 50%.

A análise dos números estratificados da rejeição nos enseja algumas ponderações importantes. Alguns analistas tem alertado para o risco de uma alta abstenção entre o eleitorado mais pobre, o que poderia prejudicar o ex-presidente Lula.

Bolsonaro tem rejeição altíssima, de 55%, entre os eleitores com renda familiar até 1 salário. A de Lula, neste segmento, é muito baixa, de apenas 20%.

Os estudos sobre abstenção mostram que ela costuma cair expressivamente quanto o eleitor é motivado pela rejeição a um governo ou a um candidato. A “raiva” é o melhor tônico para tirar alguém de casa para ir votar.

Outro segmento em que Bolsonaro está muito rejeitado é o eleitorado que vive nas grandes cidades: 54% dos eleitores não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro. São lugares que “reverberam”, por causa de sua vida cultural mais intensa. É um péssimo sinal, para Bolsonaro, ser rejeitado nas principais cidades do país. Lula, por sua vez, experimenta forte queda em sua rejeição justamente nessas grandes cidades, para 33%.

Em 2018, os anos de guerra jurídico-midiática contra Lula cobraram seu preço e o ex-presidente absorveu uma enorme rejeição, especialmente junto a classe média. Ainda se vê residuais dessa rejeição nesses estratos, mas caiu muito. Segundo o Ipec, a rejeição a Lula caiu para 38%, 10 pontos abaixo da rejeição a Bolsonaro, que subiu na semana passada para 48% e assim permaneceu.

A aliança com Marina Silva, dentre outros movimentos de Lula, pode ter contribuído para seu bom desempenho nesse quesito.

Lula perdeu rejeição até mesmo entre evangélicos. Na pesquisa divulgada ontem, a rejeição ao petista entre evangélicos caiu para 48%, três pontos a menos que na semana anteiror. Bolsonaro, por sua vez, tem uma rejeição razoável entre evangélicos, de 35%, o que prova que ele não é essa unanimidade toda nesse estrato.

Bolsonaro mantém uma rejeição altíssima entre mulheres, de 54%, 24 pontos acima da rejeição de Lula no mesmo segmento. Entre homens, o atual presidente também é mais rejeitado que o petista: 45% dos eleitores do sexo masculino disseram que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro, ao passo que apenas 36% dos mesmos responderam que não votariam em Lula.

Bolsonaro se tornou um pária entre os jovens: 56% dos eleitores com idade até 24 anos disseram que não votariam jamais em Bolsonaro, percentual que cai para apenas 29% no caso de Lula.

Conclusão

Todos esses números reforçam a possibilidade de uma vitória em primeiro turno.

Lula consolidou uma hegemonia impressionante entre os mais pobres, passou a crescer na classe média, conquistou uma cinturão evangélico de quase 40% do eleitorado (no segundo turno), e ainda experimentou forte queda da rejeição em setores estratégicos.

A própria pesquisa, em si, aumenta o poder gravitacional de Lula, fortalacendo sua capacidade para atrair o voto útil, sobretudo dos eleitores de Ciro Gomes. A análise de alguns dados de primeiro turno, nas capitais e na classe média, mostra que esse processo já está em curso.

O próprio Ciro Gomes ajuda esse processo a tomar corpo, com declarações cada vez mais desastradas e agressivas, que confirmam o prognóstico de que é um candidato com pouca inteligência emocional.

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