Publicado na bbc.
Ela é conhecida como ‘Lady Al Qaeda’ e virou uma espécie de ícone da jihad, ou guerra santa, promovida movimentos extremistas islâmicos.
Mas a família de uma neurocientista paquistanesa atualmente detida nos Estados Unidos rejeita a conexão e alega que ela é inocente da terrível reputação que lhe acompanha.
O nome de Aafia Siddiqui voltou a cair na boca de extremistas depois que o grupo autodenominado ‘Estado Islâmico’ propôs ao governo americano uma troca de prisioneiros envolvendo o jornalista James Foley, que terminaria por ser decapitado pela milícia.
“Nós lhes demos muitas oportunidades de negociar a libertação do seu povo. Oferecemos uma troca de prisioneiros que devolva a liberdade dos muçulmanos que vocês mantêm em seu poder, como nossa irmã, a doutora Aafia Siddiqui”, ameaçou o EI ao governo americano antes de finalmente terminar por matar o jornalista.
Mas quem é a ‘Lady Al Qaeda’, cujo nome estava na lista de “mais procurados” do governo americano?
Atualmente, Siddiqui se encontra em uma prisão no Texas, onde cumpre pena de 86 anos de cárcere decretada em 2010 por um tribunal de Manhattan, um dos cinco distritos de Nova York.
Nascida no Paquistão em 1972, ela viveu em Boston, nos Estados Unidos, na década de 1990.
Ali, dedicou-se aos estudos em neurociência: frequentou o prestigio do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e fez doutorado na Universidade de Brandeis, no mesmo Estado.
Radicalização
Foi nesse período que pode-se observar nela um processo de radicalização, disse à BBC Michael Kugelman, analista sênior do centro de estudos Woodrow Wilson, com sede em Washington.
Depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, ela, o marido e seus dois filhos, Ahmed e Maryam, foram embora dos EUA.
Segundo informações publicadas em diversos meios de comunicação, incluindo um site que defende a libertação da mulher, o casal voltou para o Paquistão e separou em 2002 no mesmo ano em que nasceu seu terceiro filho.
Kugelman conta que a razão por trás da separação foi a recusa do marido de Siddiqui a abraçar a jihad, como ela.
“De acordo com a versão de autoridades americanas, posteriormente ela se casou com Ammar al-Baluchi, sobrinho de Khalid Sheikh Mohammed, o mentor dos ataques ao Pentágono e as Torres Gêmeas”, diz o especialista. Uma ligação familiar direta com um dos cabeças da rede Al Qaeda.
Artigos publicados por meios britânicos e americanos indicam que, nessa época, o nome de Siddiqui foi mencionado durante interrogatórios de acusados de ter ligações com extremistas.
Mas pouco se soube de Siddiqui até julho de 2008, quando ela foi presa nos arredores de uma mesquita em Gazni, cidade na região central do Afeganistão.
Um artigo publicado em janeiro de 2010 na revista Time afirma que a polícia suspeitava que se tratasse de uma militante suicida.
“Supostamente, ela carregava um (dispositivo de armazenamento) USB com referências específicas a ‘células’ e ‘inimigos’, assim como vários produtos químicos em recipientes de cremes, incluindo cianeto de sódio”, diz o artigo.
Segundo a reportagem, os promotores acusaram Siddiqui de sacar um rifle ao ver um grupo de soldados e funcionários do FBI – a polícia federal americana – que iam interroga-la. Não feriu ninguém, mas tomou dois tiros no abdômen.
Foi por este incidente, e não por acusações relacionadas a atividades extremistas, que foi julgada e condenada.
“Ela foi sentenciada por tentar matar um cidadão americano. Contudo, não há nenhuma evidência forense que a vincule com o crime de que foi acusada”, disse Kugelman.
A sua condenação gerou revolta no Paquistão, país que a apoiou durante todo o processo.
Um documento divulgado pela Anistia Internacional à época do julgamento diz que “cinco anos antes de sua captura, foi relatado que ela supostamente tinha desaparecido das ruas de Karachi, na companhia de seus três filhos”.
“Há alegações de que tenha sido secretamente detida por autoridades americanas, o que foi negado várias vezes pelo governo daquele país.”
Para a Anistia, ainda existem “muitas perguntas sem resposta em torno do caso”.
Em agosto de 2014, cerca de 100 mil pessoas assinaram uma petição endereçada à Casa Branca pedindo o seu retorno ao Paquistão. Nos anos anteriores, houve passeatas em apoio à volta de Siddiqui para o país natal.
“Não sabemos de nada, é muito doloroso. Nem mesmo temos certeza que ela esteja viva”, disse à BBC por telefone a irmã de Siddiqui, Fowzia, do Paquistão.
“Não podemos nos comunicar com ela. No tribunal foram lidas declarações dela, mas como vamos confiar que ela realmente tenha dito essas coisas?”
Quando soube que ‘Estado Islâmico’ havia pedido a libertação de sua irmã, Fowzia disse que entrou em choque. Anteriormente, grupos radicais ligados ao Taliban haviam feito o mesmo pedido.
“De novo?”, se queixa. “Associá-la com fatos violentos lança por terra todos os meus esforços para limpar o seu nome”, relata a irmã.
Ela já pediu publicamente que o EI libertasse os seus reféns e rejeitou qualquer ‘violência’ associada ao nome da irmã.
“Agradecemos os sentimentos daqueles que querem ver Aafia em liberdade, mas de maneira nenhuma aceitamos que outras pessoas sofram como nós”, afirma.
“Ela ficaria consternada se soubesse que seu nome está relacionado com assassinatos e caos.”
A seu ver, quanto mais inocente é a vítima de erros judiciais, como Siddiqui, mais conveniente é para as organizações radicais se apropriar da sua causa.
Kugelman acredita que haja evidências de que Siddiqui tenha se radicalizado, mas concorda com a família que os extremistas podem estar usando o seu caso apenas para gerar simpatia junto à opinião pública e assim se legitimar.
“Aafia Siddiqui representa as vítimas muçulmanas das maldades americanas, é um símbolo do mau trato que esse país outorga a inocentes na guerra contra o extremismo”, opina Kugelman.