Juliana Dal Piva é colunista do portal UOL e autora do livro “O Negócio do Jair” (Zahar, 2022). Ela foi uma das autoras da reportagem sobre a compra de mais de um centena de imóveis da família Bolsonaro, sendo 51 deles em dinheiro vivo. O texto foi alvo de censura do senador Flávio Bolsonaro na Justiça do Rio, derrubada no STF.
Antes do UOL, Juliana foi repórter de veículos como O Globo, revista Época, The Intercept Brasil, O Dia, Folha de S.Paulo e Agência Lupa. Também é autora do podcast “A Vida Secreta de Jair” que ganhou uma segunda temporada recentemente, chamada “Polícia Bandida e o Clã Bolsonaro”.
Ao DCM, ela explica como foi a repercussão da tentativa de censura, aborda alguns pontos específicos sobre o livro e sua investigação sobre a família Bolsonaro desde antes do início do governo.
Diário do Centro do Mundo: Como você encarou essa censura da sua reportagem sobre os imóveis da família Bolsonaro?
Juliana Dal Piva: Depois de semanas em que fomos atacados por conta da reportagem, veio um pedido de queixa-crime e de medidas cautelares de censura da reportagem e de posts nas minhas redes sociais sobre a matéria.
Fiquei surpresa com o pedido de Flávio porque a própria imprensa já falava pouco do assunto. O juiz responsável pelo caso negou os pedidos do senador Flávio de modo bastante preciso ao cumprir o que prevê a lei e seguindo parecer do MP-DF.
O senador quis que fosse proibido citar os dados pelos quais ele foi denunciado pelo MP do Rio por um desvio de R$ 6,1 milhões.
A promotoria fluminense é quem apontou a lavagem de dinheiro com imóveis. O MP do DF verificou que foi isso que fizemos e por isso recomendou a recusa de tudo.
Só que na segunda instância saiu aquela decisão liminar absurda de censura. Com isso, o senador mentiu novamente dizendo que o desembargador tinha aberto queixa-crime contra nós, o que não é verdade.
Isso não foi analisado pelo desembargador e o juiz de primeira instância negou. Só que toda essa história da censura se virou contra o clã Bolsonaro.
Mais e mais gente voltou a ler a reportagem e toda a imprensa, entidades, mundo político nos apoiou.
No entanto, avalio que é péssimo que um caso desse tenha que chegar até o STF. Essa censura jamais deveria ter sido autorizada. Ela é inconstitucional.
DCM: Você escreve em seu livro: “Meses antes da nomeação da irmã, Cristina aproveitou uma reuniãozinha de família e perguntou a seus pais e irmãos quem gostaria de um cargo no gabinete do Jair. Perguntaram o que era necessário. Bastava o número do documento que o resto ela resolveria”. Parentes já estavam nos gabinetes durante o casamento com Rogéria, mas foi Ana Cristina que realmente criou o “Negócio do Jair”?
JDP: Não foi Ana Cristina quem criou o “Negócio do Jair”. Minha apuração aponta indícios de que ela o ajudou a ampliar, organizar e dar outro tamanho ao negócio.
O “Negócio do Jair” é o modo como os funcionários fantasmas do clã Bolsonaro se referiam ao esquema de entrega ilegal de quase 90% dos salários todos os meses.
Para eles, na prática, não importava se estavam nomeados no gabinete de Flávio, Carlos ou Jair. Os integrantes se referiam ao “Negócio do Jair”.
DCM: O seu livro abre com uma cena de um ataque de raiva do presidente da República. Em comum, os relatos que você traz, com detalhes e constando em documentos de processos, vem de fontes anônimas. Essas pessoas partilham um medo de abordar esse esquema?
JDP: Alguns bastidores estão em fontes anônimas, como esse caso que você citou. No entanto, vários diálogos, trechos de depoimentos estão reproduzidos exatamente como constam nos processos e estavam nos telefones de investigados.
Diria sim que as pessoas possuem muito medo de falar abertamente do caso. Nós jornalistas somos ameaçados. Imagine você o que aconteceria com quem tentasse falar diretamente.
Conto no final do livro sobre Queiroz abordando pessoas que estavam prestando depoimentos e dando entrevistas para saber as intenções delas.
É realmente perigoso enfrentar essa situação. Compreendo bem o pedido de sigilo das entrevistas.
DCM: Você dedica dois capítulos ao advogado Fred Wassef, explicando que ele defendeu Flávio Bolsonaro “em off”. Wassef disse a você que “na China não iriam encontrar seu corpo”. Juliana, você teme novas ameaças de pessoas ligadas ao clã?
JDP: Se eu disser que não tenho essa preocupação, estou menosprezando o perigo em que estamos vivendo no Brasil nestes dias.
Mas, para fazer o livro, montei uma equipe de advogados que também se conectam com entidades de liberdade de imprensa no exterior. Isso me deu base e relações para me defender e me proteger da melhor maneira.
DCM: Embora o livro exponha mais o seu trabalho na cobertura da família Bolsonaro, do jornal O Globo, passando por Época e UOL, você não deixa de citar coberturas de colegas que ajudaram a montar o quebra-cabeça. O “Negócio do Jair” foi exposto pelo trabalho coletivo da imprensa?
JDP: Sim, acredito que só foi possível escrever este livro porque diferentes colegas tiveram um trabalho importante investigando diferentes aspectos da história.
Tive meu papel, mas tenho certeza que o caso só existe e tramita em diferentes frentes nos Ministérios Públicos do país porque vários colegas, inclusive da concorrência, cobriram o caso e trouxeram novidades.
DCM: O livro também aborda as conexões entre Ana Cristina e seus familiares que foram assessores de Carlos Bolsonaro. Diz que o podcast no UOL fez Cristina entrar em desespero. Agora temos sua reportagem sobre os 51 imóveis pagos em dinheiro vivo. Você enxerga algum fim nessa investigação?
JDP: Ainda não. São várias as investigações. No Rio, tramitam os casos de Carlos e Flávio. Agora, a PF apura a situação da mansão da Cristina e Jair Bolsonaro tem vários procedimentos parados porque o PGR entende que não pode investigar o presidente por atos anteriores ao mandato.
Então, caso Bolsonaro não vença a reeleição, os casos dele devem destravar. Muita coisa pra acontecer ainda depois dos resultados da eleição.
DCM: O “Negócio do Jair” aprofunda as apurações de Carlos e Flávio Bolsonaro, bem como as relações do primogênito de Jair com Queiroz e o miliciano Adriano da Nóbrega. Você sente falta de conexão com Eduardo Bolsonaro dentro do suposto esquema?
JDP: Não sinto. Só acho que como ele teve um mandato mais curto existem menos dados. Eduardo é deputado desde 2015. Os irmãos desde 2001 e 2003.
Porém, Eduardo também empregou vários funcionários e seus parentes, demonstrando o mesmo modus operandi do pai. Além disso, usou R$ 150 mil em espécie nas aquisições de dois apartamentos no Rio.
É preciso investigar mais o caso do Eduardo, mas ele mostra os mesmos indícios dos irmãos.
Serviço
Livro: “O Negócio do Jair”
Editora: Zahar
Número de páginas: 328
Preço: R$ 84,90
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