Publicado originalmente no “O Cafezinho”
O erro das pesquisas produziu enorme perplexidade entre analistas, especialmente aqueles que dedicaram tanta energia para entender o que seus números apontavam.
Eu, por exemplo.
Segundo o presidente do Ipespe, o cientista político Antonio Lavareda, os erros se deram na falta de atenção para a abstenção. Curiosamente, e de maneira contra-intuitiva, o erro não foi nos percentuais de Bolsonaro, mas nos de Lula.
A Ipec de 20 de setembro estimava que Lula teria 47% das intenções totais de voto, no primeiro turno, e que Bolsonaro deveria ter 34%.
Quando as urnas se abriram, Lula pontuava 36,6%, 10,4 pontos a menos que na pesquisa. Bolsonaro, por sua vez, tinha 32,4%, número próximo do previsto.
A quebra do voto lulista foi causada, segundo Lavareda, pela abstenção.
O eleitor de Bolsonaro quase não se abstém, não apenas porque tem renda maior, mas porque tem uma cultura política de maior mobilização.
Hoje foi divulgada a primeira pesquisa para o segundo turno, da Ipec, estimando o voto de Lula em 51% dos votos totais, e os de Bolsonaro em 43%.
Se estes números estiverem corretos, Lula terá 14,4 pontos sobre os votos totais que recebeu no primeiro turno de 2022, ao passo que Bolsonaro avançou 10,6 pontos.
Entretanto, é preciso fazer um exercício aqui: caso a mesma distorção se repita no segundo turno, ou seja, se a abstenção prejudicar Lula agora da mesma forma que prejudicou no primeiro turno, fazendo-lhe perder 10,4 pontos sobre o percentual que aparece na pesquisa, então o petista teria, em verdade, 40,6% dos votos.
A diferença dos números de Bolsonaro, por sua vez, entre o que aparece na pesquisa e o seu voto real, lhe faria ter 41,5%.
É um empate técnico, e uma situação perigosa para Lula.
Entretanto, é difícil crer que, neste segundo turno, a distorção se repita da mesma forma. Os próprios pesquisadores do Ipec, quero acreditar, devem ter sido orientados para imporem um filtro mais rigoroso sobre o eleitorado que pretende se abster.
Além disso, a apuração dos números de segundo turno é mais simples, em virtude do menor número de candidatos.
De qualquer forma, a análise dos números estratificados do Ipec, especialmente por renda, explica a razão da abstenção muito maior observada no eleitorado lulista.
É o voto de classe média, estúpido!
Mais uma vez, a classe média reacionária se organizou para derrotar o PT, e isso justifica os índices baixíssimos de abstenção dos eleitores bolsonaristas.
Vamos comparar os dois extremos dos estratos de renda.
Entre os eleitores mais pobres, com renda familiar até 1 salário, Lula ganha com 64% dos votos totais, contra 29% para Bolsonaro.
Já entre eleitores de classe média, com renda acima de 5 salários, a situação se inverte: Bolsonaro tem 65% dos votos, contra 30% para Lula.
Segundo o próprio Ipec, apenas 12% do eleitorado tem renda superior a 5 salários, contra 28% daqueles que ganham até 1 salário.
Mas há uma diferença importante: a classe média brasileira, majoritariamente reacionária, desenvolveu uma aguda consciência de classe, desde as jornadas de junho de 2013. Ela se descobriu dona de um imenso poder político, maior do que o da mídia tradicional. A consciência desse poder lhe confere capacidade para derrubar ou eleger governos.
Bolsonaro é o seu grande campeão.
O maior desafio da campanha petista, portanto, é avançar na classe média. A sociedade civil parece bastante mobilizada neste sentido. O apoio de artistas é importante por isso. Esse é um trunfo que a campanha deve usar bastante, pois ajudou certamente a segurar o voto da juventude de classe média, ou dos estratos de maior instrução.
Entre eleitores com ensino superior, Lula tem 46%, contra 49% de Bolsonaro. Ou seja, quando a gente olha para setores de classe média com melhor nível de instrução, o petista tem ido melhor.
Mas é preciso fazer mais. A classe média pode ser conquistada por uma estratégia voltada para o futuro. Não é inteligente focar apenas no passado. É preciso mostrar, à classe média, que um governo progressista e desenvolvimentista, pode modernizar o transporte público das grandes cidades brasileiras, e de todo país.
Um projeto fundamental para o desenvolvimento do país é a construção de ferrovias de alta velocidade ligando as capitais brasileiras.
O estabelecimento de escolas com ensino em tempo integral, inteiramente informatizadas, é outra chamativo importante para a classe média.
Seria uma excelente ideia, para a campanha de Lula, oferecer imagens em 3D, em propagandas eleitorais na TV e nas redes sociais, de um país cruzado por trens de alta velocidade, e com cidades possuindo complexos sistemas de metrô, tanto subterrâneos como de superfície! Se a China fez isso, porque não podemos fazê-lo?
Instalar painéis solares em todas as casas brasileiras, financiados pelo governo federal, também seria uma excelente ideia!
Seja como for, é importante oferecer à classe média brasileira um sonho de futuro! Caso consiga fazer isso, a campanha de Lula poderá amolecer o coração duro e conservador destes estratos.
Não é com factoides sobre maçonaria e satanismo que a campanha de Lula irá virar o jogo, mas com projetos objetivos, facilmente comunicáveis, que falem diretamente aos anseios da classe média brasileira.