No dia das eleições deste ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) formou barricadas nas estradas, em especial, no Nordeste, para dificultar o acesso dos eleitores à urnas, e foi uma ordem expressa do próprio diretor da corporação. A PRF foi atraída pelo bolsonarismo e seu atual diretor, Silvinei Vasques, que chefia desde abril de 2021, ganha proteção em investigações internas.
Com o anúncio da vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na noite deste domingo (30), caminhoneiros bolsonaristas começaram a obstruir rodovias pelo país inteiro, contando com a empatia e, até mesmo, apoio de agentes da PRF.
O atual diretor da PRF foi indicado para o cargo pelo senador Flávio Bolsonaro (PL). Já foi investigado por cobrar propina de uma empresa de guincho interessada em atuar nas rodovias federais da região de Joinville, em Santa Catarina. Segundo consta no inquérito, Vasques ameaçou matar um dos chantageados “com um tiro na testa”, pois “nada tinha a perder”, porém, ainda assim, o caso se manteve prescrito.
Nos anos 2000, foi processado por agredir um frentista de posto de combustível. Nesse caso, a vítima ganhou indenização de 71 mil reais na Justiça, valor que a Advocacia-Geral da União cobra de Vasques até hoje, e sem receber nada. O caso levou a corregedoria da PRF e o Ministério da Justiça a pedirem a expulsão de Vasques da corporação. Mas, novamente, a investigação prescreveu.
Segundo o repórter Allan de Abreu, do Piauí, Vasques, ao longo de sua carreira, já respondeu a oito sindicâncias internas da PRF. Porém, quem quiser verificar as informações, só terá acesso aos dados no ano de 2121, visto que o governo federal, para proteger o policial, decretou sigilo de 100 anos nos processos. A decisão do governo foi tomada quando o portal Metrópoles, com base na Lei de Acesso à Informação, pediu para conhecer o conteúdo das sindicâncias.
Instaurada em abril do ano passado, a gestão de Vasques vem sendo marcada no investimento de inteligência na PRF, comprando softwares de rastreamento, identificação e interceptação de números de aparelhos celulares. E isso é um mau sinal. A PRF é uma polícia ostensiva, e não judiciária, como a Polícia Federal (PF), a quem cabe investigar crimes. Por causa disso, é estranho ter interesse em investigações sigilosas, com grande parte delas usando equipamentos invasivos, que só podem ser utilizados com autorização judicial.
“Não há controle nem transparência sobre a atividade de inteligência policial no Brasil, o que aumenta o risco de que esses equipamentos sejam utilizados com fins políticos, violando uma série de garantias fundamentais”, alertou Gabriel de Carvalho Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, uma ONG em que ele coordena um programa de combate à violência institucional.
A PRF tem sido a mais flexível às intenções de Bolsonaro sobre usar uma força armada a serviço de seus interesses e, caso necessário, por cima da lei. “A PRF não se constrange em ser bolsonarista porque não há uma cultura organizacional de resistência às ingerências políticas”, disse Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma ONG que estuda o tema e revela com transparência os dados sobre violência e políticas de segurança.
As manobras do atual governo serviu para ampliar os poderes da Polícia Rodoviária Federal, antes claramente limitados à vigilância ostensiva nas estradas federais, criou um contencioso com a Polícia Federal, que se incomodou com a usurpação de suas prerrogativas. De 2019 a 2021, o órgão recebeu 54% mais recursos do que no triênio anterior. Em 2022, os irmãos Flávio e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) mandaram 3,6 milhões de reais para a PRF por meio do orçamento secreto.
O coordenador do SOS Estradas, ONG que trabalha para reduzir os acidentes nas rodovias, Rodolfo Rizzotto, resumiu a situação: “No atual governo, a Polícia Rodoviária tornou-se um instrumento político nas mãos do presidente. Negligenciaram a fiscalização do trânsito para assumir outras funções fora das rodovias.” Justamente, no processo de bolsonarização, a PRF ampliou suas ações longe das estradas. No ano de 2019 até junho deste ano, policiais rodoviários prenderam 1 226 pessoas em municípios onde não há nenhuma estrada federal.
Em outubro de 2021, a tropa de elite da PRF deflagrou uma operação para desbancar a quadrilha de assaltantes de banco em Varginha, no Sul de Minas Gerais. A operação resultou na execução de todos os 26 assaltantes, mesmo que alguns deles estivessem dormindo e outros até desarmados, com diversas irregularidades na operação. Foram somadas tantas as ilegalidades durante a ação, começaram com a instalação de uma escuta clandestina irregular, que a superintendência da Polícia Federal em Minas Gerais se recusou a participar da operação. Porém, mesmo assim, os filhos do presidente, Flávio e o senador Eduardo, comemoraram a operação em suas redes sociais e ainda parabenizaram a PRF.
Atualmente, A PRF se transformou numa sombra da força que surgiu no ano de 1928, com o nome “singelo” de Polícia de Estradas e que, na década de 1960, já nomeada por Patrulha Rodoviária Federal, ganhou popularidade entre o público mais jovem com o seriado Vigilante Rodoviário, exibido na TV Tupi, em que o inspetor Carlos e seu cão Lobo combatiam o crime nas estradas a bordo de um Simca Chambord ou uma Harley-Davidson.
Naquela época, a PRF era apenas uma guarda armada. Ao flagrar algum crime na estrada, detinha o infrator e o levava até a delegacia.