Derrota de Bolsonaro enfraquece direita regional e abre caminho para reintegrar Venezuela, dizem especialistas

Atualizado em 8 de novembro de 2022 às 13:35

Publicado no Brasil de Fato

Nicolás Maduro e Jair Bolsonaro

Um dos principais defensores da chamada política de “pressão máxima” contra a Venezuela e um dos últimos fundadores do Grupo de Lima que ainda está no poder, Jair Bolsonaro foi derrotado nas urnas e deixará o cargo em 2023. A saída do ultradireitista deve encerrar uma estratégia de isolamento levada a cabo por governos de direita da região contra Caracas e inaugurar uma nova fase na política externa regional.

Segundo analistas venezuelanos, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e a reaproximação diplomática já iniciada pelo presidente colombiano Gustavo Petro são os principais sinais que explicam esse novo capítulo da diplomacia sul-americana e têm a possibilidade de reintegrar a Venezuela aos mecanismos de diálogo da região.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o ex-vice-presidente da Venezuela (de 2010 a 2012, sob a presidência de Hugo Chávez), Elías Jaua, classificou o momento como um “alívio” e disse que as mudanças também representam uma “derrota aos interesses dos Estados Unidos”.

“Os governos anteriores do Brasil e da Colômbia foram utilizados como ponta de lança para isolar a Venezuela, mas a vitória de Petro e agora de Lula significam um respiro para o país depois de mais de seis anos sendo submetido a um estrangulamento diplomático, econômico e político”, disse.

Criado em 2017, o chamado Grupo de Lima reuniu países como Colômbia, Brasil, Argentina, Equador, Chile e Peru para unificar uma agenda conservadora e pedir a saída do presidente venezuelano Nicolás Maduro. No momento de fundação do grupo, os governos brasileiro e colombiano eram comandados por Michel Temer e Juan Manuel Santos, respectivamente. Anos mais tarde, os dois países se tornaram os principais promotores do órgão durante os governos dos ultradireitistas Jair Bolsonaro e Iván Duque.

Respaldado pelos EUA, o grupo passou a apoiar o ex-deputado que se autoproclamou “presidente interino” da Venezuela, Juan Guaidó, e a fornecer suporte político a esse setor da oposição venezuelana que apostou na desestabilização e no golpismo para tentar chegar ao poder.

Nos últimos anos, entretanto, candidatos progressistas venceram as eleições na maioria dos países-membros e retiraram força do Grupo de Lima. Os acenos que o governo de Joe Biden fez ao presidente Nicolás Maduro também enfraqueceram Guaidó e a oposição de direita na Venezuela, o que pode culminar em uma revisão da política estadunidense em relação ao país.

Para Jaua, a chegada de Lula à Presidência deve fortalecer a posição de Maduro na região e encerrar, ainda que apenas na América do Sul, a narrativa do “governo interino”.

“Estou seguro de que isso vai ocorrer quando Lula assumir porque ele é um homem que respeita o direito internacional, ele é apegado aos princípios da democracia, ele irá reconhecer que na Venezuela há apenas um Estado, produto da soberania popular venezuelana e não da imposição de um plano desenhado pela Casa Branca”, disse.

Pauta ambiental será protagonista

A visita de Gustavo Petro à Venezuela na última semana representou não só a consolidação da retomada de relações entre os dois países e a mudança total do tratamento dado pela Colômbia à nação vizinha, como também outro sinal de recuperação diplomática para Caracas.

O mandatário colombiano se reuniu com Maduro no Palácio Miraflores, sede do governo venezuelano, e firmou compromissos com o presidente em distintas áreas. Ele ainda convidou o chavista a levar a Venezuela de volta à Comunidade Andina de Nações (CAN) e ao Sistema Interamericano de Justiça (SIDH), instâncias que foram abandonadas pelos venezuelanos em anos anteriores.

Após o encontro, Petro e Maduro se comprometeram a levar uma posição conjunta à COP27 sobre a proteção e defesa da Floresta Amazônica, tarefa à qual o presidente colombiano disse esperar que o Brasil, sob a presidência de Lula a partir do ano que vem, também se junte.

“Esse é um pilar fundamental no equilíbrio climático do planeta, que hoje está em perigo e coloca em perigo a espécie humana. […] Um esforço comum dos países que têm responsabilidade sobre a Floresta Amazônica na COP27 é um de nossos acordos, que a Venezuela nos ajude, que nos ajudemos mutuamente e tomara que o Brasil se integre porque é fundamental”, disse Petro.

Neste sábado, ao chegar ao Egito para participar da cúpula do clima, Maduro disse que já conversou com Lula sobre políticas de proteção à Amazônia e afirmou que propôs ao presidente eleito brasileiro a convocação de uma cúpula sul-americana para discutir a preservação ambiental.

Para Jaua, a pauta do meio ambiente pode funcionar como um catalisador para a cooperação entre Brasil, Colômbia e Venezuela, não apenas pela urgência global das mudanças climáticas, mas pela importância geopolítica que o tema adquiriu ao longo dos últimos anos.

“Eu acho que chegou a hora de defender com firmeza a irreversibilidade dessas medidas, para além de um governo conjuntural. Vemos o que acabou de acontecer durante o governo Bolsonaro, toda a destruição feita na Amazônia em quatro anos. Deve haver uma consciência nacional, legislações, medidas políticas que sejam irreversíveis e que vão além dos governos que irão exercer ou que já exercem o poder nesses três países”, afirmou.

Diplomacia ajuda a economia?

A expectativa dos analistas ouvidos pelo Brasil de Fato é de que o descongelamento de relações internacionais do governo Maduro auxilie a reativação de acordos comerciais na região e contribua para o processo, ainda que modesto, de recuperação econômica que o país vive desde o início do ano.

Ao Brasil de Fato, o economista Juan Carlos Valdez afirma que a presença de presidentes mais simpáticos ao governo venezuelano pode diminuir os efeitos do bloqueio econômico dos EUA e abrir novas possibilidades comerciais.

“A relação comercial entre Brasil e Venezuela já vinha melhorando nos últimos meses deste ano, com tendência de crescimento. Existem muitas oportunidades de negócio para empresas venezuelanas na economia brasileira, como o setor de asfalto e de ureia para fertilizantes, por exemplo”, diz.

Valdez, entretanto, alerta para o risco de um desequilíbrio na balança comercial entre os países que leve a Venezuela outra vez a depender exclusivamente de importações para abastecer seu mercado interno de itens de primeira necessidade, algo que ocorreu no início da crise e foi sendo superado com dificuldade nos últimos anos.

“Há cem anos nós utilizamos o petróleo para importar tudo e isso se tornou um calcanhar de Aquiles, mas a crise pela qual nós passamos obrigou o país a desenvolver tecnologias e produções que não haviam aqui, por isso acho que a Venezuela estaria preparada para se tornar mais competitiva no mercado internacional”, afirma.