Se Janja fosse da “elite”, seu protagonismo jamais incomodaria Cantanhêde. Por Nathalí

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 16:09
Eliane Cantahêde e Janja. Fotomontagem

 

O comentário misógino da jornalista Eliane Cantanhede sobre Janja, socióloga e esposa de Lula, tem sido um dos assuntos mais comentados da internet – e que bom que as pessoas se interessam em falar sobre isso, porque é urgente que falemos, e muito.

A jornalista da GloboNews, incomodada com a participação de Janja nos atos políticos do marido, chegou a afirmar que o protagonismo da esposa do presidente eleito tem incomodado o Partido dos Trabalhadores – e, sincera e infelizmente, eu não duvidaria disso – e que Janja “não é política”.

Não satisfeita, a jornalista ainda comparou Janja a outras primeiras-damas e comentou que a mulher do presidente deveria se limitar a ter voz apenas no quarto do casal – pasmem.

Em sua defesa, pode-se dizer que Cantanhêde reproduz o machismo que aprendeu, ou que é de uma outra geração, ou, ou, ou… mas, desculpem, isso não cola pra mim.

Quem tem acesso à informação não tem direito de reproduzir machismo. Uma jornalista não tem direito de reproduzir machismo em uma grande emissora e não sofrer consequências. Não há “sororidade” que admita tal absurdo, ao menos não para mim.

Aliás, ninguém sabe ao certo onde o machismo nasceu. Sabe-se apenas vem sendo incrustado em nós desde os ventres de nossas ancestrais – e é certo que qualquer uma de nós pode se pegar reproduzindo machismo por condicionamento, mas isso é muito diferente de fazer um comentário perverso sobre uma mulher pública em uma emissora de TV.

É preciso, contudo, dizer que não é apenas esse tipo de machismo, difícil de vencer em si mesmo, que faz com que Cantanhêde ofenda gratuitamente uma mulher simplesmente porque não suporta que ela tenha qualquer protagonismo, que faz com que tenhamos que aturar coisas como estas sendo ditas na maldita televisão.

Mais do que isso, o machismo passou a ser aceito, quase aplaudido no Brasil. Desde o golpe misógino, “com o STF com tudo”, em 2016, o machismo se revelou ainda mais violentamente, sem qualquer pudor.

Um país que vive um golpe misógino sofre suas consequências. Os machistas – e as mulheres que reproduzem, por vontade própria, esse machismo – saem do armário e as coisas ficam muito, muito feias.

Essa questão era mais amena quando a democracia não estava sob ataque.

Nos tempos de FHC, não era Dona Ruth apenas traída: era também responsável por políticas públicas e respeitadíssima pela mídia.

O problema, infelizmente, não é apenas o machismo dessa jornalista – que não aceita ver a estrela de uma mulher brilhar, e esquece que TODAS as mulheres têm direito à participação política – mas também uma questão de classe, para a qual jamais podemos deixar de olhar.

Se uma mulher protagonizando incomoda, uma mulher que não é da alta sociedade protagonizando leva jornalistas ao descontrole.

Janja nunca será “bela, recatada e do lar”, nunca será a mulher enfeite que vocês esperam, porque ela é uma mulher de luta e porque ela sabe que o Brasil que nós queremos é outro, um Brasil onde as mulheres ocupem seus espaços e vivam o contrário do que disse Heloísa Bolsonaro: “a mulher é uma ajudadora do marido”.

Não: a mulher luta ao lado do marido, tem tanta voz quanto ele, manifesta-se tanto quanto ele e também faz história.

O fato de Lula ter escolhido Janja como companheira, e vice-versa, diz muito sobre ambos: um casal que luta junto e comemora a vitória junto.

Janja nunca caberá no mundo de Eliane Cantanhêde. Ainda bem.

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