A advogada Janaíra Ramos é alvo de uma perseguição ao estilo nazista. Atuando na cidade de Casca, no Rio Grande do Sul, teve seu nome incluído em uma lista de petistas que circulou nas redes sociais e teve seu escritório vandalizado por ter votado em Lula. Um homem quebrou o interfone.
Ela denunciou que bolsonaristas sugeriram colocar a estrela vermelha do PT nas casas de eleitores de esquerda. A denúncia levada ao Ministério Público do Rio Grande do Sul não se tornou um inquérito. Procurado pelo DCM, o órgão respondeu o seguinte: “O MPRS em Casca está averiguando notícia de fato referente a este caso”. A denúncia, feita há mais de uma semana, ainda está “em análise”.
Os extremistas marcaram bares, uma borracharia, loja de móveis, um orquidário e até uma garagem.
A advogada deu mais detalhes sobre o caso nesta entrevista ao DCM.
Diário do Centro do Mundo: Qual a sensação de fazer parte de uma lista elaborada por bolsonaristas? O que eles querem?
Janaíra Ramos: Na cidade de Casca, pelo Instagram, foi divulgada uma lista de 20 empresas. O nome dado ao grupo foi Casca Exposta e rapidamente foi propagada em todo município.
Olhando a lista, é possível perceber a citação nominal de mulheres, proprietárias ou co-proprietárias dos estabelecimentos. Só duas advogadas foram citadas nominalmente: eu, Janaíra Ramos, que não voto na cidade de Casca, onde atuo há 22 anos, com escritório há 18, escrito com a grafia errada, e a doutora Marciana Tonial Radin.
Na mensagem final eles afirmaram que iam atualizar a lista. Remeti o caso ao Ministério Público de Casca e até agora estamos aguardando posição, pois encaminhei informações complementares e ofício assinado pelas pessoas físicas e jurídicas lesadas.
Esse caso é crime e não, como passaram a defender esses propagadores, manifestação livre de consumidores. O nome em uma lista é um crime irreparável. São a última etapa, a meu ver, do bolsonarismo, nessa atual fase, até sua extinção.
Isso liquida o sentimento de coletivo, comunitário, coloca pessoas de uma mesma convivência em guetos, como párias. É de uma violência inominável! E há quem defenda serem legítimas e legais.
DCM: A senhora entrou com um BO após a depredação do seu escritório?
JR: Depois da live que fiz com o doutor Táki Cordás, vi que todos estão com muito medo de tratar desse assunto absurdo de perseguição, pois são pessoas emocionalmente ativas.
Elas perderam o raciocínio objetivo e agem por ação instintiva, baseadas na crença de que suas vidas serão assoladas pelo “comunismo” ou outras criações imaginárias que essas pessoas não têm clareza se existe.
Esse movimento que vejo na rua não tem clareza de seus objetivos e tudo é tratado como coletivo para não haver responsabilização de ninguém. Recebemos prints de mensagens publicadas na internet, sugerindo a identificação de nossos estabelecimentos com estrelas do PT. Os patriotas também sugeriram que não gastassem seu dinheiro em quem pensa diferente deles.
As postagens eram de cerceamento e de totalitarismo.
Fomos verificar se isso não era um caso isolado. Não era. A leitura sobre a agressão deles contra nós não pode ser outra, até pelo discurso de ódio contra o PT e Lula que proferiram durante toda campanha, pela perseguição e intimidação.
Em Casca, a não ser o pequeno núcleo do PT, ninguém se expôs com adesivos, bandeiras, por medo de represálias. O caso todo é inacreditável.
Nem depois do relatório das Forças Armadas, comprovando a lisura do pleito, exigência patética a meu ver, eles se deram por vencidos. O caso é que não se tem sequer clareza do que esse grupo minoritário de bolsonaristas reivindica.
Estão em um processo de massificação via mentira e fake news que acham normal e ordeiro impedir carros, caminhões, ônibus de ir e vir, mas deixando os donos de empresas que apoiaram o candidato derrotado “furar” o bloqueio sem qualquer restrição.
Após as denúncias que fiz, meu escritório foi atacado e um interfone foi quebrado. A pessoa que cometeu o delito foi filmada e encaminhamos à Delegacia, cujo despacho inicial é que é crime de dano e temos que entrar na esfera privada.
A gente se questiona se a autoridade policial irá agir ou não no meu caso, mas estamos peticionando.
DCM: O MP recebeu a denúncia de bolsonaristas pedindo para colocar a “estrela do PT” na casa de eleitores de Lula?
JR: O Ministério Público inicialmente recebeu apenas minha informação e depois um ofício subscrito pela maioria dos comerciantes e profissionais atingidos por esse ataque.
Ainda não houve parecer, mas do que estamos depreendendo em vários locais, estão entendendo que passaram as eleições. Isso não configura crime eleitoral, mas estão se debruçando sobre essa alusão a identificação e segregação de estabelecimentos.
Encaminhamos também questionamento sobre uso de símbolo oficial do Município, o brasão em texto apócrifo, publicado e republicado pela mesma pessoa e divulgado amplamente, especialmente por alguns representantes do Legislativo. Eles participaram ativa e diariamente dos atos de fechamento de rodovias.
O uso desse símbolo, como bem sabemos, não pode ser indiscriminado, mas não há qualquer observância à legislação nesse caso. Aliás, se publica com o brasão, se retira o brasão com nota de cabeçalho e se estimula, em rede particular, que usem o texto com brasão. Um balaio de ilegalidades!
O Poder Executivo não se manifestou para esclarecer se era a posição formal do município naquela nota ou apenas uma das “cidadãs casquenses”.
DCM: Isso se transformou em um inquérito? Será investigado?
JR: Ainda não foi aplicada a lei. Queremos levar o caso para o MPF e para a Polícia Federal.
DCM: A senhora tem medo?
JR: Sou advogada, professora aposentada. Atuei na disciplina de História e tive 38 anos de sala de aula. Minha família, como demonstra o nome, Ramos, é de cristãos novos, judeus, que para fugirem da Inquisição, adotaram esses nomes.
Nunca, nem na Ditadura Militar, quando meus pais foram presos políticos, vi tamanho desequilíbrio e histeria.
Ninguém pode pensar diferente: Se pensar tem que ser eliminado, cancelado, física, emocional, profissionalmente. No caso das listas que correm nas cidades, a ideia é exatamente essa.
As autoridades policiais me causam espanto. Pela omissão em alguns casos e anuência formal em outros com práticas que já foram declaradas ilegais.
Não sinto qualquer segurança em acionar a polícia. Entendo que a violência desses extremistas, alguns armados graças ao governo Bolsonaro, é irracional e perigosa.
Sinto que pouco ou nada está sendo feito para dar um basta definitivo nesses movimentos antidemocráticos. Eles só vão cessar, a meu ver, com prisões dos identificados e punições rigorosas.
Não pode haver qualquer tipo de acordo com líderes, envolvidos ou mesmo com o centro desse tsunami, a família Bolsonaro e seus asseclas. Eles precisam ser processados e punidos.
DCM: A senhora diz que existem pessoas boas que votam em Bolsonaro mergulhadas na pauta anticorrupção. Cita o caso do seu sócio…
JR: Acredito que o governo Lula terá muita dificuldade de pacificar o país. Essa sociedade cindida não tem mais espaço para governo de pacto, pois um setor enorme da população vai continuar sabotando o governo.
Setores do próprio Estado, como a polícia, estão em sublevação e pretendem permanecer assim.
Como as forças do Brasil estão absolutamente divididas e quem segue Bolsonaro não vai desaparecer, alguns, seja pela desinformação midiática, seja pelo fanatismo, vão seguir fomentando a ideia de que estão em uma espécie de “primavera árabe” e que fazem parte da “revolução conservadora”, como vimos no caso de São Miguel do Oeste, com atos que parecem nazismo ou fascismo.
Normalizar o fascismo, seja em listas, seja em atos, corrói a base social e legal,que limita esses avanços extremistas. É preciso vigiar, julgar e punir exemplarmente, para dar cabo desses arroubos em primeiro lugar.
Há um eixo ideológico, que não vai negociar com o governo, mas fazer tudo para prejudicar o país e provocar o caos. Pessoas que colocaram crianças em frente e manifestações como escudos, estrutura organizada para bloqueios e protestos, listas de pessoas e sugestão de identificação aos moldes nazifascistas , um “líder” que leva 44 horas para se manifestar e, quando o faz, deixa margem para mais violência.
Tudo isso foi pedagógico, com participação das próprias forças policiais em muitos casos.
Isso vai se intensificar e a extrema direita vai fazer agora o que fez no governo Dilma, desestabilizando continuamente o governo Lula. Se não houver punição e tomada efetiva de medidas com as forças policiais, o presidente eleito terá problemas homéricos de sustentação.
Quero agradecer pelo espaço, pois entre o medo, e tenho muito, optei pela coragem de dizer e pensar o que devemos acabar com esses arroubos antidemocráticos e violentos.
Isso só vai acabar com uma mobilização efetiva.