Parlamentares acionaram nesta segunda-feira (21) o Tribunal de Contas da União (TCU) para que o ministro Augusto Nardes esclareça insinuações golpistas em um áudio que veio à tona ontem (20). Na gravação, compartilhada em um grupo no WhatsApp com amigos do agronegócio, o ministro, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), afirma que “está acontecendo um movimento muito forte nas casernas” brasileiras. E que “é questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, talvez menos do que isso” para um “desenlace bastante forte na nação, de (consequências) imprevisíveis, imprevisíveis”, diz ele.
Nardes acrescenta que não pode dar mais detalhes do que sabe sobre o “desenlace” para os amigos. “Eu não posso falar muito. Sim, tenho muitas informações, queria passar para ti, para o teu time do agro, que eu conheço todos os líderes”. Em outro momento do áudio, o ministro afirma também que o movimento “dará condições” ao mandatário derrotado de “enfrentar o que vai acontecer no país”, completa ele, que diz ainda ter conversado “longamente com o time do Bolsonaro essa semana”.
“Ele (Bolsonaro) não está bem, está com um ferimento na perna, uma doença de pele bastante significativa. Mas tem esperança de poder se recuperar e poder melhorar sua condição física. E certamente terá condições de enfrentar o que vai acontecer no país”, insinua Nardes.
Nardes e o golpe contra Dilma
As declarações foram repudiadas por parlamentares aliados ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles advertem para uma “conspiração golpista” que visa impedir a posse do petista. Ainda neste domingo, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) anunciou em sua conta no Twitter que apresentará um requerimento para que Nardes seja convocado a dar explicações ao Congresso.
Hoje (21) a bancada do Psol na Câmara protocolou requerimento para que Augusto Nardes vá à Câmara dos Deputados para explicar as insinuações feitas no grupo sobre a possibilidade de um golpe de Estado.
“É inadmissível a participação de um ministro do TCU em conspiração golpista! As falas de Augusto Nardes são absolutamente incompatíveis com a Constituição Federal, violam as liberdades democráticas, desrespeitam o resultado das urnas e é urgente que o ministro vá ao Plenário da Câmara dos Deputados se explicar pelas falas golpistas.”, disse a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS).
A bancada encaminhou requerimentos para a Comissão de Constituição e Justiça, de Trabalho, Administração e Serviço Público e ao plenário da Casa. Além disso, protocolou uma representação na Corregedoria do TCU contra o ministro.
Indicado ao cargo no TCU em 2005, quando era deputado federal pelo PP, o ministro foi o responsável pela análise das contas da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2015. Na ocasião, Nardes relatou supostas pedaladas fiscais que levaram ao impeachment da petista que, segundo ele, tinha responsabilidade direta pelas contas. Na mesma época, no entanto, peritos do Senado avaliaram as manobras fiscais do então governo a pedido da Comissão Especial do Impeachment. E, ao contrário do ministro do TCU, indicaram que não houve interferência da presidenta que acabou, porém, sofrendo o golpe com a justificativa da “pedalada fiscal”.
Neste ano, contudo, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região ainda reconheceu em março que não houve lesão aos cofres públicos no governo Dilma. E, com isso, extinguiu, por unanimidade, uma ação popular que pedia que a ex-presidenta reembolsasse a União pela suposta “pedalada fiscal”. A decisão corroborou um artigo escrito um mês antes pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Na publicação, o magistrado também garantiu que o impeachment de Dilma não foi motivado por pedalada fiscal, mas apenas por pressão política.
Parlamentares cobram explicações
A atuação do ministro do TCU no golpe contra Dilma foi lembrada pelo também deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que chamou Nardes de “raposa experiente e perigosa”. “(Augusto Nardes) foi decisivo no golpe contra Dilma, uma mulher honesta que foi vítima de um esquema perverso. Aproximou-se muito de Bolsonaro e sua família e hoje é da cozinha do clã. Estabelece relações com o que de pior o agro e as Forças Armadas têm e custo a acreditar em sua ‘ingenuidade'”, contestou o parlamentar.
Foi decisivo no Golpe contra @dilmabr uma mulher honesta que foi vítima de um esquema perverso. Aproximou-se muito de Bolsonaro e sua família e hoje é da cozinha do clã. Estabelece relações com o que de pior o agro e as Forças Armadas tem e custo a acreditar em sua ‘ingenuidade’
— Paulo Pimenta (@Pimenta13Br) November 20, 2022
“O áudio vazado é gravíssimo e não pode ficar impune. A sensação de impunidade alimenta monstros e faz de covardes pessoas perigosas. Suas movimentações são por interesses que sequer imaginamos. Mas uma coisa é certa: poder, privilégios, dinheiro e proteção aos seus crimes são alguns”, escreveu Pimenta. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que o ministro do TCU será convocado nesta segunda a dar explicações no Senado. “Golpista e asseclas não conspirarão impunemente contra a democracia brasileira”, garantiu.
O deputado André Janones (Avante-MG) confirmou em suas redes que acionou o TCU para que Nardes esclareça suas insinuações golpistas na Câmara. Os partidos aliados a Lula também estudam apresentar uma interpelação no STF para que o ministro bolsonarista explique o sentido de suas frases. A avaliação é que elas podem configurar crimes contra o Estado democrático de direito, além de calúnia, difamação e injúria.
Ministros do TCU estão constrangidos
Reportagem do portal Metrópoles identificou que os ministros do tribunal dizem estar “constrangidos” com as declarações de cunho golpista do colega. Ele estariam aconselhando Nardes a se retratar para evitar o risco de ser enquadrado no artigo 359º da nova Lei de Segurança Nacional (LSN). A legislação prevê pena de quatro a oito anos de reclusão a quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
Os ministros do TCU também citam que o Nardes pode ter infringido também o artigo 35º da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). A medida trata como dever do magistrado manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
O que diz Augusto Nardes
Ainda no domingo, após a repercussão negativa do áudio, Nardes negou no mesmo grupo de WhatsApp que suas declarações visavam “incitar qualquer conduta que possa ser caracterizada como atentatória às instituições ou ao Estado e a Ordem Política Social”.
Questionado pela coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, sobre o movimento nas casernas citado, o ministro bolsonarista afirmou que se referia aos atos de apoiadores do presidente derrotado em frente a comandos militares. E não a um movimento, segundo ele, dentro das Forças Armadas. Ele alegou também reconhecer a vitória de Lula. E disse que pretende procurar pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e o coordenador do Gabinete de Transição, Aloizio Mercadante, oara conversar sobre “governança”.
“Não estimulei e jamais estimularia atos violentos contras as instituições. Minha fala, que foi postada em grupo privado e restrito de mensagens, apenas compartilhou informações e externou minha percepção sobre fatos e acontecimentos em curso, dos quais não tenho qualquer domínio ou responsabilidade”, relativizou Augusto Nardes na postagem.
Maus perdedores
Desde a vitória de Lula, uma minoria de apoiadores de Bolsonaro, inconformada com a derrota, vem insistindo na defesa da intervenção militar para impedir o mandato do petista. Nas últimas duas semanas, os bolsonaristas chegaram a passar do fechamento de rodovias a manifestações de pequenos grupos em frente a quartéis pelo Brasil, – sempre com palavras de ordem antidemocráticas –, para ameaças, hostilizações e até ataques armados.
Ainda neste domingo, eles começaram a propagar a fake news de que cerca de 40 barracas que foram montadas na Praça da Sé, na região central da cidade de São Paulo, seria um sinal de que as Forças Armadas vão intervir no país. As barracas, no entanto, são parte de um mutirão de instituições públicas e da sociedade civil que vai atender a população em situação de rua, nesta semana, na capital paulista.
Publicado originalmente em Rede Brasil Atual