O ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência do Brasil, general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, um dos generais mais respeitados de sua geração e com uma curta passagem pelo governo Bolsonaro, concedeu uma entrevista à BBC News Brasil comentando sobre sua perspectiva do cenário político, suas expectativas e percepções. O general disse apostar em uma relação harmônica entre Lula e os militares.
Com a vitória no segundo turno das eleições do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) batendo o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), quartéis e outras unidades militares se transformaram em pontos de manifestação dos apoiadores bolsonaristas inconformados com o resultado das urnas.
Santos Cruz, desde que foi exonerado do cargo no governo Bolsonaro, vem fazendo críticas ao atual presidente. Ainda assim, mesmo que na reserva, ele é frequentemente procurado por interlocutores interessados em saber como funcionam os “mecanismos” das Forças Armadas do Brasil, às quais ele serviu por mais de quatro décadas.
Durante a entrevista, o general disse que acredita que Lula tem experiência política e saberá lidar com as Forças Armadas e também confrontou bolsonaristas. Ainda afirmou que o “novo governo do PT não tem motivos para temer a atuação dos militares nos próximos quatro anos”.
Leia trechos:
O novo governo do presidente Lula precisa temer os militares de alguma forma nesses próximos quatro anos?
Eu não posso falar pelos militares porque eu sou da reserva. Quem dirige os destinos das instituições militares hoje são os seus comandantes, que são pessoas extremamente capacitadas e preparadas […] que chegaram à situação de comandante por mérito. […]
O que eu falo é pessoal e baseado na cultura militar em que eu fiquei por mais de 45 anos […] Eu acho que o povo brasileiro tem que continuar confiando, como sempre fez, nas instituições e nos comandantes atuais. É importante que essas instituições se comportem de forma apolítica, sem preferência de nomes e de partidos. Isso é fundamental para toda a sociedade brasileira. Isso vale não só para a instituição militar, mas para outras como a Receita Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal […] Elas precisam ter esse comportamento porque a briga política sempre vai existir de quatro em quatro anos. Mas as instituições do Estado têm que dar essa tranquilidade para a nossa população. (…)
Qual é a origem das desconfianças e tensões dos militares das Forças Armadas em relação ao presidente eleito Lula?
Eu não vejo essas tensões porque nós tivemos anteriormente dois mandatos do atual presidente eleito e não houve nenhuma dificuldade de relacionamento. Houve respeito institucional e houve um orçamento regular. O Brasil, naquele período, participou de missões de paz dentro do esforço de política exterior do Brasil. Houve vários projetos (estratégicos) das Forças Armadas que são daquela época. Temos todas as condições de contornar esse período de política conturbada, de muito fanatismo político, e termos um relacionamento respeitoso sem maiores problemas. (…)
Quais os pontos mais sensíveis, na sua opinião, que deveriam ser observados pelo novo governo do presidente Lula para evitar tensões com os militares?
Eu não vejo muita dificuldade. Você tem que manter um orçamento, tem que manter os projetos estratégicos das Forças Armadas e tem que prestigiar a hierarquia e disciplina, que são a base das Forças Armadas. Tem que evitar qualquer discurso político no interior de unidades militares […] O discurso tem que ser de incentivo profissional e não sobre política partidária […] é preciso manter os projetos especiais, talvez até fazendo um orçamento fora do regular. É respeito institucional. Fui oficial no governo do presidente Fernando Collor de Mello que sofreu impeachment, no tempo do presidente Lula, da ex-presidente Dilma Rousseff, de Michel Temer e José Sarney e sempre houve um relacionamento bom e respeitoso. É isso que tem que ser feito. O atual presidente eleito sabe disso. Ele tem experiência de dois mandatos e sabe qual é o relacionamento com as Forças Armadas e como ele se mantém respeitoso.
Na sua avaliação, os militares brasileiros estariam dispostos a embarcar em uma nova empreitada de Bolsonaro nas urnas, em 2026?
Então. Não. De jeito nenhum. Não embarcaram antes e nem embarcarão depois. Agora, cada um tem sua opção política. Não tem nada de errado em um eleitor optar por um candidato ou por outro. Não podemos criticar um eleitor porque ele escolheu Bolsonaro, Lula, Simone Tebet, ou seja lá quem for. E não se pode nem criticar quem anulou o voto porque ele anulou o voto por não se sentir representado. Por isso tem a tecla de anulação. Então, eu acho que os militares nunca embarcaram, não vão embarcar em ondas pessoais e vamos respeitar todo mundo que votou num candidato ou em outro. Seja ele militar ou civil. (…)