O terrorismo por omissão e o artigo 359-L do Código Penal. Por Fernando Augusto Fernandes

Atualizado em 8 de janeiro de 2023 às 19:07
Bomba encontrada pela polícia em Brasília. (Imagem: Reprodução)

Por Fernando Augusto Fernandes* 

A descoberta de uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília, poucos dias antes da posse do presidente eleito Lula, trouxe mais um capítulo dos atos antidemocráticos, ao quais já assistimos desde o fim das eleições. Isso logo após a tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal e o incendiar de carros na capital da República.

Os atos preparatórios foram ficando para trás, assim como as advertências em artigo no qual afirmei que “Manifestação por golpe é crime, mesmo desarmada” [1], e passaram para atos concretos. Também já havia classificado como terrorista o assassinato do guarda civil Marcelo Arruda antes da eleição no artigo “Homicídio terrorista: assassinato por ódio de um integrante do PT” [2].

Naqueles artigos adverti de algo que será discutido futuramente no Judiciário e que merece a atenção do Legislativo. Classificarmos publicamente os atos como terroristas não resolve o fato da opção legislativa de, na lei de terrorismo (Lei nº 13.260/16), ter deixado de fora as razões políticas e incluído somente “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

O mesmo ocorreu no crime de injúria do Código Penal, com a inclusão de qualificadora quanto a discursos de ódio que se limitam à “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência” (Lei nº 10.741/03).

Juridicamente, então, o crime cometido em Brasília não é terrorismo. O agente criminoso é acusado do fato, sendo a classificação do crime parte integrante da acusação. O fato concreto é que colocaram uma bomba em um caminhão-tanque de combustível com intenção de causar uma explosão que geraria mortes e sensação de caos e insegurança.

Temos um cardápio de tipos penais que podem se encaixar no fato. Havia intenção de matar? Isso configuraria o artigo 121, § 2°, III, do Código Penal, ou seja, homicídio qualificado tentado, cuja pena na consumação é de 12 anos a 30 anos e diminuída de pelo menos 1/3, na forma do artigo 14, inciso II, do mesmo código, por ser mera tentativa, totalizando 8 a 21 anos. Aqui certamente estaríamos no exemplo clássico de dolo eventual pelo fato de o agente assumir o risco de morte dolosamente.

O artigo 16 da Lei 10.826/03, que regula o armamento, também tipifica, no artigo 16, § 1º, inciso III, o delito de fabricar ou empregar artefato explosivo, cuja pena é de 3 a 6 anos de prisão.

O crime mais adequado, contudo, é o do artigo 359-L, incluído no Código Penal pela Lei nº 14.197/21, que descreve a conduta de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena é de 4 a 8 anos, “além da pena correspondente à violência”. Apesar do artigo sobre violência política (artigo 359-P, do CP) ter também deixado de fora o fim político da conduta delituosa e optado por “razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, o crime de abolição violenta do Estado de Direito já traz a tentativa no próprio crime, sem limitação da atuação que naturalmente é política.

Fatalmente, tendo a Lei de Defesa do Estado Democrático substituído a Lei de Segurança Nacional, não pode ser esquecido que delitos perpetrados com motivação política — e, portanto, crimes políticos — devem ser julgados pela Justiça Federal, conforme disposição constitucional quanto à competência dos crimes federais. Valendo ressaltar que o trâmite reservado a tais procedimentos é de denúncia em primeira instância a juízo federal e, uma vez sentenciado, eventual inconformismo deve ser levado diretamente ao Supremo Tribunal Federal via recurso ordinário constitucional, conforme versa o artigo 102, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal.

Outro ponto relevante deve ser recordado: todos os crimes são cometidos por ação ou omissão. Juarez Tavares ensina em seu livro Teoria dos Crimes Omissivos que a responsabilidade por crimes omissivos deveria ser limitada àqueles que tem obrigação proteção da vida, chamados de agentes garantidores, como pai, tutor, médico e, nesse caso, analisado os agentes do estado. Há um conceito importante também que chamamos dos “crimes omissivos impróprios”, quando a omissão é dolosa e se configura igual à ação. O exemplo clássico seria deixar de jogar uma boia para um inimigo morrendo afogado. Não se trata de omissão de socorro, mas de um homicídio caracterizado pela não ação.

Nesse ponto é importante analisar o comportamento de Bolsonaro e de outras autoridades, seja do governador de Brasília e todos os que teriam a obrigação de ação por serem agentes garantidores do Estado. Em tais situações, estamos além do crime de prevaricação, cuja pena ridícula (3 meses a 1 ano) demonstra uma constante opção de proteção aos agentes do Estado, o que se verifica até na Lei de Abuso de Autoridades (Lei nº 13.869/19).

Os atos de omissão de Bolsonaro foram dolosos no sentido de causar os atos terroristas, o que o tornam claramente responsável criminalmente pelo cometimento do crime do artigo 359-L do Código Penal, além de responsável por mortes ocorridas por Covid no Brasil.

É necessário, ainda, mais investigação para saber se os atos foram somente omissivos ou se, na realidade, temos envolvimento, como revelou o jornalista Henrique Rodrigues na Revista Fórum com base em declarações de um agente da Polícia Federal de atuação no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Os atos são terroristas, mas tipificados como crime contra o Estado Democrático de Direito, conforme artigo 359-L do Código Penal, e foram praticados pelos agentes diretos, assim como pelas autoridades públicas que agiram com ação ou omissão dolosa, e são de competência da Justiça Federal de primeira instância, com recurso direto ao Supremo Tribunal Federal.

* Publicado originalmente no Conjur

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