Governador de SC financiou vereadora presa por terrorismo cujo patrimônio cresceu 816% em dois anos

Atualizado em 13 de janeiro de 2023 às 21:55
A vereadora catarinense e candidata derrotada a deputada estadual Odete Correia de Oliveira Paliano (PL), presa em Brasília: o governador Jorginho bancou sua campanha e agora banca a sua defesa (crédito: campanha de Jorginho Mello)

Odete Correia de Oliveira Paliano (PL), vereadora do município de Bom Jesus, no oeste de Santa Catarina, encontra-se atualmente na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia). Ela estava entre os mais de 1.500 agentes detidos após o ataque de vandalismo aos três poderes da República, no último dia 8.

Ela foi ouvida, seu flagrante foi lavrado, suas condutas foram identificadas e individualizadas na forma da lei e ela seguiu presa para a penitenciária. Está sendo investigada por crimes cujas penas somadas podem ultrapassar 20 anos.

Seu nome de urna é Odete Enfermeira, uma alusão à profissão que dizia ter antes de se tornar vereadora, em janeiro de 2021. Difícil é saber como ela podia ser enfermeira se tinha apenas o ensino médio completo, segundo declaração dela própria à Justiça.

Quando começou a trabalhar na Câmara de Bom Jesus, município de pouco mais de 2.000 habitantes a 525 quilômetros de Florianópolis, Odete Enfermeira era uma mulher branca. Seu patrimônio era composto por um veículo Chevrolet 2017, que valia R$ 37 mil, e R$ 4.700 na conta bancária. E fim.

Fonte: TSE
Fonte: TSE

Em 2022, Odete, já vereadora, candidatou-se a deputada estadual de Santa Catarina. Na urna, porém, o nome não mudou, seguiu sendo enfermeira, seguiu sendo enfermeira que só estudou até o ensino médio. Tampouco mudou a foto que utilizou na urna para concorrer em 2020, continuou branca como era, mas algo aconteceu no âmago da vereadora, posto que passou a enxergar-se como parda, e assim se declarou à Justiça.

Se ainda era enfermeira na urna, na conta bancária já estava mais parecida com política. Em um intervalo inferior a dois anos, seu patrimônio saltou dos R$ 41,7 mil para R$ 382 mil.

Fonte: TSE
Fonte: TSE

Assim, o patrimônio atual da vereadora é nove vezes maior do que suas posses de 2020. Pode parecer um case de sucesso, mas há quem duvide da capacidade da parlamentar em gerir suas finanças, já que ela possui um patrimônio de quase R$ 400 mil, mas não tem um real para tomar uma água no bolicho, como se nota acima. Perdeu até os R$ 4,700 que tinha quando era só uma enfermeira de ensino médio completo. Como ela vive, come e coloca gasolina no seu Chevrolet (que, aliás, como também se pode ver acima, conseguiu a proeza de aumentar de valor na medida em que envelheceu), é um mistério.

Outro mistério é o crescimento de seu patrimônio. Isso porque o salário líquido da vereadora de Bom Jesus é de pouco mais de R$ 2.300.

Fonte: Prefeitura Municipal de Bom Jesus

Bom, conclui-se que, somando inclusive os 13º salários, ela recebeu pouco mais de R$ 60 mil ao longo desses dois anos em que enriqueceu mais de R$ 300 mil.

Sabe-se, então, que a vereadora presa por terrorismo conseguiu aumentar seu patrimônio em uma ordem de grandeza incompatível com seus vencimentos desde que entrou para a política. Se recebeu uma herança, se recebeu doações de cidadãos de bem, se incorreu em algum tipo de atividade pouco abonadora porém lucrativa, é difícil precisar.

Precisamente, o que se sabe é:

  • Na eleição de 2020, sua campanha recebeu R$ 506 em doações.

    Fonte: TSE
  • Já na eleição na eleição de 2022, recebeu R$ 58.898,14.

    Fonte: TSE
  • Em 2020, quem bancou a candidatura de Odete foi ela mesma (R$ 350) e o então candidato e atual prefeito e seu aliado, Rafael Calza.

    Fonte: TSE
  • Em 2022, quem bancou sua campanha foi o atual governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), a ex-vice-governadora  Daniela Reinehr (sem partido) e o ex-deputado federal Valdir Colatto (MDB).
    Fonte: TSE

    De enfermeira sem diploma e assalariada com R$ 2.300 a candidata a deputada com doações de um governador, de uma vice-governadora e de um deputado federal em menos de dois anos, que carreira, a da Odete Enfermeira.

    Sobre seus doadores de hoje em dia, o que se sabe, precisamente?

  • Que Valdir Colatto é o autor do projeto de lei que libera a caça no país, proibida desde 1967.Que é um dos mais atuantes membros da bancada ruralista. Que defendeu no Congresso Nacional entregar aos estados federados a prerrogativa de estabelecer os percentuais de reserva legal em seus biomas e territórios. Que assumiu o cargo de presidente do Serviço Florestal Brasileiro assim que Bolsonaro tomou posse.
  • Que o pai de Daniela Reinehr, Altair Reinehr, professor aposentado da cidade de Maravilha (SC), foi colaborador por anos de uma editora especializada em livros de teor antissemita que negavam o holocausto e outros crimes da Alemanha nazista. Que a ex-vice-governadora evitou discordar publicamente das crenças do pai.
  • Que o governador Jorginho Mello, assim que soube que a vereadora estava presa, enviou a Brasília quatro defensores públicos de seu estado para ajudar sua aliada e receptora de doações eleitorais. A atitude do governador – de colocar advogados públicos em defesa de interesses privados – afronta a Constituição Federal, a Constituição Estadual de Santa Catarina, pelo menos cinco leis extravagantes, a moral e o bom senso, a ponto de colocá-lo sob risco de impeachment, conforme revelou o DCM.Eis aí tudo que se sabe até agora. Se a vereadora vai contar de lá da cadeia como fez para enriquecer assim rápido e de maneira incompatível ao seu salário, se o governador vai contar por que resolveu doar dinheiro para uma candidata que, ao fim da eleição de 2022, não foi eleita e conseguiu apenas 564, ou se vai contar por que usou defensores públicos para ajudar a aliada de carreira meteórica, não se sabe.

    Para saber mais sobre essa história, só com quebras de sigilo, investigação policial, coleta de oitivas. O trabalho deste repórter acaba por aqui. Que comece o da polícia e o do Ministério Público.