Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes concedeu entrevista à Folha de S.Paulo e nela abordou assuntos como “o desvio” pelo qual o Brasil caminhou durante a gestão Bolsonaro, suas expectativas em relação ao futuro do país e da importância da defesa das instituições democráticas.
Confira trechos:
Folha: Que papel o Brasil pode assumir, no contexto geopolítico e socioeconômico, após a eleição de Lula?
Gilmar Mendes: O Brasil já provou várias vezes que tem capacidade de se reinventar. Basta olharmos para o contexto da Constituição de 1988: uma inflação descontrolada, incerteza sobre o futuro e a estabilidade. No entanto, fomos capazes de encontrar nosso caminho.
Folha: O sr. considera que o Brasil vai passar por outro período de inovação?
Gilmar Mendes: Acredito que sim. Os últimos quatro anos foram um desvio, repletos de ameaças à democracia. Mas agora o status quo retornou —voltamos a focar as grandes questões da nação.
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Folha: Olhando o 8 de Janeiro, o que pensa que outras democracias, sem experiência recente com o extremismo, podem aprender com o Brasil?
Gilmar Mendes: O Brasil demonstrou ser uma democracia resiliente. Os resultados são auspiciosos, e o Judiciário teve papel importante. Parece-me necessário, enquanto democracia, termos instrumentos de contenção que repudiem atuações antidemocráticas. Olhemos para a Alemanha, onde se pratica a democracia militante ou defendente, que consiste na ideia de que um Estado de Direito não pode ser tolerante com aqueles que não toleram a própria democracia. Nesse aspecto, o Brasil já demonstrou caminhar na mesma direção da Alemanha.
Folha: Há exemplos disso?
Gilmar Mendes: Lembro-me da abertura do inquérito das fake news, em 2019, ou da reforma, pelo TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que se traduziu na generalização do voto eletrônico. É bom lembrar que a Revolução de 1930 ocorreu devido a fraudes eleitorais na Velha República. A Justiça Eleitoral é inaugurada nos anos 1930 e reforçada com a Constituição de 1988.
Antes da urna eletrônica, o Brasil sofria de um problema de “mapismo” de votos escritos. Ao abandonarmos o modelo analógico —que tantos problemas gerou, por exemplo nos EUA, na eleição de [George W.] Bush e [Al] Gore [em 2000]—, o país tornou tudo mais transparente e digno de confiança. Independentemente da polêmica gerada por algumas vozes dissonantes.
O combate às fake news e um processo eleitoral rigoroso e transparente são duas medidas importantes para qualquer democracia que deseje ultrapassar um período de extremismo político.
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