Por Robson Augusto
Durante o seu curto serviço na Marinha do Brasil o Nae São Paulo foi visto com muita desconfiança, sendo palco de vários acidentes com morte de militares, acabou ficando como uma má compra feita pela cúpula da Marinha do Brasil. Mas, há um fato que – caso mencionado – contribuiria ainda mais para a má fama da embarcação. Poucos sabem, mas há registros que atestam que o NAe São Paulo nos anos 60, ainda na marinha francesa e sob o nome Foch, participou de diversos exercícios com armamento nuclear no pacífico, nas proximidades da Polinésia. Dado o caráter secreto desse tipo de operação, sempre foi muito difícil conseguir informações aprofundadas sobre o possível nível de contaminação de materiais no navio.
Em artigo publicado em novembro de 2022 a Revista Sociedade Militar mostrou que muitos militares que serviram no antigo FOCH e participaram dos testes reivindicaram indenizações por meio da “Associação de Veteranos de Testes Nucleares”.
” Quando a nuvem em forma de cogumelo subiu no céu … Braços cruzados sobre os olhos para evitar o clarão que vinha da bomba, tivemos que nos virar logo após a explosão … ” (Serge Vauley, engajado em 1966 na campanha do Pacífico no Foch)
O especialista Enver Yaser Kucukgul com quem também conversamos, ouvido pelo site SOZCU, um dos 10 maiores sites de notícias da Turquia, afirmou que poderia ainda haver material radioativo a bordo e que pelo menos 8 mil toneladas de resíduos tóxicos muito perigosos poderiam ser geradas no desmonte da embarcação.
A afirmação do especialista é muito preocupante na medida em que não só na França, mas também no Brasil, milhares de militares transitaram pela embarcação e muitos praticamente residiram nela durante muito tempo.
“Não esqueçamos que a França utilizou este porta-aviões em testes nucleares. Se você tocar um metal com uma munição nuclear, esse metal se torna nuclear. Você não pode se livrar da radioatividade derretendo o metal que contém contaminação nuclear… Você não pode limpar centenas de milhares de toneladas de borra de óleo no navio de guerra. Existe fluoro cloro hidrocarbonetos em milhares de quilômetros de dutos… Você não pode removê-los de dentro dos canos
Há ainda alegações de que o navio contem mais de 600 toneladas de amianto e que os resíduos a serem despejados no mar durante o desmantelamento criariam poluição ambiental e prejudicariam a saúde dos seres humanos e animais da região.
… sabemos que há mais de 600 toneladas de amianto neste navio… O problema não é apenas o amianto. Sabemos que durante a fase de desmontagem estarão expostos PAH, PCH, TBT, metais pesados, óleos pesados, dioxinas, e contaminantes nucleares que são ainda mais perigosos que o amianto…”
No início dos protestos que acabaram impedindo o navio de entrar na Turquia, a organização ambiental İzmir Yaşam Alanları, com sede em Esmirna, na Turquia, divulgou seguidos comunicados sobre o nae São Paulo e invocou uma lei local para impedir que a embarcação fosse desmontada.
“… Este navio é um caixão preto… Este navio carregado de morte, destruição, dor e problemas está chegando a Izmir… De acordo com o artigo 13. o da Lei Ambiental … é proibida a importação de resíduos perigosos.”
O comunicado
“… este navio, carregado de morte, destruição e sofrimento, vem afogar o ar, a água, o solo de nosso país, principalmente nosso belo povo, para ganhar algum dinheiro. Resíduos nucleares do desmantelamento de navios por anos continuam a espalhar perigo no meio da cidade de Izmir. Embora não haja remédio para isso, não aceitamos o desmantelamento de novos navios. Não queremos que nuvens mortais sejam criadas em nossos espaços de convivência com a chegada de navios. Todas as 22 instalações de desmantelamento de navios em Aliağa devem ser fechadas imediatamente, e aqueles que usam os navios devem desmontá-los.”
O afundamento repentino do São Paulo, mesmo havendo ofertas milionárias pelo casco, traz uma desconfiança. Será que a Marinha não queria se livrar de polêmicas e problemas futuros, que poderiam surgir caso no desmonte se descobrisse que havia ainda vestígios de radiação no casco em porões ou em tubulações antigas?
Publicado originalmente pela Revista Sociedade Militar.