“Ser democrata hoje é defender efetivação dos direitos fundamentais”, diz Lewandowski

Atualizado em 12 de fevereiro de 2023 às 18:38
Ministro do Supremo Tribunal Federal participa de seminário do MST, em Guararema. Fptp: Sara Sulamita

Publicado originalmente no “Brasil de Fato”

Nicolau Soares

Para superar a crise da democracia, diagnosticada por intelectuais e lideranças políticas de todo o mundo, é necessário ir além da democracia liberal burguesa, promovendo participação social e garantindo os direitos fundamentais de todas as pessoas. A conclusão foi apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, durante o seminário Democracia e Participação Popular, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), o evento reuniu coletivos e associações do meio jurídico, como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e os coletivos Prerrogativas e Transforma MP. Figuras conhecidas do mundo jurídico, como Kenarik Boujikian, Manoel Caetano, Carol Proner, Pedro Serrano, Lenio Streck e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, circulavam entre lideranças da esquerda como João Pedro Stedile e João Paulo Rodrigues, do MST, e o ex-deputado petista Renato Simões.

“Ser democrata hoje é defender efetivação dos direitos fundamentais”, afirmou o ministro. “Esses direitos têm uma história, se desenvolveram ao longo de várias gerações e constituem verdadeiro patrimônio da humanidade. Um patrimônio que temos que defender com unhas e dentes, a cada momento de nossas vidas.”

Para além disso, Lewandowski defende que esses direitos só serão efetivados com a ampliação da participação social.

“Se sabe que a democracia está em crise, todos dizem isso. Mas o que está em crise na verdade é a democracia representativa, liberal burguesa, a democracia dos partidos, na qual, tenho certeza, que nenhum de nós se sente representado adequadamente. Essas crises sucessivas têm uma raiz profunda, que é o sistema político que, de fato, não nos representa”, analisou.

Para ele, a democracia representativa teve seu papel histórico, “mas é um modelo que se esgotou, assim como o modelo dos partidos tradicionais. A ideia de democracia como ‘governo do povo’ permanece como ideal a ser realizado”.

“Muitos falam em reformas, mas nada disso vai resolver o problema essencial da democracia. Para se concretizar, a democracia passa muito além dessas discussões em torno de forma, sistema de governo, sistemas eleitorais.”

Essa superação, defende o ministro, passa pela efetivação dos mecanismos de democracia direta e participativa incluídos na própria Constituição de 1988, que ele considera “um salto qualitativo” em relação à democracia.

“Se pegarmos as constituições anteriores, estava: ‘todo poder emana do povo e em seu nome é exercido’. Mas a de 1988, diz: ‘todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente nas formas previstas nessa Constituição’. Ela abriu o caminho para a democracia participativa. Não é uma aspiração metafísica, é algo concreto, está na Constituição e é um direito que temos que exercer”, destaca.

Ele lembra ainda o Artigo 14 da Constituição, que diz que a soberania popular será exercida pelo voto, mas também pelo plebiscito, referendo e leis de iniciativa popular.

“Questões importantes como a reforma da previdência ou a reforma trabalhista poderiam ter sido submetidas a referendo”, afirmou. “Ocorre que, embora previstos na Constituição, esses três instrumentos não têm exequibilidade. Para podermos dar um salto à frente e fazer com que alguns direitos fundamentais tenham concreção, esses instrumentos precisam ser colocados em prática, para termos a democracia participativa que todos almejamos.”

Ministro Lewandowski planta muda de Ipê Amarelo na Escola Florestan Fernandes. Foto: Sara Sulamita

Depois do seminário, Lewandowski plantou uma muda de um Ipê Amarelo no terreno da ENFF, tradição que o MST adota para homenagear convidados. “Fiquei vivamente impressionado, emocionado de verificar o que é capaz o povo organizado. Realmente o povo organizado constrói o seu destino, faz a história, e a ENFF é prova disso, assim como o MST”, afirmou o ministro.

Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o STF em março de 2006, Lewandowski presidiu o tribunal entre 2014 e 2016. O ministro atinge neste mês de maio a idade limite para se aposentar, abrindo uma vaga na Corte.

Um novo projeto de país

Além de Lewandowski, a mesa principal do evento foi composta pelo juristas Lenio Streck e Carol Proner e pelo dirigente nacional do MST João Pedro Stedile.

Em sua fala, Stedile fez uma leitura da situação atual do país com base na luta de classes. Segundo ele, o capitalismo mundial está em uma profunda crise, sendo um “sistema em decadência, que não apresenta mais soluções para  o povo do Brasil e do mundo”.

“No Brasil, a burguesia reagiu a essa crise com quatro golpes, engendrados para manter seus privilégios: a derrubada de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, o apoio ao governo de Michel Temer e, por fim, a eleição do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro. Bolsonaro e sua trupe não têm força social. Mas a burguesia teve que apelar a esse lúmpen para proteger os seus privilégios – e deu no que deu”, avaliou.

“Essa vitória eleitoral que tivemos não é partidária, nem é do próprio Lula. É uma vitória das últimas energias que a sociedade brasileira reuniu para derrotar a extrema direita.”

João Pedro Stedile dividiu a mesa de seminário sobre democracia com o ministro do STF, Ricardo Lewandowski. Foto: Sara Sulamita

Além da destruição política, o saldo da crise é um agravamento das desigualdades, com milhões de brasileiros voltando a conviver com o fantasma da fome. Para mudar o cenário, Stedile cita tarefas urgentes em que o movimento deve apoiar o governo de Lula: combater a fome, o desemprego, garantir recursos para saúde e educação, “que foram dilapidados”, e moradia. Mas, para além disso, construir um novo projeto de país, “que nós chamamos de popular, para dar um caráter de classe”.

Contra esse projeto, a principal oposição não virá do bolsonarismo, na visão do dirigente, mas da burguesia nacional. “A maior oposição ao governo Lula virá da Faria Lima”, defendeu, citando como exemplo o embate com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em torno da taxa de juros.

“O Lula é da classe trabalhadora, e foi eleito para defender os interesses da classe trabalhadora. E o cara do BC foi indicado pela extrema-direita para defender os interesses do Itaú”, resumiu.

Para fazer frente a essa pressão do capital, Stedile afirma que o caminho é a mobilização popular. Como instrumento, o movimento aposta nos Comitês Populares, para mobilizar e formar uma militância que seja “fermento na massa”, ajudando a organizar a população.

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