Alguma coisa está muito errada num país quando é ‘preciso’ indicar alguém do mercado financeiro para o Ministério da Fazenda.
Foi o que disse, num artigo para a Folha, com sabedoria ferina, o ex-ministro Delfim Netto.
Agora: e quando o candidato preferencial do governo ao cargo é presidente de um banco que, poucos dias atrás, estava no centro de uma acusação fundamentada de evasão fiscal via paraíso fiscal?
Sei que o PT adotou o pragmatismo como razão de vida, mas há momentos em que nem o pragmatismo explica o inexplicável.
No último trabalho de Fernando Rodrigues na Folha antes de ser demitido, ele mostrou que o Bradesco – bem como o Itaú – usou Luxemburgo para deixar de pagar 200 milhões de reais em impostos.
Vamos ao contexto.
No mundo inteiro, coibir manobras fiscais – o codinome para sonegação – é uma das maiores prioridades dos chefes de governo.
No encontro do G 20, este foi um dos pontos sublinhados pelos presentes, entre eles Dilma.
As economias das nações são brutalmente golpeadas quando as maiores empresas deixam de pagar os impostos devidos.
O ganho é apenas dos acionistas. A sociedade é altamente prejudicada.
As contas dos países, com a sonegação em alta escala, ficam perigosamente desequilibradas, e daí decorrem sérios problemas econômicos.
O Brasil vive este desequilíbrio, aliás, como prova uma controvertida tentativa do governo de fazer uma gambiarra na questão do superávit.
O Bradesco foi flagrado num caso de evasão. E mesmo assim seu presidente é cortejado para ser ministro da Fazenda.
Que mensagem é passada para a sociedade? Mais: para as corporações que, como o Bradesco, se valem de paraísos fiscais? Mais ainda: para as empresas que não usam este tipo de artifício?
Na Suécia, a Ikea foi citada na mesma lista de usuários de truques fiscais. O governo imediatamente manifestou sua repulsa ao que a Ikea fez e anunciou medidas para acabar com a festa.
No Brasil, autoridade nenhuma falou nada sobre o caso que envolve Bradesco e Itaú. Nem a Receita Federal emitiu ao menos um sussurro que mostrasse que ela ao menos tomou conhecimento e está investigando.
E eis que o Bradesco está no noticiário – mas cortejado para ceder seu presidente ao cargo mais importante da equipe de Dilma.
Num quadro clássico de um programa antigo de humor, alguém fazia uma pergunta aguda. A resposta vinha cheia de malabarismos verbais.
O homem que respondeu dizia, no final: “Entendeu?”
O autor da pergunta devolvia: “Entendi, mas não compreendi.”
Quanto a mim, como muitos brasileiros, entendi mas não compreendi o convite ao presidente do Bradesco.