Crítico de Moro e Dallagnol, novo juiz da Lava Jato contesta prisão de Lula: “Caso encerrado”

Atualizado em 16 de fevereiro de 2023 às 10:11
O juiz federal Eduardo Appio – Foto: Divulgação JF-PR

Em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, o juiz federal Eduardo Appio, que assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato, contestou a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele também é crítico de Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol: 

(…) Sobre o que deu certo na Lava Jato e o que deu errado, a prisão para extrair delações foi um problema que o sr. observou? Li muitas críticas de que isso poderia ter acontecido. Seria temerário e leviano eu afirmar de forma categórica. (…)

A Lava Jato acabou fazendo muita escola. Houve uma jurisprudência que endossou determinados mecanismos porque isso produzia resultados concretos. Há um apelo emocional muito grande ao discurso de que a sociedade anseia por mudanças. Quer, mas as mudanças não virão, a não ser a um custo altíssimo, a que nos assistimos, através do Poder Judiciário, por mais frustrante que isso possa ser.

Ficaria um superpoder fazer proposições políticas de grandes mudanças estruturais, como “20 medidas contra impunidade”, aquela coisa. Isso é da política. Se quer fazer política, vai para a política. Tanto é verdade que o atual deputado federal Dallagnol e o atual senador Sergio Moro foram para a política. Viram que dentro do Judiciário e do Ministério Público é inconstitucional fazer isso.

Isso eu sempre defendi. Judiciário está atrelado a princípios. O juiz vai estar tentado a todos os dias à sedução do populismo judicial. É uma tentação que nós convivemos todos os dias, principalmente os juízes mais jovens.

O sr. é crítico à prisão do presidente Lula. Gostaria que explicasse melhor. A questão do atual presidente Lula é ilustrativa. Não interessa a pessoa, é o que menos importa, o que interessa é o ‘case’ do direito.

Para nós, acadêmicos, que escrevemos sobre direito, ele envolve os requisitos para a prisão cautelar [provisória], a necessidade ou não de prender uma pessoa, no caso, com mais de 70 anos, sem que possamos mostrar de forma muito concreta de que se estiver solto vai continuar perpetrando crimes. Ali, os críticos da prisão do atual presidente falaram exatamente isso.

E tem procedência na minha opinião, como professor. Por quê? Os crimes que se apontavam na denúncia [contra Lula] haviam ocorrido, segundo o Ministério Público, muitos anos atrás. [Portanto,] é evidente que aqueles requisitos legais e constitucionais não estavam presentes na minha modestíssima opinião. É um caso que já transitou em julgado [não há mais possibilidade de recurso] no Supremo, é um caso encerrado.

(…) A sua postura é diferente da de outros colegas juízes. Sim, mas e os diálogos da Vaza Jato? Foram derivados de uma prova ilícita, e isso foi reconhecido, mas e o debate moral, político e ético? Tudo foi jogado para debaixo do tapete, como se nada tivesse acontecido. Todos lemos perplexos os diálogos, temos que nos resignar e imaginar que isso é o dia a dia dos promotores e juízes. Não é verdade. Eu estou há 30 anos nisso. Eu nunca vi.

Participei do programa, não me arrependo. Inclusive, no âmbito pessoal, não tenho nada contra Moro, contra Deltan Dallagnol. Mas isso não me impede de fazer crítica à operação como um todo, ao papel histórico. Achei interessante marcar posição naquele momento, quando a hegemonia era o discurso punitivista, o pé na porta e rasgar a Constituição. Eu estava do lado certo da história.

Quando Moro estava aqui [na 13ª Vara de Curitiba], ele foi questionado sobre pretensões eleitorais. O sr. iria para a política? Não tenho [pretensões], zero. O Moro disse que não tinha, né?

Se eu fosse para a política, teria que fazer o oposto. Ao invés de criticar a Lava Jato, diria que foi a melhor coisa que aconteceu no Brasil. Ou, como o Deltan disse nesta semana em entrevista, diria que os políticos mataram a Lava Jato. Negativo. A Lava Jato está viva e, se depender de mim, vai continuar muito viva. Quando ele fala isso, se cria uma lenda urbana. Como acabou com tudo? Tem 237 ações penais aqui.

Uma das obrigações do juiz é evitar a prescrição dos processos. Não queremos um caso Banestado 2 [escândalo dos anos 2000]. Nós, que estamos no Judiciário, temos a obrigação de encarar os processos. Existe uma responsabilidade muito grande nos nossos ombros.

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link