Em relato, oficial da ativa chama Exército de “patetolândia” e “terra do fingimento”

Atualizado em 16 de março de 2023 às 15:02
Militares brasileiros. Foto: Reprodução

Oficial da ativa do Exército Brasileiro revela o que pensa grande parte do efetivo atual das forças armadas, que na sua visão consideram que o Exército Brasileiro é uma Terra de fingimento, onde o oficial finge que está preocupado com o cumprimento da missão, subordinados fingem que cumprem as missões porque as consideram importantes, mas no final das contas quase todos tem como alvo principal a Conquista de melhores condições de vida para si mesmos.

O militar, sob condição de anonimato, critica a recente reestruturação das carreiras, que considera elitista e presenta a sua visão a respeito das sanções veladas que são  aplicadas sobre os militares que ousam ingressar na justiça visando reparar erros, humanizar regulamentos ou adequá-los a legislação vigente no país.

Sobre as Forças empacadas

No início de março de 2023 li um artigo do senador Luiz Philippe de Orléans e Bragança, o “Príncipe” membro da família real brasileira. No texto, ele acusava as Forças Armadas brasileiras de serem “Forças Empacadas, fracas e desarmadas”.

Ocasionalmente quando eu leio alguma crítica desse tipo fico meio pensativo em relação ao Exército, mas porque vejo que a maioria das críticas são verdadeiras, o que me deixa um pouco frustrado, apesar de não ser nenhuma novidade os problemas que enfrentamos.

Pensei um pouco e, humildemente, resolvi escrever um complemento ao artigo, considerando principalmente a visão interna de um oficial ainda do “baixo clero”, um 12 tenente da área jurídica que serve em uma Brigada.

O Exército Brasileiro é a terra do fingimento. Depois que eu aprendi isso, logo nos primeiros anos, passei a me dar bem dentro da instituição. No dia-a-dia fingimos que trabalhamos muito, fingimos que somos eficientes, fingimos que queremos agradar o superior, fingimos que somos agradados pelo subalterno. Fingimos também que estamos preocupadíssimos com as missões que nos transmitem, fingimos que o Exército está bem preparado para um conflito armado ou até uma moderna guerra híbrida e fingimos que acreditamos que o soldado que está de sentinela está muito bem treinado e não é apenas um adolescente de fuzil.

Tudo isso para “parecer”, a fim de que a sociedade brasileira acredite que temos a mesma força que tínhamos nos séculos anteriores, tentando esconder que fomos oprimidos, pouco a pouco, pelo poder político dos governos de esquerda, que dominou o Brasil ao longo das últimas décadas, até o ponto de ser ridículo tentar comparar a autoridade de um general com a de um juiz estadual progressista.

A situação em que o Exército foi se enfiando com o fim do regime militar, já alimentada pela força de base (sindicatos etc.) que a esquerda tinha e que foi fortalecida durante o próprio regime, é vergonhosa. E a vergonha começou com as notas de repúdio do Clube Militar, que quando emitidas transmitiam algo de muito preocupante e solene, mas passaram a meras caricaturas daquele milico que fala muito mas não nada faz.

Ou seja, a saída do poder em 1985 com a abertura “lenta, gradual e segura” foi atrapalhada e obrigou a instituição a ficar agradando políticos do momento para obter qualquer merreca, além de uma reinserção atabalhoada na política e que acabou ocasionando a humilhação que o Exército passa hoje.

Internamente, a ineficiência do Exército para gerir qualquer processo pode ser vista no dia-a-dia, principalmente porque é uma instituição verticalizada e caracterizada por muita vaidade daqueles que estão no topo da cadeia de comando. Muitos coronéis simplesmente não conseguem aceitar que um assessor jurídico possa saber mais do que eles, incrivelmente na área jurídica!

Outros coronéis acham que podem se utilizar de assessores de informática para benefício próprio, muitas vezes usando a autoridade sobre os oficiais técnicos temporários, ameaçando, veladamente ou não, provocar a não a renovação de seus contratos.

Fato citado pelo senador: a debilidade das Regiões Militares para conceder os registros dos CACs ao longo do governo Bolsonaro, foi simples má gestão. É verdade que faltava efetivo, isso é inegável, mais ainda considerando o aumento abrupto do volume de serviço nas SFPC (Seções de Fiscalização de Produtos Controlados), responsáveis pelos CACs nas Regiões Militares. Porém, a falta de agilidade é muito clara.

Ainda sobre a burocracia, como assessor jurídico de uma Brigada produzo documentos que precisam ser impressos, analisados por um Chefe de Estado-Maior e depois pelo Comandante da organização militar. Depois que cada um altera o que quer, insere vírgulas, inverte estruturas de frases, um muda a vírgula que o outro colocou e… após várias impressões em papel do mesmo documento com alterações insignificantes e algumas horas esperando nas filas para “despachar”, temos a versão final assinada fisicamente pelo Comandante, porque o Exército não conta com assinatura digital, apenas em casos bem específicos.

Muitos desses comandantes e subcomandantes são coronéis e generais que fizeram o curso da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), na Praia Vermelha no Rio de Janeiro. Ou seja, deveriam ser muito qualificados tecnicamente.

Maquina de Guerra

Quando assisti ao filme “Máquina de Guerra” (“The Pentagon Wars”) comecei a entender. O filme é contextualizado no Exército Americano, mas que espelha situações idênticas do nosso Exército. Em diversas cenas aparecem generais discutindo, como se fosse uma conversa de bar, sobre como o engenheiro deve projetar o famoso tanque “Bradley”, projeto militar que, ao final de algumas décadas, gastou alguns bilhões de dólares até ficar pronto e, ainda, cheio de problemas. Qualquer semelhança com o Exército verde-oliva não é mera coincidência.

Apenas por curiosidade, assisti a alguns vídeos recentes de uma das cabeças mais altas do Partido dos Trabalhadores. Ele obviamente tem ideias demoníacas, mas também tem uma percepção da realidade melhor do que qualquer general do alto comando.

Não entendo por que os nossos generais se assemelham sempre a “robozinhos” quando estão falando e, assim como os ministros do Supremo Tribunal Federal, têm dialeto próprio. A diferença é que são apenas mais brutos, rudimentares e menos afrescalhados.

O art. 31 do Estatuto dos Militares, que diz que dentre os deveres militares está “VI – a obrigação de tratar o subordinado dignamente e com urbanidade” é só para inglês ver. As palavras no quartel até são suaves, os elogios são sempre muito admiráveis, mas no momento em que se decide quem se beneficia financeiramente ou com missões no exterior, é sempre o topo, e é sempre o oficial formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

Por exemplo, com a reestruturação dos militares todos os militares federais passaram a receber o Adicional de Compensação por Disponibilidade Militar, que substituiu o Adicional por Tempo de Serviço. O novo adicional, para os generais, tem percentual de 35% a 41% sobre o seu soldo (que já é maior), enquanto que o soldado, o cabo, sargento e o tenente ficam no percentual de 5% sobre o seu soldo (que já é bem menor).

A justificativa? Passados alguns anos da publicação da lei, nada foi apresentado como justificativa, o que faz com que o ambiente de trabalho tenha algo de hipócrita, pois todos sabem das injustiças, mas reclamar, além de ser inútil, é sinônimo de transgressão militar.

Portanto, o movimento político que conseguiu aprovar a lei de reestruturação da carreira dos militares é corporativista, mas no sentido de que a “corporação” são os generais. Eles é que são a “família militar”, não o sargento ou o tenente e suas esposas e filhos.

Da mesma forma, a reestruturação de 2019 trouxe o aumento do adicional de habilitação, que remunera o militar pelos cursos que ele faz, seja pelo Exército, seja por conta própria. Até a reestruturação, era relativamente fácil que o militar fizesse, por exemplo, uma pós-graduação lato sensu ou um mestrado, e solicitasse o cadastro do mesmo, passando a receber o respectivo adicional, desde que o assunto do curso tivesse alguma relação com a função desempenhada.

Como os percentuais foram majorados significativamente, o Exército resolveu “fechar o cerco” aos militares que estavam buscando seu aprimoramento técnico-profissional, estabelecendo que somente seria pago o adicional se o curso fosse feito “por determinação do Exército”, além do fato de que somente oficiais superiores poderiam cadastrar cursos de mestrado. No entanto, alguns quadros, como o de assessores jurídicos, de administração, de informática e de contabilidade não possuem nenhum curso a nível de mestrado à disposição dentro da própria Força; já os oficiais que são formados na AMAN farão cursos que os garantirão o adicional de habilitação mais vantajoso, independentemente do esforço na carreira.

Ou seja, o incentivo ao aprimoramento perdeu todo o sentido. É verdade que aqueles que querem desenvolver conhecimentos assim o farão, da mesma forma, mas por satisfação pessoal. Porém, o referido adicional passou a ser pago de forma selecionada e sem critério justo.

A forma como tratam o Quadro Complementar de Oficiais (QCO) é um desprestígio, seja em razão dos interstícios (tempo mínimo) para promoção maiores do que os outros oficiais, seja pela menor remuneração causada pelas artimanhas que fizeram com os adicionais. Além da preterição para a realização de cursos, dentre outros.

Por exemplo, o Exército oferece o Curso de Direito Internacional dos Conflitos Armados (CDICA). Se pensarmos que o oficial do QCO da área de Direito é o assessor jurídico por excelência, já que foi advogado e entrou na carreira militar para fazer isso a vida toda no Exército, é natural que se destinem algumas vagas do referido curso a esses militares.

No entanto, o CDICA é prioritário para a infantaria, a cavalaria, a artilharia e tudo mais que vier da AMAN e não tiver nada a ver com o Direito, em detrimento dos assessores jurídicos por vocação. Se isso não é desperdício de recursos públicos, não sei o que é.

O Exército é composto por pequenos grupinhos corporativistas e que ferram uns aos outros, na ânsia por mais benefícios de qualquer espécie.

E bastante compreensivo que o militar prejudicado passe a carreira reclamando, será “um inimigo verde oliva”. No dia em que o país se envolver em uma guerra de verdade, uma parte do Exército vai tentar explodir a outra.

Outro ponto importante é a cultura do trote ou da punição velada. Quando um militar destoa um pouco do comportamento esperado pela cultura do “sempre fizemos assim” ele sofre retaliações.

Por exemplo, se por algum motivo um militar de carreira, já com muitos anos de serviço, tiver que pedir uma Licença para Tratar de Interesse Pessoal (LTIP), naturalmente não receberá a remuneração desse período mas arcará com a pensão militar e a contribuição para o Fundo de Saúde do Exército (Fusex). Em razão da licença ele também perderá o tempo de serviço correspondente.

Até aí, tudo certo. Porém, o que ninguém conta para esse militar é que ele será penalizado nas próximas promoções. Ainda que haja um motivo nobre para ele ter pedido a licença e que tal motivo tenha sido informado na sua organização militar, esse militar “perderá sua turma” na próxima promoção. Em razão da licença ele perderá tempo de serviço normalmente, mas o previsto na legislação é que ele fosse o último promovido de sua turma. Porém, o que acontece é que não promovem o militar, deixando-o para o final da turma subsequente, mais moderna. Isso, como forma de punição velada, pois não há previsão legal dessa conduta.

Essa situação é mais frequente do que o público externo imagina.

E se o militar ajuíza ação contra a União fica marcado com o famoso “carrapato”, como é chamado. E não terá chance de receber qualquer benefício que normalmente se recebe na vida militar, como alguns cursos internos (Guerra na Selva, Estágio de Montanha etc.) ou missões específicas (que pagam a Gratificação de Representação). O militar fica na “geladeira” para sempre, até ter tempo para ir para a reserva.

Isso mostra como nosso Exército ainda é medíocre, mesquinho e tem pretensos “donos”.

A organização administrativa da Força é amadora. Existe uma máxima de que “todos devem saber fazer tudo” na esfera administrativa. Os militares, não importa o nível de instrução, acabam não atuando em uma área especializada; por exemplo, o assessor jurídico ou o técnico de informática fazem: sindicância como se fossem julgadores administrativos; exame de contracheques dos militares da organização militar, como se fossem técnicos da sessão de pagamento; exame de Pasta de Habilitação à Pensão Militar (PHPM, ou “pasta da viúva”), como se fossem fiscais administrativos; e são Fiscais de Contratos como se fossem membros da Seção de Aquisições, Licitações e Contratos (SALC). Ou seja, todos fazem tudo, e tudo mal feito, porque essa situação obviamente prejudica a eficiência do serviço.

Outro ponto a ser mencionado é a cobrança dos índices de preparo físico. Nos TAF (Testes de Aptidão Física), que ocorrem três vezes por ano, o Exército cobra basicamente uma corrida de 12 minutos, em que o militar precisa correr a uma certa velocidade que pode ser considerada alta, somente com o uniforme próprio para atividades físicas de lazer, o que faz com que não seja tão difícil a suficiência. Para alguns mais, para outros menos. Além disso, cobra-se flexões no solo e abdominais e, para alguns militares, flexões na barra e pista de pentatlo militar.

O fato é que não é exigida, nem estimulada, a prática de musculação ou uma corrida com equipamento de combate. Essa corrida poderia não ter como objetivo a velocidade, mas a resistência do militar, o que simula muito melhor uma situação de combate. Não se ensina nenhuma arte marcial na formação de militares do Exército; na verdade a maioria dos militares não sabe nem dar um soco sem parecer uma jovem adolescente.

Num combate real é mais importante ter força física, para carregar o companheiro que cai, do que correr rapidamente sem equipamentos.

Não há destinação orçamentária nem mesmo para que os militares pratiquem o tiro com alguma constância, nem sequer alguns tiros uma vez por ano. No entanto, o TAT (Teste de Aptidão para o Tiro) é obrigatório, e nele o militar chega no estande de tiro, dá 15 tiros de pistola e alguém diz que ele está “apto para o tiro’.

Outro tema polêmico e que foi objeto de discussão pública durante a pandemia Covid-19 é o Fundo de Saúde do Exército (FuSEx). Esse assunto mereceria um livro, pois são muitos os problemas enfrentados e que repercutem na chamada “ponta da linha”, nos usuários finais, os militares e suas famílias.

Os generais têm prioridade em tudo, sendo reservadas cotas das vagas de consultas e exames só para eles e suas famílias. Isso é feito mesmo de forma ostensiva, sob alegação de que “o tempo do general não é o mesmo tempo do tenente, ou do sargento, ou do soldado”. Ora, não sei se o tempo do general é o mesmo tempo meu, de mero tenente de uma Brigada. Pode até ser verdade que ele tenha tantos compromissos que não possa ficar em uma fila de espera no hospital militar da guarnição (obs.: generais não precisam ir ao hospital, pois suas consultas e exames são feitas por “soldados particulares” que vão até lá fazer isso, e ainda passam na frente dos demais). Pode ser que, se eu fico até depois do expediente no quartel por exigência do Chefe do Estado-Maior, ele fique até meia noite, de tantos despachos que precisa assinar.

Por outro lado, se eu não tenho como afirmar que isso é uma mentira deslavada, o fato é que o tempo da minha esposa é o mesmo tempo da esposa do general, ou até mais apertado, porque minha esposa, além de trabalhar fora, precisa cuidar dos filhos e realizar os trabalhos de casa, o que a esposa do general não precisa, principalmente porque não está mais na idade de ter filhos pequenos e geralmente conta com “soldados particulares”, que tiram serviço nas residências funcionais dos generais.

Ressalvo que os “soldados particulares” a quem me refiro não têm culpa de nada, são garotos de 18 anos que são usados como empregados, apenas isso.

O Fundo de Saúde do Exército (FuSEx) não é, juridicamente, um plano de saúde, mas um sistema de saúde específico, sui generis, para militares do Exército e seus familiares, pago pelo orçamento federal e pelas contribuições mensais dos próprios usuários.

Para marcar uma consulta médica com especialista (um oftalmologista, por exemplo) o militar precisa de um “encaminhamento médico”, que é um documento assinado por qualquer médico solicitando a referida consulta. Geralmente se consegue isso no próprio hospital militar, mas somente após uma consulta com um médico generalista, o que leva de um a dois meses.

Após, é necessário ir ao hospital militar solicitar uma “guia”, que é o documento que autoriza que o militar faça o agendamento em uma clínica conveniada. Nada disso é automatizado, nada disso é pela internet ou por telefone. Tudo é feito presencialmente, com grandes filas de mais de uma hora, em ambientes sem ar-condicionados, ou com ar-condicionado estragados no verão, ou que não ligam por motivo de economia de energia.

Lembrando que os generais não passam por nada disso, e muitos coronéis também, especialmente quando exercem funções de comando em alguma organização militar da guarnição, pois também têm seus “soldados particulares” ou simplesmente um contato dentro do hospital militar, sobre quem exercem sua influência, baseada somente eu seu alto posto.

Quando o FuSEx não oferece determinado serviço de saúde, o militar tem à disposição o sistema de ressarcimento, por meio do qual solicita previamente uma autorização para uma consulta ou um exame não realizado no FuSEx, usa o serviço e então requer o ressarcimento propriamente dito. Esse sistema de ressarcimento é dificultado ao máximo, justamente porque é o mais oneroso para o FuSEx. Quando digo “dificultado” é da forma mais abjeta mesmo, obrigando que o usuário tenha que ir, fisicamente, em diversos setores do respectivo hospital militar, buscando assinaturas de pessoas de má vontade, que fazem tudo como se fosse um favor ao usuário.

Toda essa burocracia serve justamente para dificultar o acesso aos serviços, de forma que o FuSEx possa continuar existindo e prestando com excelência os serviços somente para a tal “família militar”, composta por uma pequena elite do Exército.

A ideia de que o FuSEx pudesse funcionar como se fosse um plano de saúde comum é sumariamente rejeitada pelo Exército, que se veria obrigado a encontrar outra forma de beneficiar a elite militar. Assim, somos obrigados a pagar esse sistema podre, mesmo contra a vontade, lutando por guias, ressarcimentos etc.

Apesar de estarmos no século XXI a vida administrativa da nossa Força Terrestre, que defende a soberania nacional e, segundo a Constituição (pelo menos por enquanto) garante a defesa da Pátria, funciona essencialmente em papel. A cultura de processos físicos impede a digitalização das sindicâncias e dos procedimentos mais simples. Não há um “processo eletrônico no âmbito do Exército”. Existe um sistema chamado SPED que, de tão arcaico, algumas organizações militares simplesmente não usam, preferindo os documentos físicos. Haja papel! O Zimbra, cliente de e-mail institucional (@eb.mil.br) sofre com frequentes invasões.

Como não há um sistema próprio, e o que tem (SPED) não é adaptado às necessidades, isso gera algumas excrecências que podem parecer piada. Por exemplo, quando se conduz uma sindicância todos os documentos que o sindicante expede precisam ter o mesmo NUP (Número Unico de Protocolo). Só que para expedir uma precatória, por exemplo, e ouvir uma testemunha em outro local, o sindicante precisa fazer um DIEx (Documento Interno do Exército) com o NUP da sindicância e anexá-lo a outro DIEx, com outro NUP, para a organização militar da pessoa a ser ouvida. Ou seja, é um DIEx anexo a outro DIEx; quem é militar e entende do que estou falando, se pensar sinceramente sobre isso, começará a rir.

Outra situação corriqueira é a exigência que se faz anualmente para que o militar assine um documento chamado “Declaração de Validação da Declaração de Beneficiários”, sob pena de punição disciplinar. O próprio nome do documento já é o cúmulo da burocracia. Trata-se da renovação de uma lista dos beneficiários da pensão militar, caso o militar faleça, sendo uma forma de resguardar seus verdadeiros dependentes, já que muitas vezes ele contrai matrimônio uma, duas, três, quatro vezes, mas esquece de atualizar a Pasta de Habilitação à Pensão Militar (PHPM).

É uma providência, de certa forma, compreensível por parte da Administração Militar, em razão da experiência que se tem. Mas isso poderia ser feito via sistema informatizado, como é, por exemplo, o Sistema de Gestão do Desempenho (SGD), ou até por um simples e-mail. Não tem como entender a ineficiência administrativa do Exército.

E muito comum, e na verdade é a regra, que os comandantes de organizações militares façam reuniões com todo efetivo, ou pelo menos grande parte dele, para tratar de assuntos absolutamente dispensáveis. Enquanto isso, a cobrança pela quantidade de documentos a serem confeccionados aumenta .com toda a burocracia já explicada acima) e o efetivo diminui anualmente.

O Exército tem tantas características de uma “patetolândia” que precisou ser feita uma Reunião do Alto Comando do Exército (RACE) para definir se a calça do novo uniforme seria colocada para dentro ou para fora do coturno. Conseguiram passar duas vergonhas: uma fazendo a RACE só para isso e outra decidindo que a calça ficaria para fora, apesar de diversos estudos técnicos afirmarem que a calça ficaria melhor, operacionalmente, para dentro.

Isso tudo por causa de um pequeno grupo de generais que queria usar a calça para fora. Em um ato de “querência”, como chamamos, mudou-se um projeto, o projeto COBRA (Combatente Brasileiro), que já vem sendo desenvolvido há décadas no Exército.

Da mesma forma, decidiram que a nova farda deve ser utilizada com as mangas arriadas, tapando todo o braço até o pulso, diferente da farda atual. E isso somente “porque sim”. Em organizações militares localizadas em regiões mais quentes, essa medida só traz incomodação com a tropa. Não é possível que alguém não pense nisso em Brasília.

Mais uma questão é o medo do Exército tem em relação à sua imagem institucional. Esse medo é maior do que a vontade de fazer o certo, realmente. É mais importante “parecer” que está fazendo o certo. Mas agora, após as eleições de 2022 é que a imagem do Exército foi efetivamente para o lixo. Como mencionou o Senador Luiz Philippe, quem é de esquerda já não gostava mesmo e quem é de direita passou a desprezar, tratar como mais uma das instituições ineficientes do Estado Brasileiro.

O Alto Comando do Exército nunca fala sobre o Foro de São Paulo, pois isso significa comprar briga com o establishment, o que prejudicará a imagem da Força. Só insiste, mesmo, no slogan braço forte, mão amiga”, que já cansou, sinceramente.

Nos últimos anos, como já mencionei, diversos militares entraram individualmente na política de forma equivocada, atravessada. No entanto, militar não deve se envolver com política, salvo se for para a reserva, abstendo-se de utilizar o posto ou graduação para se promover eleitoralmente. A forma correta, e mais eficiente, de influenciar a sociedade com os valores da caserna seria por meio da integração com a sociedade e a academia, e isso poderia ser a função da Escola Superior de Guerra (ESG). Mas a ESG é extremamente fechada e só quer saber de desenvolver seus “altos estudos” para a cúpula das Forças Armadas.

Não há, no Brasil, um corpo civil que discuta a defesa e a questão militar. Só os militares discutem esses assuntos e isso limita o campo de atuação e a influência que o próprio Exército exerce na sociedade. E isso é um dos fatores que vem causando prejuízos à Força Terrestre ao longo dos anos, em todas as ordens. É tão óbvio que só militares extremamente positivistas, como os do Exército Brasileiro, não percebem.

Não existem civis que se filiam ao pensamento da ESG, somente militares e de alto escalão.

De forma geral, o clima dentro do Exército é péssimo. Só se tem um bom relacionamento com os mais próximos: quem não é do meu pelotão ou da minha seção, é no mínimo uma pessoa duvidosa. Só se consegue as coisas contando com o favor dos parceiros, chamados “cangas”. Logo, quanto mais “cangas” alguém tiver, menos trabalho terá para conseguir as coisas, ainda que essa coisa seja sua, por direito.

Se alguém puder ajudar outro militar que não é seu canga, não o fará, a não ser que seja general ou coronel. Não me refiro a algo ilegal ou imoral, mas alguma coisa pequena que possa ser modificada administrativamente para ajudar, ou não prejudicar alguém.

Trabalho em uma assessoria jurídica de uma Brigada. Diariamente vemos casos em que o militar tem direito a determinado benefício, remuneração, contagem de tempo de serviço etc., mas temos que fazer artimanhas para que o militar não receba aquilo a que ele tem direito, em nome da “defesa dos interesses da Força”.

Muita coisa está errada.

E com esse intuito que escrevo este texto, porque quero ver o Exército Brasileiro moderno, ágil, forte e seguro. Não tenho a intenção de denegrir a imagem da instituição ou prejudicá-la politicamente, mas quero provocar uma mudança, e não há outro meio senão registrando o que vejo e publicando, para que a sociedade provoque as mudanças necessárias.

Publicado originalmente na Revista Sociedade Militar

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link